14 de agosto de 2023, segunda-feira. 

    Victor estava sentado em sua mesa no escritório da Elegance Affairs, o telefone pressionado contra a orelha enquanto discutia com um representante da “Buffet Komora”. Eles haviam desmarcado a participação em um evento marcado para o dia vinte e três de setembro, alegando um erro de agenda. 

    A frustração de Victor era evidente. Após desligar o telefone, ele abriu a agenda de eventos no computador, analisando rapidamente as opções de parceiros disponíveis. Para sua desagradável surpresa, não havia nenhuma empresa de bufê capaz de atender à demanda naquela data específica. 

    “Irresponsáveis,” pensou, os dentes cerrados. “Eu prometo que vou ensinar uma lição a eles.” 

    Sem alternativas imediatas, Victor chamou Yumi, uma colega do setor de bufês, pedindo sua ajuda para verificar outras possibilidades. A garota de cabelos cacheados e altura mediana voltou após alguns minutos, com a resposta que ele temia: nenhuma das empresas parceiras estava disponível. 

    Determinando a resolver o problema sozinho, Victor começou a buscar na internet por alternativas. Após uma rápida pesquisa, encontrou uma empresa chamada “B&K Buffet”. Era uma organização nova no mercado, mas suas avaliações eram promissoras. Com certa desconfiança, ele entrou em contato. 

    Para sua sorte, eles estavam disponíveis e ofereciam exatamente o que o cliente havia solicitado. Mesmo receoso quanto à qualidade do serviço, ele decidiu contratá-los. Victor também marcou uma reunião com o senhor Kuranami, um dos responsáveis da “B&K Buffet”, para avaliar a possibilidade de uma parceria futura. 

    Assim que finalizou a negociação, ele atualizou os dados do evento, registrou o ocorrido em um relatório detalhado e planejou encaminhar o caso para o setor jurídico, recomendando a suspensão provisória da parceria com a “Buffet Komora”. Também enviou o relatório ao senhor Akashi, seu chefe. 

    … 

    Mais tarde, Victor ouviu passos e uma voz alegre o tirou de seus pensamentos. 

    — Olá, Victor! Bom dia! 

    Era Aki, sua colega de departamento, cumprimentando-o com a energia de sempre. Ela usava o uniforme padrão da empresa: saia prata e camisa branca, o cabelo preso em um rabo de cavalo. Aki costumava puxar conversa com Victor sempre que podia, mas ele, de forma sistemática, desviava o assunto para o trabalho. 

    — Bom dia, Aki. — respondeu ele, sua voz neutra, sem demonstrar emoção. Em seguida, estendeu um documento para ela. — Pode dar uma olhada nisso? Preciso da sua assinatura para formalizar a exclusão da “Buffet Komora” de nossas parcerias. 

    Aki pegou o papel e leu rapidamente.  

    — Eu vi o relatório que você enviou. Muito bem organizado, como sempre. — Comentou, sorrindo de forma amigável. — É bom trabalhar com alguém que resolve os problemas antes mesmo de apresentá-los. 

    Por ser líder do departamento, Aki era frequentemente procurada para resolver situações de outros setores, mesmo quando os funcionários tinham autonomia para lidar com elas. Seu profissionalismo e carisma eram respeitados por todos. 

    Enquanto Aki lia o documento, o celular de Victor tocou. Ele atendeu, começando uma conversa em português, o que chamou a atenção de Aki. Via ele conversando em outro idioma, que ela não reconhecia, com certa frequência, mas nunca aprofundou a conversa até esse ponto, para saber dele. 

    Embora, sempre supôs ser o idioma do Brasil, pelo fato dele ser brasileiro. Ela lançou olhares curiosos na direção dele e tentou, em um sussurro, repetir algumas palavras que ouviu: “ban-cô,” “ma-têz,” “so-nhi-ô.” A pronúncia era desajeitada, e Victor percebeu, mas preferiu ignorar. 

    Após desligar o telefone, ele voltou ao trabalho sem comentar nada. O silêncio habitual tomou conta da sala, exceto pelo som de cliques e teclas dos computadores e do ruído do ar-condicionado. 

    … 

    Na hora do almoço, Victor caminhava pelas ruas em direção ao “Bamboo Garden”, um restaurante local que ele queria conhecer. No caminho, passou por um outdoor com uma mensagem que chamou sua atenção: “A vida continua.” Ele estava prestes a ler o restante da frase quando foi interrompido por um impacto inesperado. 

    Victor parou e olhou para frente, vendo uma pessoa menor que ele tentar recuperar o equilíbrio. Instintivamente, segurou o braço dela para evitar que caísse. Quando seus olhos se encontraram, ele reconheceu o rosto imediatamente. 

    —  Aki! 

    — Victor! — Ela piscou, surpresa. — Desculpa, eu estava distraída mexendo no celular. 

    — Eu também. Você está bem? Não se machucou? — Apesar da preocupação, seu tom continuava apático, o que era típico dele. 

    — Estou bem, obrigada. E você? — Ela sorriu, sem parecer incomodada com o jeito indiferente do colega. 

    Victor balançou a cabeça em confirmação. 

    — Eu estava indo ao “Bamboo Garden”. E você? 

    — Estava indo para outro lugar. — Respondeu Aki, jogando uma mecha de seu cabelo para trás da orelha. — O “Bamboo Garden” é um ótimo lugar.  

    — É a primeira vez que estou indo lá. — Victor comenta, enquanto se aproximava da parede para não ficar no meio da calçada. Aki o segue. 

    — Eu costumo ir lá de vez em quando. Sempre me surpreendo com o lugar. 

    “Como é estranho manter uma conversa com ele dessa forma. Será que ele só age daquela forma por estar nas dependências da empresa?” Aki se perguntava, ainda meio confusa com a situação. 

    — Então você pode ser minha guia.  

    Embora as palavras de Victor parecessem um convite, seu tom apático contrariava essa impressão.  

    — Isso é um convite? —  Aki, com receio de ter entendido errado, pergunta, com um tom leve, colocando a mão na cintura.  

    — Eu chamaria de “pedido de desculpas”. — Victor responde, fazendo sinal “entre aspas”. — Você poderia ter se machucado quando esbarrei em você e como você aparentemente gosta desse lugar… bem, você entendeu.  

    Victor se justifica, temendo passar a ideia errada.  

    “Tanto tempo sem conversar assim… Parece que estou enferrujado”, pensava Victor.  

    — Certo. Eu aceito! — Aki respondeu prontamente.  

    Victor ficou surpreso com a espontaneidade dela. 

    — Vamos. 

    Os dois começaram a caminhar lado a lado, o silêncio dominando boa parte do trajeto. 

     … 

    – Sejam bem-vindos ao Bamboo Garden! – Uma mulher com um sorriso acolhedor os recebe na entrada do estabelecimento. Ela tinha cabelo liso e preto até os ombros e vestia o uniforme feminino do local: uma saia longa azul-marinho, uma camisa branca e um avental simples, decorado com detalhes de árvores de cerejeira. 

    Após serem guiados até uma mesa para dois, eles se acomodam. O local era aconchegante, com paredes brancas adornadas com detalhes de bambu e flores de cerejeira em alguns pontos. O chão de madeira complementava o ambiente, que tinha um aroma delicioso, capaz de atrair qualquer um que entrasse. Mais ao fundo, uma parede de vidro, com uma porta, dava acesso a um jardim repleto de flores. 

    – Aqui é bem aconchegante, não? – Aki quebra o gelo. Ela adorava aquele restaurante e o indicava sempre que podia. – Toda vez que venho aqui, me surpreendo com a qualidade da comida. 

    – Realmente parece ter uma comida bem gostosa. 

    – Você geralmente não come na rua, não é? – Aki aproveita a conversa fora do ambiente de trabalho para saber mais sobre ele, movida por sua curiosidade. – Sempre vejo você com marmita na empresa. 

    – Gosto de preparar as minhas próprias refeições. – Victor faz uma breve pausa, olhando em volta. – Também não conheço muita gente aqui em Tóquio, ou mesmo no Japão, mesmo estando aqui há alguns meses.  

    Ele percebe que falou mais do que planejava, mas não se incomoda com isso. 

    Victor estava um pouco desconfortável com a situação. Fazia muito tempo desde que tivera um contato mais próximo com alguém fora do trabalho. Apesar disso, sua expressão permanecia neutra. 

    – Você gosta de cozinhar que tipo de prato? – Após um breve silêncio, Aki tenta retomar o assunto. Ela notou uma sutil mudança no semblante dele, que parecia um pouco mais animado. 

    – Gosto de cozinhar comidas brasileiras. Na verdade, qualquer prato, mesmo os que eu não conheço. – Sua voz mostrava um leve entusiasmo, e Aki percebeu que esse era um tema que realmente o agradava. Victor pega o telefone e abre a galeria.  

    – Tenho várias fotos do que já cozinhei. 

    “Rápido assim? O que aconteceu com o Victor que eu vejo todo dia na empresa?” Aki se pergunta, surpresa com a mudança de comportamento dele fora do trabalho. 

    Victor vira a tela do celular para ela, exibindo a imagem de um prato de barro decorado com folhas verdes, sobre as quais repousavam três bolinhos fritos, partidos ao meio, revelando um recheio amarelado. Cada um tinha uma fina fatia de pimentão vermelho por cima. Aki pega o telefone, empolgada, ampliando a imagem e admirando os detalhes. 

    Victor se surpreende com o entusiasmo dela. Ele não sabia, mas Aki era apaixonada por experimentar comidas diferentes. Sua função como supervisora de eventos era perfeita, já que lhe dava a chance de provar iguarias variadas nos bufês. 

    – Qual o nome desse prato? – indaga, curiosa. 

    – Chamamos de “Acarajé Baiano”. 

    – Aca-ra-jé Baiã-no… – Aki tenta repetir, tropeçando na pronúncia. Sua expressão de esforço a faz rir de si mesma. 

    Victor fica em silêncio por alguns segundos e depois explica os ingredientes, deixando-a ainda mais interessada ao mencionar o recheio de camarão. Aki adorava frutos-do-mar. 

    Ela continua passando pelas fotos, questionando sobre cada prato. Algumas receitas ela reconhece de imediato, como curry e udon. Outras, como um doce que ela achava ser tiramisu, Victor corrige: 

    – Basicamente, é isso mesmo. Chamamos de “pavê”. 

    Aki tenta repetir a palavra, com a pronúncia soando ligeiramente diferente. 

    “Essa sensação…”, pensava Victor, sentindo um leve calor enquanto observava a garota se atrapalhando na pronúncia. 

    Aki, apesar de estranhar o jeito usualmente reservado de Victor, ela percebe que ele falava com um tom mais animado do que o normal. Ainda assim, seus gestos e expressões permaneciam contidos. Ela tenta devolver o celular. Ele se surpreende, de certa forma, e pergunta: 

    – Não quer ver mais? 

    Aki hesita por um instante, sentindo que algo estava diferente. Ele percebe e se explica: 

    – Desculpe se pareço indiferente. Não estou acostumado com situações como essa. – Ele apoia o cotovelo na mesa, a mão no queixo, pensativo. – Já faz muito tempo que não me divirto ou até mesmo consigo sorrir. Meus últimos três anos foram bem próximos do inferno. – Seus olhos vagueiam pelo ambiente, evitando o contato visual. – Essa é a primeira vez em muito tempo que converso dessa forma. 

    As palavras dele atingem Aki como uma flecha. Sempre tão sorridente e espontânea, ela não conseguia imaginar o que seria viver sem alegria por tanto tempo. 

    “Três anos sem sorrir? Que tipo de situação poderia causar isso?” A mente de Aki fervilhava de perguntas. Sentindo-se culpada por tentar devolver o celular, ela volta sua atenção para o aparelho e se depara com a imagem seguinte. 

    Na tela, uma tigela exibia bolinhos esbranquiçados, levemente dourados, acompanhados de uma xícara de café fumegante. Convicta, ela exclama: 

    – Isso é mochi! 

    Victor arqueia a sobrancelha, depois começa a rir levemente, pegando-a desprevenida. Aki sente o rosto esquentar e tem certeza de que está vermelha. 

    – Desculpe, não estou rindo de você. – Ele contém o riso. – Olhando assim, realmente se parece com mochi. Mas achei fofo o jeito que você falou. – Percebendo o que disse, ele pigarreia, ligeiramente constrangido, e continua: – O nome disso é “Pão de Queijo”. É algo como um pão de queijo. 

    Aki tenta fingir que não ouviu, enquanto passa uma mecha de cabelo para trás da orelha. 

    – Pão de queijo… Parece delicioso. – Aki reflete, imaginando o sabor e afastando seus pensamentos. – Agora quero experimentar isso junto com o “Acarajé Baiãno”. 

    – É um prato sagrado na minha terra natal. Qualquer dia você terá a oportunidade de provar. – Victor fala casualmente, com um breve sorriso. 

    Sem perceber, ele estava se divertindo. Devido ao trauma do passado, tinha dificuldade em compreender seus próprios sentimentos. Há muito não experimentava essas sensações. Já Aki, ao notar o sorriso dele, sentiu-se leve, como se tivesse tirado um peso de seus ombros. 

    Os dois continuaram conversando até que as refeições chegaram. Apreciaram a comida, não poupando elogios ao sabor e ao ambiente. Ao fim, Victor insistiu em pagar pela parte dela, como forma de se desculpar pelo esbarrão mais cedo. Aki acabou cedendo, e ambos voltaram ao trabalho. 

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