Capítulo 56 - O Leilão
— “Casa Hackett”… Aquele é o lugar, Niko. — disse Evelyn, apontando para um edifício gótico cinza e vermelho, com um letreiro vertical iluminado em amarelo.
Niko e Evelyn haviam passado a última meia hora procurando pelo local do leilão — o mesmo que acreditavam ser o lugar onde está o colar de lady Hyandra. Agora, estavam diante dele.
O lugar exalava uma imponência sombria, como se gritasse “acesso restrito” com cada gárgula esculpida. E, como se isso não bastasse, havia uma fila assustadoramente longa. Quase uma centena de pessoas bem vestidas, usando roupas formais, aguardavam pacientemente sua vez de entrar, todas ansiosas por uma fatia daquele bolo milionário.
A dupla se aproximou da entrada e ficou frente a frente com o segurança do local: um orc pálido, de barba quadrada e terno bem ajustado. Postura firme, expressão séria, olhos afiados como lâminas — encarou a elfa e o albocerno de cima a baixo.
— Posso ajudar vocês com algo? — perguntou a fera, com a voz grossa, mostrando os caninos inferiores enormes.
— Eu e meu amigo gostaríamos de entrar no leilão. Como fazemos isso? — perguntou Evelyn, tentando parecer natural.
O orc apenas levantou sua mão esquerda e apontou com o polegar na direção da fila. O outro braço permaneceu imóvel como uma estátua.
— Se quiserem entrar, vão ter que aguardar na fila, como todo mundo.
Os dois olharam para a fila novamente. Era como encarar um poço sem fundo. Um mar de pessoas que parecia crescer a cada minuto. Como naquela frase: “quando você olha para o abismo por tempo suficiente, o abismo olha de volta para você”. Só que, nesse caso, o abismo era feito de oitenta sapiens e cheiro de perfume caro — e nenhum dos dois queria estar ali.
— Ehh… não tem nenhum outro modo de entrarmos sem ter que ficar na fila? — tentou Evelyn, forçando um sorriso.
— Hum… só fazendo reserva com o chefe. Mas como vocês não fizeram isso… vão ter que esperar na fila mesmo. — respondeu o orc, indiferente.
— Como você sabe? — respondeu Evelyn, frustrada. — Nem checou nossos nomes na lista de convidados.
— Só de olhar pra vocês dá pra saber. Cai fora logo daqui.
Sem ter mais o que fazer, Evelyn se virou para o primeiro da fila, um homem bem-vestido de ar entediado.
— Com licença, senhor… há quanto tempo está esperando?
— Bom… há umas duas horas. — respondeu ele, com uma voz arrastada, como se não sentisse mais os joelhos.
Evelyn piscou duas vezes, sem acreditar no que tinha ouvido. Então soltou um grunhido baixo, encheu as bochechas de ar e soltou um suspiro com os olhos fechados — a imagem perfeita da derrota. Parecia que já sentia dor nas pernas só de pensar em ficar ali parada.
Niko começou a andar calmamente rumo ao fim da fila, puxando Evelyn pelo braço. Ela o acompanhava com a cabeça baixa, resmungando em tom baixo, como se amaldiçoasse cada pessoa à frente deles.
“Ficar naquela fila está fora de cogitação”, pensou Niko. “A gente não tem tempo, nem paciência, nem roupa pra isso. A gente precisa entrar de outra forma… É, parece que é o único jeito.”
Quando estavam longe o suficiente do segurança, Niko sussurrou seu plano a mercenária:
— Evelyn, o que acha da gente invadir o lugar? Procurar alguma brecha, entrar de fininho… assim a gente não precisa encarar a fila.
— Desde que não seja pra ficar naquela fila, eu topo tudo.
Sem perder tempo, os dois contornaram discretamente a fila e se andaram até a lateral do prédio, entrando em um beco estreito. Ali, havia alguns cestos de lixo abarrotados, uma pessoa dormindo sobre papelões e uma escada de incêndio metálica. No entanto, a primeira parte da escada estava retraída — fora do alcance dos dois.
Niko puxou uma de suas facas e a lançou contra a escada. O som metálico ecoou pelo beco. No instante seguinte, ele desapareceu em uma leve aura negra e reapareceu em cima das grades de ferro. Sem demora, liberou a tranca e empurrou de leve a escada até o chão, abrindo caminho para Evelyn.
Ela subiu com agilidade, e em poucos segundos os dois estavam juntos na estrutura. Niko voltou a erguer a escada e a trancou no lugar, como se isso nunca tivesse acontecido.
— Eu ia usar minha Alma pra criar uma escada de gelo, mas você foi mais rápido. — comentou Evelyn. — Sem contar que você ia congelar suas mãos, então… tua ideia foi melhor mesmo.
Começaram a subir o resto dos lances, com Niko de olho na rua a todo momento, atento a qualquer olhar suspeito. Após alguns segundos, chegaram ao topo do prédio.
Ali, o telhado era decorado com dutos de ar, uma pequena chaminé, um ninho de pombo — com os ovos ainda não chocados — e, para a sorte deles, uma porta vermelha solitária, bem no canto.
Niko se aproximou da porta, mas Evelyn ficou na borda do edifício, olhando aquela parte da cidade. A vista não era ampla, mas ainda sim bem surpreendente.
— A vista daqui é bem bonita. Quer dar uma olhada, Niko?
— Acho que não. Alguém pode ver a gente. Melhor entrarmos logo no leilão.
— Okay, senhor. — disse ela, de forma teatral, enquanto seguia atrás dele.
Niko abriu a porta cuidadosamente e adentrou o prédio, segurando-a para que Evelyn passasse logo atrás.
O interior era bem diferente do que esperavam. Era um corredor luxuoso, coberto por um tapete vermelho que parecia nunca ter sido pisado. Havia mobílias refinadas encostadas nas paredes e quadros pendurados — retratos de cenas de batalhas heróicas, de pessoas pousando e cenários urbanos. No fim do corredor, uma escada de madeira com corrimão escuro levava para baixo, para os andares inferiores.
A cada lance que desciam, as vozes do andar de baixo ficavam mais audíveis. No começo, apenas ouviram ruídos abafados; depois, palavras soltas; até que uma voz em destaque, alta e animada, soou com clareza:
— Senhoras e senhores, nosto inverrvalo já acabou e agora está na hora de aprresentar nosso purróximo item aqui na Casa Hackett! Prreparem suas carteiras e os corações, pois nosso próximo vendedor irá mostrar o que ele trouxe aqui hoje!
A fala foi seguida por palmas e assovios entusiasmados. Sem dúvidas, era ali o lugar.
Niko e Evelyn nem esperaram mais um segundo. Aproximaram-se da porta e a abriram com cuidado, entrando discretamente no salão.
Do outro lado, encontraram um grande espaço luxuoso, iluminado por dezenas de lustres dourados pendurados no teto. O chão era de mármore puro, com padrões artísticos detalhados, e as paredes eram adornadas com molduras douradas, representando cenas da história.
Colunas altas e elegantes sustentavam a estrutura do local. O ambiente exalava um luxo quase sufocante — o tipo de lugar onde só se entra com convite… ou invadindo nesse caso.
Os convidados estavam distribuídos entre fileiras de cadeiras luxuosas e balcões laterais, todos observando atentamente. Vestiam roupas refinadas, muitas delas cobertas de jóias e metais preciosos. Alguns usavam ternos sob medida, outros vestidos dignos de bailes nobres. Era, sem dúvida, o lugar mais elitista que Niko e Evelyn já haviam pisado.
O leiloeiro, em especial, era o mais… chamativo. Vestia um terno excêntrico — metade preto com detalhes brancos, a outra metade branca com detalhes pretos — como se fosse um reflexo ambulante. Tinha uma expressão teatral constante no rosto e fazia poses exageradas a cada frase que dizia, gesticulando o corpo com entusiasmo.
Sentindo-se completamente deslocados, os dois permaneceram junto à porta, tentando passar despercebidos. A única coisa que podiam fazer agora era torcer para que, no meio daquele espetáculo de luxo, o colar de lady Hyandra fosse anunciado.
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