Fazia cerca de sete horas desde que Niko e Evellyn saíram em direção ao lugar da primeira memória de Niko, metade do caminho havia sido percorrido e já estava de manhã. Niko estava dormindo dentro da carroça com um livro próximo de si. O garoto ficou lendo até pegar no sono. Enquanto isso, Evellyn estava acordada guiando a égua, com um olhar distante em direção ao chão, quase como se estivesse dormindo de olhos abertos. 

    Após horas na mesma posição, olhando para o mesmo lugar, a elfa olhou, nada entusiasmada, para frente e logo em seguida para trás, observando Niko dormir. Ela então entrou dentro do veículo e pegou um violão que estava no chão, voltando para o banco da frente em seguida.

    Ela tocou o instrumento uma vez, balançando os dedos entre as cordas, de cima para baixo, dando uma pequena pausa em seguida. Entre os barulhos de cascos e o movimento da carroça balançando, a garota começou a tocar uma melodia melancólica. O sentimento que o instrumental da música causava era como se estivesse andando sozinho, com dor e frio em algum lugar sem ninguém por perto para se apoiar.

    “Os soldados retornaram, de sua difícil missão.

    Os melhores ficaram, já os outros, os outros não.

    O rugido da luta ecoa, para ela ao norte.

    Nos deixando feridos, nos tornando mais fortes…”

    A elfa de repente parou de tocar, ficando um tempo a olhar para o chão. Após alguns instantes, ela ajeitou a coluna, deu um suspiro e voltou a tocar novamente.

    “…Talvez sejamos estranhos, oh irmãos de Kzayn.

    Embora seja verdade, temos a mesma vontade.

    Mesmo se eu caísse aqui, isso não importaria.

    Vamos proteger nossa bandeira, bem, com as nossas vidas.

    Vamos proteger a bandeira, bem, com as nossas vidas…”

    Evellyn terminou de tocar o instrumento, colocando-o ao seu lado, olhando para baixo de forma deprimida, deu um breve suspiro em seguida e retornou à posição em que estava antes de tocar a triste música.

    — Você toca muito bem. — ecoou uma voz vindo do interior da carroça.

    Evellyn olhou para trás com pouco ânimo, vendo Niko, antes dormindo, sentado e olhando para seu rosto. Percebendo que era o garoto, Evellyn se virou de volta para frente, olhando novamente para baixo.

    — Obrigada…

    Percebendo que Evellyn estava bem distante, Niko decidiu se aproximar da garota e entender o motivo disso. Ele foi em direção a Evellyn, retirou o violão do banco, colocou-o dentro da carroça e sentou-se ao seu lado.

    — Você está bem? Parece meio distante.

    — Estou, é só que… — Evellyn fez uma pausa para coçar a nuca — …Eu estava lembrando de algumas coisas e quando eu lembro delas eu gosto de tocar alguma música. Isso me ajuda a colocar a cabeça de volta no lugar. — terminou ela, dando um pequeno sorriso em direção a Niko, depois olhando para baixo novamente.

    Um silêncio começou, um silêncio que Niko acreditava que duraria alguns minutos, até que ele quisesse comer algo ou tivesse algo para conversar com Evellyn. Porém, aquele silêncio logo foi cortado, pouco tempo desde a última fala de Evellyn.

    — Eu gostava das vezes que tocava e cantava na guerra. Eram momentos especiais. — Evellyn, então, olhou para frente — Eram momentos em que eu podia esquecer que o mundo estava se despedaçando em minha volta e simplesmente só… fazer algo bom, algo que eu pudesse me sentir bem e que fazia os outros à minha volta se sentirem bem também… — depois dessas palavras, Evellyn voltou a olhar para baixo — Fazer isso também me lembra do meu pai… Ele gostava de tocar junto com seus amigos quando tinha tempo… Eu amava aquele tempo… Daria de tudo para ter a oportunidade de viver mais um dia com eles…

    Depois do desabafo da garota, duas gotas de água caíram no local em que eram apoiados os pés. A primeira gota caiu à esquerda, a outra à direita, e então os olhos de Evellyn estavam cheios de água, enquanto ela se segurava para não chorar.

    Percebendo isso, Niko abraçou a elfa, dando apoio à garota, que continuou na mesma posição, mas que parecia não estar mais tão reclusa quanto antes.

    — Vocês está melhor agora?

    — Estou sim… Obrigada, Niko…


    A carroça, após horas, finalmente parou.

    — As pegadas terminam aqui e parece que elas continuam em direção à floresta. — avisou a garota de cabelos grisalhos.

    A partir de um ponto durante a viagem, Evellyn observou irregularidades na estrada que se assemelhavam a pegadas, assim ela, junto de Niko, chegaram à conclusão de que eram as pegadas do garoto, principalmente quando viram essas mesmas irregularidades em uma ponte quebrada, a mesma descrita por Niko. Então, as chances de estarem certos eram quase absolutas.

    Niko estava lendo na parte de trás da carroça, quando ouviu a notícia sentiu um pequeno calafrio e fraqueza nas extremidades do corpo, junto de um calor em seu peito. Ele estava preocupado e ansioso, mas acima de tudo determinado. 

    Niko saiu pelos fundos do veículo, colocando os pés após horas no chão. Evellyn, percebendo o movimento do garoto, saiu também, carregando consigo uma lanterna de latão que iluminava a noite escura. Após isso, ela guardou o espírito da égua de volta no frasco de vidro.

    Os dois adentraram a floresta, ainda seguindo as pegadas, com seus passos sendo ocultados pela Alma de Evellyn. Após alguns segundos de caminhada, eles chegaram até uma árvore, onde parecia ser o fim das pegadas. Niko reconheceu aquela árvore, é a mesma em que estava sentado quando despertou. Eles chegaram ao local.

    — Então… É aqui? — perguntou Evellyn, olhando para baixo do tronco.

    — Sim, é exatamente aqui. Eu me lembro do local, das árvores e de ter feito essas marcas no chão.

    — Melhor a gente ir já procurando pistas, né?

    Niko responde balançando a cabeça em sinal de afirmação.

    — Okay, então bora lá!

    Os dois caminharam em direções opostas. Niko estava andando em direção ao leste, enquanto Evellyn a oeste. Ele não sabia exatamente o que devia procurar e isso o deixava preocupado e chateado, até chegando a pensar que aquele esforço era em vão, como se ele só estivesse apenas perdendo tempo aqui. Afinal, “o que se poderia achar nesse lugar isolado?”, foi o que o albocerno pensou.

    Foi quando menos esperava, após olhar de um lado ao outro, Niko avistou uma pequena cratera na neve, do tamanho de um palmo. Isso naturalmente chamou sua curiosidade, decidindo ir em direção ao local.

    No local de interesse, além da cratera principal, havia várias marcas de passos na neve e um buraco menor, com poucos centímetros de tamanho, algo realmente bem pequeno. Estendendo a mão em direção ao buraco menor, Niko retirou um cilindro oco de bronze. Aparentava ser uma cápsula de bala.

    — Evellyn, vem aqui por favor!

    — Já estou indo!

    Alguns segundos depois a elfa apareceu, desacelerando o passo à medida que chegava perto de Niko.

    — O que foi? — falou ele um pouco ofegante.

    — Tem duas crateras aqui e nessa menor eu encontrei isso.

    Niko mostrou a cápsula para Evellyn com a palma aberta. A garota ficou surpresa, pegando o objeto na mão de Niko em seguida.

    — É uma bala de rifle, parece ser de calibre.30, mas está faltando o projétil.

    Evellyn então esticou as mãos na cratera maior, parecendo procurar por algo, encontrando algo poucos segundos após o início da busca. Ao retirar a mão do buraco, ela segurou algo semelhante a um cone metalizado, mostrando-o para Niko.

    — E aqui está ele.

    Ao ver o projétil, Niko engoliu seco, além de sentir ainda mais presente aquele calor em seu peito. Ali ele soube que não foram em vão todas essas horas gastas, ele encontrou uma pista. Aquilo o encheu de determinação, ele estava determinado a descobrir sobre seu passado e o garoto tinha a sensação de que estava no caminho certo. Evellyn guardou as partes da munição em seu bolso da calça.

    — Tem alguma teoria? — perguntou Evellyn.

    Niko colocou a mão no queixo, olhou para baixo e refletiu sobre as informações. Fechando os olhos, ele tentou pensar em alguma resposta. “Bala”, “passos”, “marcas” era isso que se passava na mente do albocerno. Após alguns poucos segundos, ele abriu os olhos, virando em direção a Evellyn, com uma postura confiante, parecendo que a resposta desse problema veio à sua mente.

    — Pelas marcas na neve e por conta dessa bala tem indícios de que houve um conflito. Então até agora temos uma vítima e um agressor.

    — Sim, faz sentido.

    Niko foi em direção às marcas na neve, buscando entender como aconteceu essa briga. 

    Havia dois caminhos de marcas de pegadas, uma levava para mais perto e outra para mais longe. Niko decidiu investigar a mais curta. Chegando no final, ele avistou uma silhueta semelhante a uma pessoa caída, junto de duas marcas de mãos ao lado. Terminando de ver a primeira trilha, Niko decidiu ver a segunda, com Evellyn o seguindo logo atrás.

    No final da segunda trilha, também havia um buraco na neve, igual ao que encontraram a cápsula de bala. Investigando o local, havia outra cápsula de bala, igual à anterior.

    — Ah, que droga. — suspirou Evellyn. — Parece até que foi uma espécie de perseguição que aconteceu aqui.

    — A vítima estava caída, se levantou e tentou fugir, mas o atirador não deixou e atirou na vítima. Mas por que a vítima estava deitada? Ela caiu? De onde? — pensou alto Niko.

    O garoto de chifres então correu de volta em direção à silhueta da neve da primeira trilha.

    — Ei! Espera, Niko!

    Niko mal ouviu o grito de sua amiga, ele estava completamente concentrado naquela investigação. Parece que algo ativou na cabeça do garoto que o deixou completamente focado nisso. Só havia uma coisa em sua mente: descobrir o que aconteceu aqui.

    Voltando ao local, Niko olhou de baixo a cima. Da silhueta até a árvore próxima a ela. Ele então lançou uma faca em direção ao grosso galho da árvore e usou seu portal, parando instantaneamente em cima da árvore, analisando a silhueta de cima.

    — A vítima caiu da árvore…

    E olhando para o tronco do pinheiro, observou um buraco circular cravado na madeira.

    — Ela foi baleada… Três vezes… A primeira em cima da árvore, o que fez ela cair, e a segunda quando tentava fugir do agressor.

    — Niko, está tudo bem aí em cima? — perguntou Evellyn, relativamente confusa sobre o comportamento do garoto.

    Niko então caiu de volta para o chão. Voltando ao solo, ele começou a caminhar de volta no lugar de onde teve o segundo tiro, com Evellyn o seguindo.

    — Você descobriu alguma coisa?

    — Teve uma perseguição. A vítima estava fugindo do agressor, pulando de árvore em árvore. O agressor alcançou a vítima, atirando nela, o que fez a vítima cair da árvore. A vítima se levantou e tentou correr do agressor, que a seguiu e atirou novamente nela, o que a fez cair bem aqui. — terminou Niko enquanto chegava ao destino.

    — Entendi… Mas cadê a vítima?

    — Entre foi capturada e conseguiu fugir. Ainda não sei qual das alternativas está certa.

    — Ela não pode ter morrido também?

    — Pelo fato de não ter um corpo aqui, acho essa alternativa bem baixa. Não faria sentido o agressor matar a vítima e depois retirar o corpo. Esse lugar é muito isolado, ninguém iria encontrar um corpo aqui.

    — Isolado até onde a gente saiba. — respondeu Evellyn de braços cruzados.

    Havia algo que estava incomodando Niko nessa história. Algo que sentia ter perdido ou esquecido desde o começo da investigação. Algo parecia faltar e depois de um tempo pensando, ele sabia exatamente o que era. 

    — Evellyn, como você acha que a vítima não levou um tiro?

    — Como assim? Ela levou duas vezes. Você mesmo disse.

    — Estou falando da primeira bala que encontramos. Como ela não atingiu a vítima? Parece que o agressor rendeu a vítima e depois deu um tiro onde ela estava caída. Como a gente não está vendo um cadáver agora?

    Evellyn coçou a bochecha com a mão direita enquanto apoiava o seu cotovelo no braço esquerdo.

    — É verdade… Você acha que o agressor atirou em forma de aviso?

    — Não sei… Mas isso não explica onde eles estão agora. Isso é só achismo meu, mas eu acho que o agressor queria matar a vítima, não faria sentido ela não receber o tiro nesse sentido, então eu acho que a vítima fugiu.

    — Como alguém conseguiria fugir de alguém armado e sem deixar rastros?

    Niko, em um ato de responder o questionamento de Evellyn, puxou uma de suas facas, mostrando o símbolo de Alma para a elfa, que esboçou uma grande surpresa e até abrindo um pouco a boca.

    — Você era a vítima?

    — Talvez. Não faz sentido eu ser o atirador porque eu não acordei com nenhum rifle comigo, mas também não faz sentido eu ser a vítima, porque não tem nenhuma cicatriz de bala no meu corpo e eu não estou ferido.

    — Então essa briga que aconteceu aqui não teve ligação com você?

    — Seria uma coincidência enorme se não tivesse relação comigo. Deve ter alguma, só não sei qual.

    Naquele ponto, Niko estava completamente confuso, toda a teoria que havia feito em relação a ser a vítima havia desmoronado pelo fato de não estar machucado. Com essa revelação, ele retornou à estaca zero. Além disso, essa história não explicava como Niko havia perdido sua memória e não tinha nenhuma pista sobre sua identidade.

    Aquilo foi praticamente inútil e não trouxe quase nenhuma informação sobre seu passado. O garoto estava confuso demais para ter qualquer sentimento, ele só queria voltar para casa e pensar em algo que pudesse fazer sentido e que respondesse suas perguntas.

    — O que acha da gente voltar para casa agora? A gente já fez tudo o que dava para fazer hoje. — falou Niko, pouco animado.

    — Ah, tudo bem. Tem certeza disso?

    — Sim.

    Assim, os dois concluíram sua investigação, voltando para a carroça. Quando estavam prestes a sair do local, Evellyn colocou sua mão no ombro de Niko.

    — Sabe, algo me diz que você estava certo, não acho que isso que a gente fez foi em vão.

    O comentário da elfa deixou Niko levemente contente, mas não sabia se podia acreditar totalmente em Evellyn. Afinal, as evidências diziam o contrário, mas aquilo era coisa para se pensar depois. Agora, Niko só queria descansar um pouco e formular algo que fizesse sentido em sua cabeça.

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