Capítulo 16 - Alistamento
— Número 1208! — gritou um híbrido de lobo com um cachimbo na mão.
Na mesma hora, um homem adulto sem camisa foi em direção ao homem-lobo, atendendo seu chamado.
O híbrido estava sentado em uma mesa no meio de um cômodo com várias pessoas de todas as raças sentadas em volta, um cômodo com chão de madeira, paredes de tijolos e alguns bancos, onde havia algumas vozes no fundo, conversando sobre diversos temas. Humanos, híbridos, orcs, elfos, todos sendo homens, baixos e altos, todos sem camisa, exibindo seu tipo de corpo, a maioria sendo musculosa ou magra, e uma minoria sendo um pouco mais gorda.
Todos eram homens, com exceção de alguém: uma garota de cabelos grisalhos, orelhas pontudas e olhos azuis-claros, era Evellyn. A elfa estava em um centro de alistamento militar, esperando que aquele lugar ajudasse ela a solucionar seus problemas ou, pelo menos, desse algum sentido à sua vida, que parecia ter virado de cabeça para baixo.
Raspando com as unhas um cristal de gelo que havia criado, era o que a garota estava fazendo pelos últimos vinte minutos, apenas isso. O pedaço de gelo derretia em sua mão direita, formando uma poça de água no chão do lugar onde estava, mas ela não parecia se importar com isso, continuava raspando com as unhas, olhando fixamente para o chão com as mãos dentro das pernas abertas, onde a garota apenas aguardava sua vez.
— Número 1209!
O homem ao lado de Evellyn se levantou, indo em direção ao centro da sala, onde o homem-lobo estava. Evellyn, nesse ponto, estava quase que hipnotizada, seu corpo estava rígido como pedra, parecia até uma estátua, não falava, mal se mexia e não olhava para nenhum outro lugar além do chão, somente esperando sua vez chegar. “1212” era seu número.
— Parece que nós somos as únicas mulheres aqui nessa sala.
A elfa virou os olhos para o lado, o mesmo em que estava o homem, agora estava uma mulher adulta de cabelos pretos e longos. A mulher estava de pernas cruzadas, segurando as mãos no branco de trás com uma postura ajeitada, olhando para Evellyn. Havia um nítido contraste entre as duas mulheres, uma estando em uma posição que exibia sua energia e a outra estando curvada, demonstrando desinteresse e depressão.
Evellyn, após olhar a mulher com uma expressão morta, voltou seus olhos para o chão, continuando a raspar o cristal de gelo.
Ao observar a reação da garota, a mulher muda sua pose, coloca os dois pés no chão, encostando uma coxa na outra e olhando para frente.
— Eu sei como você deve estar se sentindo, mas ignorar o mundo não vai melhorar a sua situação, só a piora, confie em mim. Meu nome é Clementine e o seu?
A mulher ficou alguns segundos aguardando a resposta de Evellyn, que parecia não querer conversar com a moça. Aceitando que a garota não iria falar com ela, Clementine somente virou a cabeça para o lado oposto de Evellyn, mas, quando fez essa ação…
— …Evellyn… Meu nome é Evellyn… — respondeu a garota de cabelos grisalhos, ainda com os olhos fixos no chão.
Ao receber a resposta, a mulher olhou para Evellyn, um pouco surpresa, ela realmente não esperava que aquela criança diria algo.
— Evellyn? Nome legal.
— Número 1210!
A chamada do híbrido fez a “conversa” das duas ficar em uma pausa, não trocando palavras por poucos segundos.
— Então… por que você resolveu se alistar?
— Para destruir Lieuwirk.
Evellyn mal pensou no que falaria para Clementine, nem demorou para dizer o que pensou, ela expôs o desejo mais honesto que estava preso à sua alma, o desejo que deu motor para estar onde estava, que a fez parar de chorar em sua cama por horas e começar a tomar uma ação. Vingança. Vingança por seu pai e por todas as vidas que aquele bombardeio ceifou. Era isso que fez aquela criança estar determinada a entrar ao exército. O desejo de pura vingança.
No momento em que a garota falou aquelas palavras, parou de raspar o pedaço de gelo e começou a apertá-lo com força.
— Eu vou entrar no exército para torcer o pescoço de todo lieuwirkiano que eu ver na minha frente. Eu vou fazê-los desejarem nunca terem nascido e principalmente em terem iniciado esse ataque. Eu vou fazer cada um deles sofrer… como eu sofri…
Assim que Evellyn terminou sua fala, o pedaço de gelo que estava em sua mão se partiu em duas partes, caindo no chão molhado, acabando com sua repetitiva ação.
— Esse bombardeio mexeu mesmo com você. — disse a mulher mais velha, surpresa com a crueldade nas palavras de uma garota tão nova, não fazendo distinção entre inocentes e agressores, considerando todos de Lieuwirk como culpados por seu sofrimento.
— Número 1211!
— Eu sou a próxima… — pensou alto Evellyn, aliviada por ter que esperar só mais um pouco a partir agora.
“Só mais um pouco” era o que Evellyn pensava, faltavam somente alguns segundos até a garota estar de frente com a pessoa que decidiria se ela conseguiria ter sua tão sonhada vingança contra as pessoas que tiraram a vida de seu pai. Seu coração batia mais do que nunca, seus pés e joelhos saltavam de ansiedade enquanto mordia os lábios.
— Ah, e só mais uma dica. — disse a mulher de maneira inesperada. — Não, fala para o recrutador sobre essas coisas de querer matar todo mundo, pode ser que ele ache que você é “muito rebelde” e não te aceite. Você é uma mulher e menor de idade, suas chances de entrar já não são muito altas, então tenta aumentá-las o máximo possível, okay?
A fala de Clementine fez a elfa perceber que não havia pensado no que falaria para o recrutador assim que estivesse na entrevista. Ela estava tão concentrada nas suas fantasias de “soldada que destruiu Lieuwirk” que esqueceu completamente essa parte. Assim, Evellyn tentou pensar em um roteiro na sua mente, no que falaria, suas motivações, etc. Ela sabia que a estratégia que mais daria certo seria ser uma patriota, mas não sabia o que falar, havia tantas formas de dizer que ela “queria defender a pátria” e não conseguia escolher nenhuma. O que ela falaria? O que ela devia fal-
— Número 1212!
Tarde demais para pensar no roteiro, agora era a sua vez. A elfa então se levanta, andando em direção ao centro da sala, preocupada com seu futuro resultado. Ao se sentar de frente com o inspetor, ela se lembra do motivo de estar ali, enchendo seu coração de determinação e acreditando estar pronta para a entrevista.
— Evellyn Bauer Gélis. — leu em voz alto o homem-lobo com papel em sua mesa. — Se você não tivesse Alma, eu ia te mandar para casa e te dava uma bronca, garota. — depois dessa fala, o inspetor tirou o cachimbo da boca, baforando um pouco de fumaça.
A garota ficou aliviada por sua sorte inicial, mas, ao mesmo tempo, com um pouco de medo pelo que vinha à frente. Se não fosse pelo sangue de sua família e suas habilidades, seu objetivo já teria sido destruído na sua frente, tendo que recorrer a um “plano B”.
— Nome do pai.
— Franz Bauer.
— Nome da mãe.
— Emilia Bauer Gélis.
Esses não eram os tipos de perguntas que a garota esperava. Pensava que a primeira seria “por que você quer servir?” e assim ela teria que dar um discurso do porquê quis servir ao exército de livre e espontânea vontade, mas esse não foi o caso, pelo menos não até agora.
— Sem problemas de saúde, nem alergias, ótimo. — disse o sapien enquanto via a ficha que Evellyn preencheu na portaria. — Por que você quer servir o exército, menina?
Lá estava a pergunta que estava esperando. Engolindo a saliva, a garota respondeu à primeira coisa que veio à sua mente.
— Para proteger minha pátria dos lieuwirkianos, senhor.
O híbrido não pareceu acreditar na garota, mantendo uma expressão de ceticismo, quase sendo possível ler “Sério isso?” em sua mente. Ele então estendeu a mão até os carimbos da mesa, não era possível saber qual ele pegaria, se seria o de aprovado ou o de nagado, mas mesmo assim Evellyn interrompeu a ação do homem com sua fala.
— Lieuwirk não pode se safar dessa. O tanto de vidas inocentes que eles tiraram… isso não é justo. Por favor, me deixe entrar. Eu quero justiça pelas pessoas que Lieuwirk matou… por favor… — disse a elfa, de maneira desesperada, quase que implorando para o homem, começando com os olhos fixos no inspetor e depois olhando para baixo à medida que expunha seus sentimentos, cerrando os punhos com as mãos apoiadas nas coxas.
O som de uma madeira batendo contra outra de maneira abafada à sua frente foi ouvido por Evellyn, que não podia dizer o que causou esse som. Ela ergue sua cabeça, olhando para frente. Na mesa está um documento carimbado com um “aprovado” verde.
— Ajude a salvar nosso país, garota. Acredito em você. — respondeu o homem.
Evellyn estava quase chorando de emoção, não acreditava que ela ajudaria nessa causa de justiça por seu pai. Tremendo e segurando as lágrimas, ela fala a única frase que poderia falar ao homem enquanto sorria de emoção.
— Obrigada, senhor. Vou dar meu melhor!
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