Capítulo 45 - Entrando na Escuridão
Nesse momento, Brigitte estava correndo em uma velocidade maior do que durante toda a sua procura, tentando chegar na fazenda o mais rápido possível antes do anoitecer. Ao avistar o grande campo, junto de duas casas e um celeiro, diminuiu o passo, ficando de frente da casa de hóspedes e vendo Niko e Evellyn sentados na varanda. O garoto estava lendo um livro, enquanto a elfa tocava violão.
Evellyn então parou de tocar ao ver a garota chegando como um raio violeta, voltando sua atenção a Brigitte, junto de Niko, que parou de ler para ver a funcionária.
— Oi, Brigitte. — cumprimentou Evellyn. — Ah, você não disse que iria chegar aqui antes de chegarmos na vila? Acho que você errou um pouquinho na sua previsão. — Terminou ela, colocando a mão sobre a boca, escondendo a risada.
— Ei! — a Puorvilliana cruzou os braços, fechando um dos olhos. — Aquela floreta era maior do que eu achava, então naturalmente eu iria demorar mais tempo. — continuou ela a argumentação, abrindo os olhos e cerrando os punhos. — Sem contar que meu trabalho foi bem mais complexo que o de vocês!
Aquela garota é a típica pessoa que não gosta de perder, até mesmo quando não consegue cumprir o próprio desafio que fez para si mesma, tenta se justificar falando que, na verdade, ela venceu de uma maneira ou de outra. Típico de alguém teimoso e destemido.
Evellyn sorriu, apoiando o violão no colo e inclinando-se levemente para frente.
— Sei, sei. Então? O que encontrou por lá?
Brigitte se aproximou dos dois, subindo os degraus da varanda, ficando entre Niko e Evellyn. Ela cruzou os braços, assumindo um ar sério.
— Descobri que não fui a única a passar por aquela floresta recentemente. Achei um acampamento abandonado.
— Um acampamento? — perguntou Niko, fechando o livro e se inclinando para frente. — De quanto tempo atrás?
— Poucos dias, talvez até na mesma noite em que o boi foi atacado. Encontrei restos de uma fogueira, pegadas parcialmente cobertas pela neve e… — Brigitte colocou a mão no bolso do casaco e puxou o pequeno osso limpo. — Isso.
Evellyn pegou o objeto de Brigitte, forçando a vista, analisando-o com curiosidade.
— Um osso de galinha? … Estranhamente roído…
— Tinha vários deles espalhados por lá. Alguém jantou no meio da floresta e limpou os ossos até não sobrar nada.
Niko estreitou os olhos e pegou o osso das mãos de Evellyn, virando-o na luz fraca do entardecer. Grandes marcas irregulares cobriam a superfície branca, como se tivessem sido deixadas por dentes desalinhados.
— Isso é estranho. Que tipo de pessoa ruiria um osso assim? Conhece alguma espécie que faria isso, Evellyn?
— Talvez um híbrido de fera e homem. — respondeu a elfa. — Mas eu não acho que algum híbrido faria esse tipo de marcas nos ossos, parece que foi algo a mais que fez isso… Enfim, está ficando tarde. Melhor a gente ir para dentro antes que anoiteça.
Brigitte assentiu e seguiu Evellyn e Niko para dentro da casa de hóspedes. Niko acendeu a lareira assim que entrou na residência, afastando o frio da noite que começava a se instalar por todos os cantos da sala. Evellyn jogou o casaco no encosto do sofá, e Niko retirou as luvas, sentando-se na cadeira perto da pequena mesa atrás do sofá. Brigitte ficou de pé, batendo a sola da bota no chão, impaciente, tentando encontrar alguma resposta.
— Certo, minha parte da investigação está aí. Agora me contem o que vocês descobriram na vila.
Niko, antes olhando para o osso, se questionando da possibilidade de ter sido um ghoul que fez aquilo mesmo, colocou o objeto sobre a mesa e cruzou os braços.
— Bom… falamos com várias pessoas e, como era de se esperar, recebemos muitas respostas inúteis.
— “Foi um lobo faminto”, “foram ladrões”, “foi uma maldição azrothista“… — Evellyn enumerou com os dedos, rolando os olhos. — E o melhor de todos: um tal de “Gorgulante Noturno“.
— Um o quê? — disse Brigitte, piscando.
— Gorgulante Noturno. — repetiu Niko, com um tom entediado. — Um velho chamado Elias nos disse que essa coisa “anda em quatro patas, mas se levanta como um homem” e que “rouba o espírito de quem a encara nos olhos”.
— Tá, isso é um pouquinho assustador, mas vocês não acreditam nisso, né?
— Nem por um segundo. — Evellyn jogou-se no sofá, descansando a cabeça na almofada. — Aquele velho claramente só queria atenção.
— Foi perda de tempo. — Niko completou.
— Então não encontraram nada útil?
— Até que encontramos. — Niko apoiou os cotovelos sobre a mesa. — Teve um morador que mencionou algo chamado “ghoul“.
— Nunca ouvi falar. — respondeu ela, balançando a cabeça.
— Nem eu. — disse Evellyn. — Mas, segundo o morador, ghouls são criaturas que já foram sapiens, mas que foram amaldiçoados por uma tal de “fome eterna”. Se não se alimentam, ficam irracionais. Mas o pior é que, quando estão de barriga cheia, são tão espertos quanto qualquer um de nós.
Niko se levantou, indo até a janela. Ao conversarem sobre a investigação, teve uma sensação de estar sendo observado, que ficou mais forte conforme ele se aproximava do vidro. Fora de casa estava um breu, mesmo que só tenha se passado dez minutos desde que o sol se pôs, se o garoto não soubesse do horário, facilmente iria supor que já estava de madrugada.
— Isso… faz sentido com o que aconteceu no celeiro.
— Sim. — disse Niko. — O estado do boi e como o celeiro estava intacto… O ghoul pode ter encontrado alguma forma de entrar no celeiro de maneira silenciosa.
— Tá, mas como ele entrou lá dentro?
— Eu ainda não sei…
Lá fora, ele encontrou algo que chamou sua atenção: um poço de pedra, entre a casa de hóspedes e a casa principal, bem próximo ao celeiro. Ele permanecia imóvel, cercado pela neve. Mas algo parecia estar errado. O garoto nunca tinha reparado nele até agora… por quê? Ele apertou os olhos e percebeu algo sutil. A tampa de madeira estava completamente sem neve e parecia estar levemente deslocada para fora do poço, como se tivesse sido mexida por alguém.
Ele olhou por mais alguns segundos para o poço e para a escuridão antes de se virar para as duas, dando seu palpite de como continuar a investigação.
— Eu fico de guarda hoje. — disse Brigitte.
— Quer dividir o posto comigo? Você dormiu nada ontem, já que ficou a noite toda vigiando a fazenda. — falou a elfa.
— Relaxa. Eu não estou nem um pouco com sonoooo~~. — terminou Brigitte bocejando.
— Uhum, estou vendo aí.
— Desculpa interromper a conversa de vocês duas, mas acho que já sei como o celeiro foi invadido. — anunciou Niko.
— Uhm? Como? — perguntou Evellyn, curiosa.
— Melhor eu mostrar isso para vocês.
Niko liderou o caminho para Evellyn e Brigitte, levando uma lanterna de latão em sua mão, que servia de iluminação e aquecimento na gélida e escura noite no campo. O trio parou no celeiro, mas não em sua frente, mas em sua lateral direita. Lá, mesmo após dias do assassinato do boi, os animais ainda estavam agitados, mugindo e emitindo barulhos altos, só comprovando o quão traumatizados eles estavam.
Primeiramente, o garoto esticou a lanterna para cima, tentando encontrar algo na parede do celeiro. Não havia nada nas paredes do lugar, mas, bem acima delas, estava o telhado. No telhado, ele encontrou algo curioso, algo que reforçava sua hipótese. Niko encontrou uma janela inclinada, presa ao telhado, em um estado perfeito.
O albocerno pensou que o criminoso poderia ter vindo de lá. Mesmo a janela estando fechada, ele acreditava que o possível ghoul entrou por lá de alguma maneira. Era a alternativa que mais fazia sentido em sua cabeça, claro, levando em conta que o invasor era mesmo um ghoul. Como ele fez isso?
— O que você queria mostrar para a gente, chefe? — perguntou Brigitte.
Ao ouvir a voz da garota, Niko escapou de seus pensamentos, resolvendo expor seu incômodo lógico para as garotas.
— Eu acho que o invasor entrou por aquela janela lá em cima, viram? Mas ela está fechada e não tem marcas de arrombamento…
— O invasor não poderia ter somente aberto ela? — contestou Evellyn.
— Eu não vejo nenhuma rachadura ou alguma marca estranha que indicasse que a trava foi rompida. Não sei como ele poderia ter entrado desse jeito.
— Niko… Esses tipos de janela não precisam de fechadura. — respondeu a elfa, franzindo o rosto, como se aquilo fosse óbvio.
— Tem certeza?
Evellyn deu um suspiro.
— Usa seu Portal e confere lá, vai.
Niko hesitou por um momento, olhando para a janela inclinada no telhado. Se Evellyn estivesse certa, e a janela não tivesse uma trava, então isso explicaria como o invasor entrou sem deixar rastros óbvios. Ainda assim, ele precisava confirmar.
O garoto pegou uma de suas facas, lançou-a para cima e usou seu Portal, surgindo instantaneamente bem em cima do telhado. Do alto, a fazenda parecia mais silenciosa. O vento frio soprava contra ele, e a lua, parcialmente coberta por nuvens, lançava uma luz fraca sobre ele e o campo.
Niko se abaixou perto da janela e passou os dedos ao redor da moldura. Não havia fechadura, exatamente como Evellyn dissera. Com um pequeno puxão, a janela se abriu facilmente, revelando a escuridão do celeiro lá dentro e permitindo escutar melhor o barulho dos animais.
— Bom, parece que você estava certa. — disse ele, olhando para Evellyn lá embaixo. — A janela abre sem dificuldades.
— Viu só? — A elfa cruzou os braços com um sorriso convencido.
Enquanto a garota estava lá embaixo, Niko soltou uma de suas facas, voltando para o chão em instantes.
— Ele deve ter escalado o celeiro e entrado por lá. Mas mesmo assim… a gente não sabe de onde ele veio.
Ele então voltou a olhar para o poço de pedras, relativamente próximo a eles. A tampa ainda estava levemente deslocada… e agora, com a teoria do invasor vindo de cima comprovada, sua hipótese fazia ainda mais sentido.
— Acho que tenho uma ideia.
Evellyn seguiu seu olhar, vendo o conjunto de pedras em um formato cilíndrico oco.
— Você está falando do poço?
— Exatamente.
— Espera… você acha que tem alguma coisa aí dentro?! — perguntou Brigitte.
Niko se virou para as duas, com o branco em seus olhos brilhando em dourado na luz da lanterna.
— Só tem um jeito de descobrir.
Os três então se aproximaram do poço. Niko empurrou a tampa, já um pouco mexida, para fora, revelando o túnel escuro que se estendia por metros abaixo do solo.
Niko pegou a lanterna da beirada e aproximou-a do poço, buscando ver qualquer coisa, porém… nada. Estava completamente escuro lá e não se conseguia enxergar nada.
Foi então que Niko focou sua visão no escuro, suas pupilas se contraíram e ele conseguiu enxergar o que estava lá embaixo com mais clareza. A princípio, não havia nada de anormal, apenas pedras desgastadas e um pequeno acúmulo de água no fundo, como se esperaria de um poço comum. Mas então, ele notou algo curioso.
— O que é aquilo?
Ele viu uma rachadura escura na parede do poço, grande demais para ser apenas uma fissura natural. A pedra ao redor estava desgastada, como se algo grande tivesse se arrastado para dentro e para fora repetidas vezes. A borda irregular parecia ter sido esculpida por garras ou mãos desesperadas cavando o caminho para fora. Niko estreitou os olhos. Aquele era o caminho que estavam procurando.
— Achei algo. — disse ele, ainda olhando para baixo.
— O quê? — Evellyn se aproximou.
— Tem um túnel no fundo do poço. Parece que foi escavado… e eu diria que não faz muito tempo.
Brigitte se inclinou sobre a borda do poço com curiosidade, tentando enxergar o que o garoto via. Enquanto isso, Niko colocou a lanterna que segurava na borda do poço.
— Algo me diz que nosso amigo carniceiro veio daqui.
— Eu também acredito nisso. — Niko pegou uma de suas facas, esticando seu braço para dentro do poço e segurando o objeto afiado entre os dedos polegar e indicador. — E só tem um jeito de saber para onde isso leva.
Ele lançou a faca diretamente no buraco e, antes mesmo dela atingir o fundo, ativou seu Portal. Num instante, seu corpo foi puxado para dentro da fenda, desaparecendo da vista das duas. Evellyn e Brigitte trocaram um olhar, sabendo exatamente o que fazer.
— Ele não consegue simplesmente esperar a gente?! Hah… Lá vamos nós. — murmurou Evellyn no final.
Brigitte apenas sorriu, pegando impulso e saltando para dentro do poço. Evellyn suspirou, mas pegou a lanterna e foi logo atrás da segurança, entrando na escuridão.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.