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    Capítulo 030 – ‎A perfeição!

    — Venha logo!

    Yelena adentrara ao campo de treinamento ao lado de Joana, ela adotou praticamente a garotinha desde que a encontrou no Melusina, na verdade. Ela tem pago sua estadia e sua alimentação, mas ainda deixa a pequena livre para fazer o que bem entendesse, tirando que treinaria com a líder da guarda real. Que era o que estava programado para aquele dia.

    — Sim, senhora! — A pequena ruiva corria desengonçada, tentando não fazer as suas flechas caírem da aljava.

    O local onde os aventureiros treinavam livremente ficava quase no centro do reino, outrora um campo realmente. Hoje, a terra batida indicava o quão este ambiente já fora utilizado para treinos. Um terreno endurecido com solo árido marcado pelo peso dos passos incontáveis.

    — A postos, sim?

    Yelena era uma treinadora muito rígida, os arqueiros do reino morriam de medo de um dia ter que passar por uma prova feita por ela, não era surpresa alguma que ela fosse assim. Um prodígio na arquearia. A loira conseguia proezas únicas e heroicas com uma facilidade palpável.

    Mas mesmo que houvesse essas lendas sobre sua crueldade, ela tratava muito bem a aspirante a arqueira. Então, a pequena criança parecia ter conseguido amolecer o coração intrépido da sua tutora.

    Espalhados por todo aquele local, antes mesmo de chegar nas largas cabanas de madeira onde viviam os guerreiros, constavam diversos manequins de couro e palha, erguidos como guardiões. A maioria já estava rasgada e surrada por conta do seu uso excessivo.

    Figuras hominídeas feitas às pressas, esses eram os alvos daqueles que treinavam com uma espada.

    Joana não conseguia conter seu entusiasmo.

    — Que lugar legal!

    — Não é? — A sentinela encarava a criança com um sorriso bem solene.

    — Você vem sempre aqui?

    A garotinha segurava na mão de Yelena quando andavam muito próximas, levou uns bons-dias para que a líder da guarda se acostumasse, mas ela não ligava mais. Na verdade, sentia um calor gostoso no peito quando perto da pequena.

    — Ah, quase sempre, Kord e Claude vivem logo ali — Ela apontou para os casarões dos guerreiros, não muito longe do campo. — Quando quero conversar com eles, venho direto para cá.

    Enquanto caminhavam, costurando pequenos amontoados de pessoas que tentavam aprimorar as suas habilidades, as duas observavam filas desorganizadas de crianças e adolescentes. Atentos.

    Escutavam tudo com muito esforço, mantendo seus olhos atentos aos seus superiores.

    Não que exista uma guilda dos guerreiros, mas eles nunca negariam treino a ninguém.

    — Eles vão estar conosco hoje? — A baixinha estava distraída, olhando treino alheio, mas perguntou ainda assim, mesmo sem olhar diretamente para Yelena.

    — Não, eles estão muito ocupados patrulhando o bosque sul.

    — O que tem lá? — indagou Joana, voltando a encarar sua tutora.

    Crianças e a sua curiosidade.

    A dupla de guerreiros estava à espreita, o rei tinha as suas suspeitas de que haveria uma retaliação dos goblins desde o último ataque no emaranhado verde.

    Decerto que não havia exagero da parte do bárbaro, alguns bons grupos dessas criaturas verdes, vez ou outra, saíam do bosque das folhas densas tentando atacar os muros. Pereciam interceptados toda vez, mas não queriam arriscar perder inocentes nessas poucas baterias.

    Havia rumores de que se iniciaria uma guerra e as criaturas verdes estavam apenas ganhando tempo enviando distrações para os guerreiros de Sihêon enquanto se preparavam no coração do bosque.

    Não que fosse algo que uma garotinha desse tamanho precisasse saber, Yelena apenas mentiu.

    — Rotina, pequena. Os dois foram designados para patrulhar aquela área por enquanto, logo estarão aqui, conosco.

    — Legal! — Joana estava eufórica.

    Ela já tinha uma noção ótima com o arco e a flecha e já até havia feito alguns trabalhos para isso, por mais simples que fossem: como matar um coelho para o dono de uma plantação ou retirar algumas ervas daninhas do caminho até o castelo.

    Encarar os pequenos guerreiros acertarem os manequins a deixava tão animada que ela andava e pulava.

    Os veteranos tinham suas expressões marcadas pelo tempo e suas armaduras demonstravam um desgaste. Eles orientavam firmemente os novatos, ajeitavam suas posturas, demonstravam ataques e, quando necessário, corrigiam seus movimentos.

    Mas não era esse o alvo, a mulher e a sua criança estavam passando direto por esse ponto. O objetivo delas estava muito mais ao fundo.

    Para onde ambas estavam caminhando, erguiam-se alvos de madeiras que pareciam firmemente marcados no chão. Cada um desses alvos estava em distâncias diferentes umas das outras. Havia uma quantia muito menor de crianças nesse lado, e uma boa parcela se afastou quando Yelena chegou. Não queriam atrapalhá-la.

    — Escute bem…

    Yelena dizia enquanto soltava parte da sua carga no chão, depois de um tempo. Estava ela e Joana lado a lado, com seus arcos em mãos. A pequena parecia um espelho, refletindo todas as ações que a loira fazia.

    A sentinela ergueu o arco com a postura firme:

    — Joana, não basta acreditar que atirar com o arco seja apenas puxar esta corda aqui e soltar. Você precisa entender anteriormente o que tem nas suas mãos e principalmente quem você está enfrentando.

    A criança concordou com a cabeça silenciosamente, imitando tudo que sua tutora havia feito. Respirara fundo quando ergueu e mirou com seu arco.

    — Primeiro, certifique-se de que seus pés estão bem alinhados com o alvo.

    Ambas fizeram.

    — Respire fundo… Sinta como se o arco fosse nada mais que uma extensão do seu braço.

    Yelena olhara para o lado, para a sua surpresa, a seriedade com que Joana estava levando assustava, principalmente esses conhecimentos todos. A mulher imaginou que nesse momento a garotinha fosse rir ou algo do gênero. Mas a garota ruiva respeita os ensinamentos, e isso. É o maior combustível que existe para um professor.

    — Sobre a angulação… Preciso dizer: levemente para cima ajuda a atingir distâncias maiores, mas você precisa ter noção de que, se subir demais, perderá a precisão.

    A flecha zuniu. A sentinela loira atirou.

    Não demorou muito para sua aprendiz fazer também.

    A flecha de Yelena acertou perfeitamente o alvo, a flecha de Joana viajou pela esquerda encontrando apenas o chão.

    A garotinha com uma expressão clara de frustração encarou com nervosismo sua tutora. Que riu.

    — Ei, que isso!? Não se preocupe, vou te ajudar. — A sentinela abriu um sorriso enorme, os homens ao redor perderam o seu foco ao encarar aquele rosto angelical.

    A líder da guarda real deixou seu arco de lado, andara até a sua pequena pupila e ficou atrás dela, guiando como seus braços deveriam se mexer, depois que ela ajeitara a posição da criança, usou seus dedos para fazê-la olhar para cima, segurando seu queixo.

    — Veja.

    — Ver o quê? — A ruiva não havia captado.

    — Preste atenção no clima, um dia lindo de sol como esse vai exigir menos esforço para enxergar, não é mesmo?

    — Sim… Sim, senhora. — Joana sorriu.

    — Então… Mas você não pode se esquecer do vento, pequena.

    Os olhos da criança brilharam com essa epifania.

    — Quando ele vier de um dos lados, você vai precisar ajustar sua mira um pouco para a direção contrária. — Yelena continuou — E quanto mais forte a pressão desse vento, maior precisa ser o desvio.

    — Estou começando a entender… senhora.

    E a loira estalara a língua. Segurando ambos os braços da sua aluna, para guiá-la.

    — Concentre-se, sim? No instante em que você estiver puxando a corda. Sinta seu corpo trabalhar junto, sinta todo o comprimento do arco que você possui.

    Joana estava delicadamente puxando o arco, parecia que não iria ter força para puxar até a sua máxima extensão após ter feito devagar demais. Mas sua mestra estava ali e a auxiliou.

    — Mantenha seus ombros bem baixos, seu braço precisa estar firme. Solte esta mão… — Yelena apertara a mão direita da garotinha, que segurava a corda. — Apenas quando sentir de verdade que a sua flecha está pronta para zunir por aí. Isso é o que separará você do restante, criança. É o que separa um mero atirador amador, para um líder sentinela.

    Joana conseguia captar, mesmo que minimamente, não que fosse um bom ambiente para a comparação, sua mestra era uma genia nessa área de atuação, então o mínimo que poderia se esperar seria uma visão mais filosófica de tudo. Mas a pequena esforçava-se tamanho para poder absorver o que lhe foi passado.

    A criança estava pronta, sua tutora se afastou. Ela atirou…

    E errara o alvo.

    — De novo. — A voz da loira era séria.

    Joana repetira, quando atirou uma vez mais, o alvo estava bem distante de onde a flecha caíra.

    — De novo.

    Então, era essa a parte que todos reprovavam nos ensinamentos de Yelena, ela preferia falecer a aturar falhas.

    — De novo.

    E com o passar do tempo, a ruiva começou a sentir o seu corpo ficar dolorido, seja dos movimentos repetitivos, ou do náilon do arco marcando seu corpo.

    — De novo.

    As flechas fendiam o ar. Com suas pontas mais variadas, cravavam-se no chão, longe dos círculos que eram desenhados com carvão nos alvos fincados à frente.

    — De novo.

    Mesmo com a sua aprendiz claramente ofegante, a postura da professora não mudou um centímetro sequer. Yelena estava de braços cruzados encarando a garota e conforme ela disparava as flechas, apenas seus olhos acompanhavam o trajeto do tiro, sequer movia o rosto para o lado, para não deixar de observar Joana por nada.

    Uma pressão esmagadora, uma responsabilidade gigantesca. A pequena criança estava com muita vontade de chorar, mas toda vez que ela voltava a sua atenção para a mulher loira e completamente assustadora ao seu lado, ela ouvia o mesmo.

    — De novo.


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