Capítulo 045 - Lâminas destruidoras!
Capítulo 045 – Lâminas destruidoras!
O poderoso Conselho dos Nobres era composto pelos patriarcas dos clãs mais abastados de Sihêon, eram homens cuja palavra moldava facilmente decretos e leis, de tamanha influência.
Eles dominavam os populares, teciam friamente diversas tramas que, debaixo dos panos, regiam as situações tanto da coroa quanto da plebe. Seguia exatamente como devia se seguir desde a fundação do reinado até centenas de anos mais tarde, com Mahfus III, que era, inclusive, um descendente de membros do próprio conselho.
Todo esse equilíbrio e monopólio de poder ruiu quando Aiden, vindo das terras sem muros com sua horda bárbara, alcançou e tombou o soberano. Tomando para si o trono.
O conselho prontamente se intimidou pela força bruta do novo monarca, e com total razão, o regicida era um guerreiro tão formidável que intimidava apenas com a sua presença. Ainda assim, os patriarcas não tardaram muito para que pudessem perceber que era possível dobrar Aiden à sua vontade.
Por mais que o prócer fosse temível no campo de batalha, o bárbaro mostrava-se completamente desajeitado, além de leigo em assuntos de cunho burocrático ou administrativo. O que tornava Aiden em um fantoche nas mãos do conselho dos nobres, mesmo que ele não tivesse malícia de notar tal.
Entretanto, mais uma vez o destino resolvera pregar peças e a roda girou mais uma vez: com a queda do regicida, a coroa passara para teu irmão mais novo, Ayel.
Afogados até o pescoço em soberba, o conselho acreditava que o jovem bárbaro seria tão facilmente ludibriado quanto o irmão mais velho fora. Mas Ayel era diferente de Aiden e provara ser não apenas um guerreiro formidável, mas um estrategista. Astuto o suficiente para compreender os planos dos velhos patriarcas.
Era uma peça difícil de se manipular.
O jovem carregava palavras afiadas na boca, gestos brutos, mas com coesão. E ele não se deixava levar pela influência que os nobres tinham.
Seu único apelo era a população que não o respeitava ou via como um monarca digno. Os líderes das guildas e o próprio conselho legitimou a posse do Alvorada.
Mas em algum momento o povo estaria ao lado dele, não estaria?
E então como o conselho dos nobres conseguiria sobreviver a isso?
Mas esse não era o momento para esse tipo de discussão. Eles estavam todos naquele comodo do grande castelo de Sihêon, os patriarcas tinham acesso a ele, mesmo que Ayel estivesse há uns bons dias fora.
De qualquer forma, as notícias do fim da guerra chegaram aos ouvidos dos nobres. O rei goblin jazia no centro da praça e sua horda estava dissolvida.
Pois ali, entre olhares desconfiados e sorrisos falsos, os nobres debatiam outra questão:
Quem dentre eles poderia tomar a jurisdição do Bosque das Folhas Densas?
Quando unidos pelo mesmo propósito, de modo a derrubar um inimigo em comum, o conselho dos nobres agia quase como uma fraternidade, fortalecida em elos tão poderosos que todos agiam em prol da comunidade. Quando dispersos em seus próprios objetivos, a mesma fraternidade se tornava um ninho de cobras onde cada um tentava sobrepujar os planos maquiavélicos do outro.
O salão estava adornado luxuosamente como sempre era. Os criados trafegavam servindo todos com vinho Belomonte.
A maior disputa dentre os membros consistia em Ivan e Milo, dos clãs Láparo e Verde-folha, respectivamente.
O clã Láparo carregava o peso de uma história já entrelaçada ao bosque desde muito atrás. Era uma família que outrora servia como guardiã do próprio bosque em questão. Mas haviam perdido seu posto há pelo menos setenta anos, assim que os monstros começaram a ver as folhas densas como moradia.
Já os Verde-folha era considerado o clã mais antigo de Sihêon, tanto espiritualmente quanto na terminologia correta da palavra linhagem, pois eles já existiam desde antes mesmo da fundação do reino inteiro. Em uma época onde as florestas dominavam completamente a paisagem e os homens eram considerados invasores.
O bosque, livre dos goblins, tornara-se um território cobiçado, e nenhum dos dois aceitaria ceder sem uma luta. Não uma física, mas sim uma política.
Sons de gotas intensificaram-se com o passar do tempo, caiam sob o solo de pedra do beco nos quais os dois lutadores se encaravam.
Em um zunido tão rápido que parecia ter sido em uma piscadela, a lâmina de Ayel cortara o ar com um assobio frio antes de encontrar a carne.
Aquele estava sujo de sangue goblin agora afundara no flanco do algoz, rasgando a roupa e então a pele de Anusha. Jorrando um rubro tão quente que destoava com o frio da chuva.
— É, seu maldito… — O bárbaro rosnou, recuando um passo. — Eu também sei fazer o outro sangrar!
Alvorada carregava uma respiração arfante, seu olhar estava turvo devido ao sangue que lhe escorria pelas córneas. O senhor de Maut Ka Mandir estalou a língua em desgosto.
O assassino mascarado cerrou os dentes e, enquanto ignorava a dor do golpe que recebera, deslizou sua mão para a cintura, agilmente, segurando sua segunda katar. Completando o par com as duas mãos. Sua postura estava mais agressiva e avançando instintivamente para cima do ruivo, golpeou-o como um relâmpago.
E a arma do assassino conseguiu atingir o rei novamente. Ayel sentiu a katar perfurar a sua costela. Misturando o quente do sangue com o frio que percorreu a espinha do tribal, que recuara. Tossindo.
— Sente dor? — Anusha sibilou entre risos curtos e nada humanos. — E ela é boa, não é? É esse o meu trabalho!
“Um lunático”
Pensara Alvorada enquanto corria até o homem de trajes escuros, ele não podia recuar ou se dar por vencido.
Victoria havia conseguido se aproximar, assim que ela visualizou o que acontecia, ficara tão surpresa que se escondeu como uma ação de reflexo. Ela estava com as pernas tremendo, precisava fazer algo para auxiliar Ayel, mas tinha medo. Anusha era um nome a ser respeitado e ela estava completamente paralisada com o susto.
Ela fitava que as armas colidiam em danças mortais, o metal ecoava pela rua com aquele clangor característico do encontro das estocadas e dos cortes que batiam no aço adversário. Era uma sequência crescente de golpes trocados embebidos em fúria.
A mestra dos venenos reagiu com um som de surpresa, a ponto de ter que tampar a própria boca enquanto assistia o duelo: Ayel rompera a defesa do algoz em um único instante de pura brutalidade, descendo sua espada com tamanha violência que abriu um corte profundo no ombro de Anusha, que tentou recuar, recebendo um segundo golpe no peitoral. Em cheio.
O algoz cambaleou para trás, sua respiração estava a cada passo mais irregular, acabou deixando uma de suas katares cair no chão. Seu sangue escorria das feridas com velocidade e, em um enorme fluxo vermelho, manchava as vestes negras, fazendo com que elas brilhassem.
— Não… ache que acabou aqui… — arfou o mascarado.
Ele tremia, mas ainda estava movido por pura determinação. Anusha erguera-se completamente. Em um movimento de desespero, agarrou a katar caída e investiu uma vez mais contra o bárbaro.
Alvorada sentia seu sangue fluir como um riacho sob o couro que revestia porcamente seu corpo pós-guerra. Ainda assim, reagiu instintivamente, erguendo o pé, atingindo Anusha no estômago em um chute cheio de força e desprezo. O homem que vestia a máscara de raposa já estava completamente fragilizado e isso tirara seu equilíbrio, caiu de costas, ofegante.
Ele poderia falar algo, poderia pensar em mil formas de reagir, de girar e se levantar.
Porém, antes que pudesse fazer qualquer coisa, visualizou o ruivo acima, que girou a espada e o cortou.
A lâmina deslizou pelo pescoço do algoz, interrompendo qualquer fôlego que ele estivesse tentando puxar. O corpo de Anusha ficou imóvel e inerte.
Silêncio.
Apenas o bufar ofegante do bárbaro vitorioso em cima do corpo sem vida do seu traidor.
E a ausência de sons durou até que um algo surgira dos confins das sombras, dona de uma silhueta esbelta e ágil.
Victoria havia rompido o escuro e se aproximava com os olhos arregalados, uma mistura de preocupação e felicidade.
Ela chegara até onde o rei estava, os dois se afastaram do cadáver e ela ajoelhou-se ao lado do ruivo.
— Graças aos céus, o senhor está bem, meu rei! — A voz trêmula de Victoria carregava alívio, mas também culpa. — Temi por sua vida… Mas… Agora, o senhor precisa de cuidados.
Ela passava gentilmente as mãos no bárbaro, que parecia extasiado devido ao esforço. Tanto que ele sequer havia comemorado a sua vitória, Ayel havia apenas se jogado no chão, sentado.
— Me desculpe por isso… Eu podia ter ajudado antes, chamado reforço antes, mas… — Ela hesitou — Travei de medo.
Ayel piscara algumas vezes, pois ainda estava atordoado. Seus sentidos estavam embaralhados, junto dos seus músculos que vibravam em uma dor potente.
Ele olhara ao redor, como se esperasse que algum outro inimigo surgisse, mas quando focou em Victoria, deixou sua voz sair e saiu do instinto de defesa.
— Huh…? Vic…? Como veio parar aqui…?
A mulher dos cabelos ondulados baixou a cabeça em respeito, mas manteve o olhar firme quando respondeu.
— Me perdoe, mas a senhora Belle me enviou para seguir o senhor e Lorde Anusha… Temia que algo estivesse errado.
Ayel soltou um riso fraco e bastante dolorido, ele deixava a sua cabeça pender para trás.
— Avise os guardas… — Sua voz quase não passou de um sussurro.
E então, sem mais forças para resistir, Alvorada deixou o corpo ceder, tombando no chão. O mundo se dissolveu em sombras e sons distantes. O último que ouviu foram gritos ao longe, vozes chamando seu nome. Clérigos vinham em sua direção, seus passos apressados ecoando com os solados das botas empapadas de sangue.
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