Capítulo 57 - O Leilão II
— Nosto prróximo item é algo verrdadeiramente especial! Único, belo, vaidoso… quase angelical! Sua dona orriginnal é uma dama bastante réclusa… mas, récemmentemente, abriu as porrtas de sua mansão para um grandioso baile. Um evento memorável — e trágico, pois um de seus mais preciosos perrtences foi róubado naquela noite! Estou falando… do colarr de diamantes de Lady Hyandra! — anunciou o homem, esticando o braço para cima em uma pose dramática, revelando o colar: uma peça de ouro cravejada de diamantes, com uma flor de Araquel no centro. — Podem admitir, senhorres e senhorras… todos aqui queriam esse colar, nem que seja para dar à esposa.
A plateia respondeu com uma breve salva de palmas. Niko e Evelyn se entreolharam, atônitos. Era mesmo o colar. Estava ali, bem diante deles.
— É o colar que a gente tá procurando. — sussurrou Evelyn, indignada. — E esses desgraçados nem fingem que não sabem que é roubado.
— Enfim, senhorres! Ouro nas mãos e que comecem os lances! — exclamou o leiloeiro, estendendo o indicador para a plateia e dando um estalar de dedos.
— Cinco mil Yzakels! — gritou alguém do público.
— CINCO MIL YZAKELS! Mas quê primeiro lance fantástico!
— O QUÊ?! — reagiram Niko e Evelyn ao mesmo tempo.
— Esse é o primeiro lance e já foi todo o nosso adiantamento da missão? Sério isso? — disse Evelyn, pasma.
— Sete mil!
— SETE MIL?! EU OUVI SETE MIL?! Alguém vai pagar mais?!
— É, parece que a gente vai ter que “re-roubar” o col-
— DEZ MIL YZAKELS! — gritou Niko, cortando Evelyn.
Niko ficou frustrado, não suportava a ideia de que o destino da missão seria decidido por mãos alheias. Não aquela missão. Somente ele e Evelyn poderiam ditar o que aconteceria com a jóia. Aquele colar terminaria nas mãos dele, hoje. Nas dele e de mais ninguém.
— Dez mil?! Quem foi o rápaz que disse isso?!
— Eu que disse! — respondeu Niko, levantando a mão.
— Olha só que momento ilustre! Um albocerno acabou de oferecer DEZ MIL pelo colarr! Temos alguém que pagaria mais?!
— O que você tá fazendo, Niko?! A gente não tem esse dinheiro. — sussurrou Evelyn, se inclinando em sua direção.
— Eu sei. Só quero impedir que mais alguém leve o colar agora. Depois… a gente dá um jeito de pagar.
— Huff… um albocerno participando de um evento tão luxuoso? Que piada. — zombou uma mulher ao lado deles. Usava um vestido negro que realçava suas curvas, luvas longas até o ante-braço e um leque oriental. — Ainda por cima vestido assim?
Os albocernos eram uma raça sem nenhum destaque na elite — fosse ela Kyndralina, Lieuwirkiana ou de qualquer outro lugar. Eram vistos como gente simples, de vidas ordinárias, quase sempre ligados ao campo. A fala daquela mulher foi uma ofensa velada: citar sua raça era, naquele contexto, chamá-lo de pobre. E Niko entendeu perfeitamente isso.
Se irritou e respondeu à altura, encarnando seu recém-criado personagem nobre:
— Que rude da sua parte. Se soubesse quem eu verdadeiramente sou, ficaria espantada de vexame.
— Ora, se é tão importante assim, por favor, se identifique. Ficarei mortificada se estiver falando com um nobre ou burguês. — ironizou a mulher, cobrindo metade do rosto com o leque e lançando-lhe um olhar direto.
Niko engoliu seco. Não tinha preparado nenhuma história convincente. Estava a segundos de ser descoberto… ou até mesmo expulso.
Mas então, como um anjo dramático, o leiloeiro interveio:
— Senhorres, por favor! Este é um lugarr onde nos encontramos parra leiloar mercadorias, dar lances e celebrar as riquezas! Não importa raça, idade, nem roupa! Até mesmo um mendigo pode parrticipar, se tiver o dinheiro! Essa é a beleza do mercado! O mercado, meus amigos, não se importa com quem você é — só com o que você tem. E aqui, nesta casa… EU sou o mercado!
A fala foi recebida com uma nova salva de palmas — uma delas de Evelyn.
— Enfim! Acabada esta discussão, seguiremos adiante com o leilão! Olha só, até rimou. Se ninguém der mais que dez mil, venderrei para-
— VINTE MIL YZAKELS! — cortou a mulher de vestido negro, lançando um olhar venenoso para Niko.
— Eu e minha boca grande! TEMOS UM LANCE DE VINTE MIL YZAKELS!
Niko sentiu o sangue ferver. A provocação dela era um desafio direto. Estufou o peito, mirou a mulher e berrou:
— TRINTA MIL YZAKELS!
— TRINTA MIL?! EU OUVI TRINTA MIL?! Um lance atrrás do outro em menos de três segundos?! Que sessão fantástica, meus amigos!
A mulher estreitou os olhos, surpresa. Então virou-se de volta para o leiloeiro, levantando seu leque fechado bem alto:
— Eu ofereço quarenta e cinco mil.
— Quarenta e cin-
— CINQUENTA MIL! — gritou Niko, antes que a frase fosse concluída.
— QUE EMBATE INTENSO! — gritou o leiloeiro, quase saltando. — Ai, meu coração de leiloeiro ama estas ocasiões! É tão emocionante!
Aquilo era tudo. Todo o pagamento da missão. Niko sabia. Era irracional, era emocional, era estupidez mas não importava. Ele não ia deixar aquela mulher decidir seu destino. Somente ele poderia ditar as palavras de sua história.
— Será que teremos mais algum lance, ou podemos encerrar aqui mesmo? DOLE UMA! DOLE DUAS!
— SESSENTA… E CINCO MIL… YZAKELS! — gritou a mulher, o braço trêmulo, com os olhos cravados nos de Niko.
— SESSENTA E CINCO MIL YZAKELS! ISSO É UM MARCO! É MARAVILHOSO! ISSO AQUECE MEU CORAÇÃO! Será que o rapaz tem algo a mais a oferecer, ou a moça irá levar o belíssimo colarr de ouro e diamantes?!
Niko suspirou fundo. Seu último lance foi arriscado, ele estava contando até mesmo com o dinheiro de Evelyn nele. Mas agora sabia que no lance atual, mesmo com a ajuda da elfa, não poderiam oferecer nada. Ele perdeu aquele embate. A mulher demoníaca ganhou…
Mas, para o azar dela, Niko era um péssimo perdedor.
A mulher de preto sorriu, triunfante, ao ver a cabeça de Niko baixar… mas então, ele se levantou. Esticou a mão. Os olhos dela arregalaram. O sorriso evaporou na hora.
— EU OFEREÇO OITENTA MIL YZAKELS! — rugiu Niko.
— OITENTA MIL?! OITENTA MIL YZAKELS?! — gritou o leiloeiro, surtando. — Eu não acredito nisso! Estou sonhando! Não — devo estar louco! COMPLETAMENTE LOUCO DE ÓPIO! Esse valorr equivale a trezentos acres de terra, vinte e cinco fábricas de médio porrte e cinquenta E duas mansões de altíssima qualidade! Esse é o SEGUNDO MAIOR LANCE que já vi em toda a minha carreirra!
— V-você está mentindo! — gritou a mulher, levantando-se da mesa. A maquiagem estava borrada e os dentes trincando de ódio. — Você não tem esse dinheiro! Está blefando!
— Bom… se ele não puder pagarr pelo colarr dentro do prazo… você será a dona legítima, madame. Mas até lá… o jovem albocerno é o proprietário. A não serr… que alguém queira dar um lance ainda maior. ALGUÉM?!
Niko respirou fundo. Sabia que tinha vencido. Mas queria mais. “Como posso fazer essa vitória ser ainda mais prazerosa?”, pensou. A resposta veio sozinha.
— Com licença, senhor! — disse ele, levantando a mão.
— Pode dizerr, meu querido albocerno.
— O senhor mencionou que esse foi o segundo maior lance da sua carreira… correto?
— CORRETÍSSIMO! O maior foi há sete anos, noventa mil Yzakels! Por que a pergunta?
Niko olhou para a mulher demoníaca, e ela soube na hora o que ele planejava.
— Gostaria de fazer meu último lance.
— Ohhh SIM! Faça, meu amigo chifrudo!
Niko caminhou até o centro do salão. Parou, olhou para o alto e bradou com toda a força:
— MEU ÚLTIMO LANCE IRÁ QUEBRAR O RECORDE DESTA CASA! EU OFEREÇO CEM MIL YZAKELS!
O silêncio caiu como uma onda. O salão inteiro congelou, boquiaberto. Até o leiloeiro ficou sem palavras. E então… as palmas começaram. Primeiro uma. Depois duas. Logo, o salão inteiro aplaudia. Pessoas se levantavam, gritavam, vibravam. Não havia um lance tão alto quanto esse em sete anos!
A mulher demoníaca… paralisada. Estava de pé, estática, olhando para o lugar onde antes estava Niko. Agora vazio. Seu orgulho estava totalmente quebrado. O sangue fervendo. E então… desabou no chão, consumida por ódio.
— O colar foi vendido… ao senhor albocerno!
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