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    Capítulo 008 – Não se torne uma obsessiva!‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎

    Por onde andara, atraia quase todos os olhares, era impossível não se encantar com os traços delicados do rosto da sentinela de cabelos dourados.

    Yelena pisava com força, guiou-se pelo alvoroço até encontrar a Melusina, assustada pela quantidade de gente, ela não conseguia deixar de pensar em como esse lugar era imundo.

    Andou pouco até encontrar um pequeno amontoado de clientes, em uma das mesas havia o rei, junto de duas mulheres e uma criança, a qual a sentinela não conhecia.

    “Muita coragem… Vir para um lugar assim e sozinho.”

    Ela estava levemente decepcionada com a falha de segurança, ainda mais ainda pelo bárbaro ter saído sem guarda suficiente. Se sentou em uma das mesas que estavam vazias, não tão próxima a ponto de Ayel notar sua presença, nem tão longe que a impedisse de reagir se necessário.

    Seu arco estava em suas costas e ela conseguiria sacá-lo com destreza, se precisasse.

    Cada vez mais a aglomeração de pessoas preenchia cada pequeno espaço vazio da Melusina. A música, cada vez mais alta, ecoava pelas paredes de madeira. Alguns bêbados começaram a gritar, jurando que as pequenas fadas entalhadas na porta da taverna dançavam também.

    O jovem de cabelos ruivos estava conversando com aquelas mulheres havia um tempo considerável, discutiam coisas superficiais e ele se alegrava com uma pequena pausa nas suas responsabilidades.

    Ele sequer lembrava como foi parar naquela situação, Dalila ao lado de Victoria haviam se aproximado e acabara o puxando para a mesa que estavam. Ayel adoraria lembrar o que elas disseram para fazer com que ele se unisse na bebedeira, mas o álcool resolveu apagar isso da sua cabeça.

    — Desculpe a minha intromissão, mas é difícil ver um rei fora do seu castelo, você sai com frequência? — indagava a mestre dos venenos.

    — Acredito que eu enjoaria se eu tivesse uma vida parada. Imagino que estar sentado em um trono, sozinho no escuro do meu castelo é algo tão ruim… Soa como a morte. — O bárbaro tomava seu hidromel como se fosse água.

    — Parece realmente tedioso… Sinto muito. — A algoz dizia enquanto empurrava sua caneca de bebida, havia passado do seu limite.

    A Joana já estava caída, com a sua cabeça sob a mesa circular de madeira, desmaiada pelo sono. Mesmo com todo o barulho da taverna, a pequena repousava profundamente.

    Javalis, frangos e alguns guisados passeavam pelas mesas, as criadas do taverneiro levavam as travessas. O cheiro desses pratos permeava o ar, incitando a fome e mesclando ao aroma dos vinhos. Uma festa completa.

    O rei havia ordenado um leitão, que já havia sido quase que completamente consumido, talvez até tenha sido o principal causador do sono da criança. Ainda assim, ele arrancava um pouco de carne que ainda permanecia preso naquele prato e levara até a boca antes de prosseguir encarando as novas conhecidas.

    — Tenho pensado inclusive em me aventurar, garantir alguns tesouros para o reino, descobrir novas terras. — Mais forte que a responsabilidade de governar, Ayel estava afogado pela sua natureza livre, os muros de Sihêon pareciam prisões nos dias cinzas.

    — Parece uma boa ideia, majestade — Victoria concordava enquanto bebia um pouco mais.

    — E vão permitir que você saia se arriscando dessa forma? — A algoz perguntava ao imperador, sentiu o calor proveniente da bebida em suas bochechas.

    — Eles não precisam permitir nada.

    Ayel se levantara ainda um pouco tonto, ergueu-se torto, mas conseguiu ficar ereto.

    — Também não planejo mover os homens da guarda para meus caprichos, todo membro ficará e defenderá o território que me pertence, se eu precisar de alguém que me acompanhe, acredito que existam diversos aventureiros que possam me ajudar em uma jornada ou outra.

    Falou como um rei, Victoria e Dalila se encararam por um momento como se pudessem conversar apenas pelos olhos, era um gesto de aprovação para com o ruivo, que mantinha uma postura respeitável.

    Do lado de fora, a lua brilhava no ponto mais alto do céu, iluminava a tapeçaria com a luz pálida. O dono da taverna não cessava os canecos solicitados, servia cordialmente, com um sorriso tão fortemente estampado em seu rosto que chamava atenção.

    O som das risadas e das conversas passavam dos estalos que a chama da lareira do canto. As vozes pareciam temperar o toque calmo dos bardos.

    Ergueram-se brindes enquanto chocavam os canecos de cerveja, jogando a espuma para longe das mesas.

    Horas se passaram e Yelena sequer piscava, sentada ainda no mesmo lugar, afrontava o rei com os olhos, visto que ele e as companhias ainda pareciam muito entretidos.

    Alguns levantavam-se a iam embora, Ayel fora um daqueles que preferiu fazer o mesmo. Despediu-se gentilmente das duas meninas, cogitou sobre a segurança da criança adormecida, ficou mais calmo ao escutar de Victoria que ela levaria a pequena para a sua casa para que repousasse completamente.

    Ainda captou alguns contatos, já que a mestre dos venenos morava no Covil do Escorpião, pediu que ela solicitasse a presença de Belle para o castelo o mais rápido possível. Também perguntou por Anusha para Dalila, mas a moça da pele caramelo informou que o algoz não se afastaria de Maut Ka Mandir, mas poderia aceitar uma visita do novo rei. E assim seria.


    A sentinela dos cabelos de ouro poderia ter seguido o seu rei, mas acabou ficando sentada, apenas observava, havia pensado em agir, mas não o fez.

    Yelena cogitava se o seu comportamento era correto, conhecia o bárbaro há pouquíssimos meses e talvez tenha exagerado. Era fato que ela temia pela vida de Ayel tal qual temia pela vida de Aiden e ela não desejava falhar tão abruptamente de novo; perdida em seus devaneios, quase não havia notado que uma mulher se aproximara.

    Ela trajava roupas tingidas de preto e vermelho, eram espalhafatosas com frufrus. Um decote considerável deixava a lateral dos fartos seios à mostra. Nas suas costas, uma pequena corda segurava um alaúde. Um belo rosto com um sorriso chamativo e o cabelo era rosa, o que era muito incomum.

    Claro que existiam diversos boatos que algumas meretrizes da vila Thassar passavam lixívia1 em seus cabelos e depois embebiam os mesmos com águas de rosas, mas o risco parecia ser alto, e volta e meia era possível trombar com alguma mulher escalvada nas andanças pelo norte.

    — Yelena, a primorosa. A flecha certeira. A sentinela dourada e dona do rosto mais lindo desse reino, posso dizer? — esbravejava a barda enquanto puxava a cadeira para se sentar.

    — Alguns títulos você acabara de inventar.

    A voz aveludada atingiu a atenção da sentinela, que estava perdida em seus cenários imaginários. Olhou para trás e percebeu ter perdido o rei de vista, então, retornou os olhos para a mais nova pessoa na sua frente.

    — Como te chamam, barda?

    — Gwendolyn — A espalhafatosa sorriu, entregou um beijo lento nas costas da mão da jovem, segurando com delicadeza.

    — Nunca a vi antes. — Yelena encarou o beijo dado em sua mão com estranheza, mas permitiu. — É nova no reino?

    — Estou aqui há uns dias, bela. Procurando algum lugar para me fixar e Sihêon parece uma boa pedida, amei quantos clientes vieram para essa taverna hoje! — A barda demonstrava entusiasmo.

    As duas passaram um bom momento conversando, a loira mencionava o quão barulhenta e suja havia sido a noite de hoje enquanto a mulher dos cabelos rosas se alegrava com o tanto de moedas que arremessaram em sua direção.

    Alguns criados jogavam ao longe alguns baldes de madeira cheios de água no chão, esfregavam fervorosos. Era uma tática para expulsar os transeuntes que ainda insistiam em beber um pouco mais, o taverneiro não se importava, ria enquanto anotava todas as bebidas vendidas para enviar o papel para o castelo assim que amanhecesse.

    A jovem de cabelos amarelos contemplava a musicista na sua frente, reparou que essa Gwendolyn mexia muito em suas próprias vestes enquanto falava. Yelena sempre foi deveras observadora, talvez o seu melhor talento.

    — E de onde era antes? — A sentinela apontou para os frufrus — Esse tipo de vestimenta chega ser exótico, acredito que seja de muito longe.

    — Fortaleza das Esferas, não muito longe daqui…

    Yelena ligou os fatos e juntou as peças, as coisas finalmente faziam um pouco mais de sentido.

    A Fortaleza das Esferas era um pequeno aglomerado de castelos protegidos por um muro altíssimo, algumas cidades foram criadas e se concentraram naquele lugar que majoritariamente era militar, não havia reis, mas barões.

    O complexo era dividido em feudos e um mais rígido que o outro, dessa fortaleza conta-se que saíram os mais habilidosos guerreiros e sentinelas.

    E segundo a sabedoria popular, também é o lar de diversos tiranos que o mundo teve o azar de conhecer.

    — Não era um ambiente que concordava com a forma que você decidiu viver, estou certa?

    — Poucos lugares aceitam, minha bela. — Gwendolyn abrira um sorriso, mas seu semblante retornou para o sério, ergueu-se da mesa, estendendo a sua mão para a sentinela.

    A jovem loira ficou confusa, pois a música já havia parado e quase todos estavam se retirando, então, decidiu não fazer nada.

    — Dance comigo, primorosa Yelena. — A barda trouxe novamente seu sorriso para o seu rosto.

    — Eu? Agora? Mas, não há ninguém tocando nada. — indagava a jovem, confusa.

    — E precisamos de música se a vontade de dançar percorre nosso corpo como uma necessidade iminente?

    Yelena por muito cogitou, olhara para os lados e ter quase ninguém na Melusina chamava a sua atenção, a sentinela era deveras tímida.

    Por algum motivo a forma que aquela barda conversava era extremamente cativante, a loira se considerava uma completa idiota por pensar realmente em dançar com aquela estranha do Forte das Esferas.

    Quando percebeu, já havia entregado a sua mão para a mulher do alaúde e andava com ela até o meio do salão, onde silenciosamente dançaram.

    E foi um espetáculo lindo de se presenciar, Gwendolyn colocara sua mão na cintura da jovem da pele pálida e conduzia toda a dança, puxando-a cada vez para mais perto de si.

    Yelena estava completamente corada, mas deixou um sorriso por diversas vezes escapar do seu rosto concentrado. Ela estava se esforçando para não pisar no pé da barda.

    E após um giro, no meio do salão com os criados remanescentes assistindo, a mulher do alaúde se aproximou o tanto que podia e beijou a capitã da guarda real com calma, o beijo prontamente foi respondido, Yelena permitiu que seu corpo fosse completamente abraçado pela Gwendolyn.

    Mas algo atingiu a mente da sentinela com tanta força que ela se assustou, a imagem de Ayel passou pela sua cabeça no meio da osculação. A sentinela se afastou limpando os lábios com a manga das vestes.

    — Que houve, minha bela? — Os olhos da barda demonstravam a confusão que o rosto não conseguia esconder.

    — Não… Errado… Isso parece… errado.

    Yelena correu, pegando rapidamente seu arco que estava na mesa e passou pela porta das fadas que trancava a Melusina, deixando diversos rostos confusos e uma mulher apaixonada.


    1. Nota do Autor: Na Grécia Antiga, pintavam-se os cabelos utilizando água de lixívia (um alvejante usado como água sanitária durante esse período) havia também quem enxugava a cabeça com flores ou água de macela, por mais que As Contendas se passem em um período medieval fictício, achei um fator interessante para se complementar.
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