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    A manhã cinza e fria chegou à fazenda. O trio estava reunido novamente na sala da casa de hóspedes, mas o ambiente parecia congelado no tempo. Mesmo com todos ali, um silêncio denso pairava pelo ar, ninguém sabia o que dizer direito. Aquele crime parecia impossível de resolver, não havia pistas, nem rastros. Nada além de um cadáver brutalmente dilacerado de um animal.

    O único som que preenchia o ambiente era o tique-taque persistente do velho relógio de parede, que marcava cada segundo como uma gota caindo em um poço sem fundo. Niko, sentado, ficou observando as engrenagens do relógio se moverem lentamente, como se o tempo estivesse se arrastando junto com a investigação. 

    Foi então que decidiu quebrar o silêncio.

    — Vocês têm alguma ideia de como começar essa investigação?

    Brigitte, que estava encolhida em uma cadeira com os cotovelos apoiados na mesa e o rosto parcialmente coberto pelo caderno, soltou um suspiro dramático.

    — Até que enfim alguém falou alguma coisa! — exclamou, tentando soar animada, mas a voz saiu rouca de cansaço. — Esse silêncio tava me matando…

    Ela se espreguiçou levemente, com os olhos semicerrados. As olheiras embaixo deles entregavam que, nessa noite, ela mal dormiu — ou talvez nem tenha dormido ainda. Durante a madrugada, ficou rondando a fazenda, tentando encontrar algo de estranho nas redondezas, além de anotar possíveis ideias em seu caderno, como se precisasse compensar algo.

    — Eu pensei que a gente podia começar revendo a cena do crime ou o corpo do boi. Vai que a gente deixou escapar alguma coisa…

    Brigitte soltou outro grande suspiro, jogando-se contra o encosto da cadeira.

    — Sei não… — disse Evelyn, cruzando os braços. — O problema é que não achamos nenhuma pista clara. Nenhuma pegada, nenhum sinal de invasão. Nada. Tudo parece… limpo demais. Seria meio inútil isso.

    Niko assentiu devagar, mas manteve os olhos em Brigitte. Ela folheava seu caderno e fazia anotações rápidas. Notou o olhar persistente de Niko sobre ela. A garota se remexeu na cadeira, apertando o caderno contra o peito, como se ele fosse algo que precisasse proteger. Não conseguia dizer se Niko estava desconfiando dela, ou apenas a testando.

    — A gente podia tentar procurar do lado de fora… — sugeriu Niko. — Aquilo veio de algum lugar. Se não tem nada dentro do celeiro, talvez por fora tenha alguma pista que passou despercebida.

    Brigitte levantou a mão como uma aluna empolgada tentando chamar o professor, e com a outra segurou o cotovelo para parecer mais “oficial”.

    — Pode falar, Brigitte. — disse Evelyn, levantando uma sobrancelha.

    — Durante a minha ronda eu vi uma floresta perto daqui. Talvez tenha algo lá. Se for o esconderijo do monstro, ou sei lá o quê, eu posso procurar com a minha rapidez. Ninguém aqui corre como eu.

    Niko hesitou por um momento, e Evelyn também refletiu. A sugestão não era ruim.

    — Tipo um covil? — sugeriu Niko.

    — Tipo isso mesmo! Ou qualquer coisa do tipo. Já que eu sou muito rápida, eu posso procurar por algo lá com uma grande eficiência. O que acham?

    Ela falava com entusiasmo, mas ainda olhava de esguelha para Niko, esperando alguma reprovação.

    Não tinha o que discordar do plano de Brigitte, ele era praticamente perfeito para o momento. Não tendo muito o que acrescentar ou questionar, Niko e Evelyn assentiram.

    — É um bom ponto de partida. — disse ele, por fim. — Consegue procurar tudo sozinha?

    — Claro que consigo, chefe! — respondeu ela, estalando os dedos e fazendo um sinal de arma em direção à Niko, tentando esconder o bocejo que escapava logo depois. — Não se preocupa comigo.

    Niko fez uma pausa, pensando no que poderiam fazer enquanto Brigitte vasculhava a floresta. Se não havia pistas no celeiro e o corpo do boi não revelava muito além de sua brutalidade, então precisavam de outra abordagem.

    Evelyn percebeu a hesitação dele e apoiou a mão no queixo, refletindo.

    — Tem uma vila aqui perto. Talvez devêssemos conversar com os moradores de lá.

    — Acha que eles sabem de alguma coisa?

    — Claro, alguém pode ter ouvido ou visto algo estranho à noite. — explicou a elfa.

    — Oh, isso é perfeito! Sempre tem aquele senhorzinho que jura ter visto uma coisa impossível no meio da noite! — interrompeu Brigitte, abrindo um grande sorriso.

    — Exatamente. Às vezes é exagero, mas às vezes tem um fundo de verdade.

    Niko assentiu, convencido do que o grupo iria fazer hoje.

    — Tá bom. Então é isso. Brigitte vai para a floresta, e nós vamos até à vila fazer algumas perguntas para os moradores.

    Brigitte deu um salto animado, empolgada com sua missão.

    — Isso! Cada um numa missão, como um trio investigativo! Eu volto com uma pista antes mesmo de vocês chegarem à vila!

    Evelyn riu, pegando e vestindo o casaco.

    — Veremos. — disse ela em um tom divertido.

    Niko suspirou, já prevendo o longo dia que viria pela frente.

    — Certo, então. Vamos começar logo com isso.

    ***

    Niko e Evelyn deixavam marcas leves na neve enquanto seguiam pela trilha que levava à vila mais próxima. O céu continuava cinzento, e uma brisa gélida soprava pelo caminho aberto, tornando a paisagem em volta fria e imóvel. No horizonte, começaram a surgir casas de madeira dispersas, algumas soltando fumaça pelas chaminés. Além disso, as cercas improvisadas e pequenos celeiros completavam o cenário rural.

    Evelyn ajustou o cachecol em volta do pescoço e lançou um olhar para o lado, onde Niko caminhava em silêncio, os braços escondidos dentro do manto.

    — A gente precisa decidir como vai abordar as pessoas. — disse ela, quebrando o silêncio.

    — Como assim?

    — Não dá pra simplesmente chegar perguntando “Ei, viu alguma coisa esquisita por aqui?” — respondeu ela, imitando uma voz caricata. — Isso só ia assustar o povo… ou fazer eles se fecharem.

    — Hm… então você quer que a gente seja mais sutil, né?

    — Exatamente. — ela apontou o dedo para ele com um leve sorriso. — Provavelmente são pessoas reservadas. Se formos diretos demais, ninguém vai falar nada. Ou pior: podem expulsar a gente do vilarejo.

    — Então… qual é o plano?

    — Primeiro, conversamos normalmente. Dizemos que fomos contratados pelo Sigurd, aposto que os moradores conhecem ele. Depois explicamos a situação com calma e só então fazemos as perguntas certas. Sem pressão.

    Niko refletiu por um momento, pensando em algo que pudesse complementar o plano. Foi então que relembrou o contrato de Hyandra, quando Evelyn ganhou a confiança de uma vendedora comprando algo dela, assim sendo mais fácil de fazer perguntas. Um gesto simples, mas eficaz.

    — Se eles tiverem algo para vender, a gente pode comprar deles para demonstrar gratidão e gentileza.

    — Isso aí.

    — Mas… — ele inclinou a cabeça, cauteloso — e se mesmo assim não quiserem falar?

    — Aí a gente insiste… com educação! — completou Evelyn, com um sorriso presunçoso.

    — Educação? — Niko arqueou uma sobrancelha, com um meio riso pelo nariz.

    — Eu sei ser educada quando quero, tá? — rebateu ela, cruzando os braços.

    — Se você diz…

    Alguns minutos depois, chegaram à vila. Era pequena, muito menor que Reiken, com cerca de cem casas espalhadas ao redor de uma praça central. Algumas construções eram de madeira bruta, outras de pedra desgastada. Havia uma mercearia, uma ferraria, um pequeno estábulo e, mais adiante, crianças brincando na neve enquanto adultos andavam com baldes d’água e cestos de mantimentos.

    Niko e Evelyn se aproximaram de uma barraca perto da mercearia. Alim, uma senhora estava vendendo pães e frutas, protegida por um toldo amarelo. Ela parecia ter uns cinquenta anos, com cabelos grisalhos presos em um coque e um avental coberto de farinha.

    — Bom dia. — cumprimentou Evelyn com um sorriso amistoso.

    A mulher olhou para os dois, curiosa, mas com um sorriso educado.

    — Bom dia. Não me lembro de vocês. Estão de passagem?

    — Algo assim. — disse Evelyn, colocando uma mão no bolso. — Vou querer um desses pães.

    — Dez cêntimos, por favor.

    Evelyn entregou a moeda exata, e a senhora estendeu o pão ainda morno, enrolado em um pedaço de pano simples.

    — Vieram fazer negócios na vila?

    — Mais ou menos. — respondeu Niko. — Somos mercenários. Sigurd Keller nos contratou.

    A menção ao nome fez a vendedora levantar uma sobrancelha. Parecia conhecê-lo — e, ao que tudo indicava, respeitá-lo.

    — Ah, o senhor Keller. E qual foi o trabalho?

    — Uma investigação. — respondeu Evelyn. — Um dos bois dele foi encontrado morto no celeiro, mas a morte foi… bem incomum. Então ele contratou a gente.

    — Incomum… como?

    Evelyn olhou para Niko, que puxou do manto um papel enrolado. Ao desenrolá-lo, revelou um esboço detalhado do cadáver — um que Evelyn havia desenhado horas atrás. A expressão da mulher mudou imediatamente. Seus olhos arregalaram e a boca se contorceu em repulsa.

    — Mas que desgraça é essa…

    Ela segurou o papel com cuidado nas pontas, examinando os cortes e marcas brutais na imagem.

    — O Sigurd encontrou o boi nesse estado, trancado num celeiro sem sinais de arrombamento. Nem marcas na neve. Tem alguma ideia do que poderia ter causado isso? — perguntou Niko.

    A mulher devolveu o papel à dupla, parecia querer evitar a ilustração. Por um momento, hesitou, pensativa. Mordeu o lábio inferior e franziu a testa.

    — Não sei ao certo… Mas vocês deviam falar com Elias. Mora ali, na segunda casa depois da ferraria. Vive dizendo que vê coisa estranha à noite.

    — Entendido. Obrigado pela ajuda. — disse Evelyn, com um aceno de cabeça.

    A senhora apenas assentiu, de volta, ainda parecendo incomodada com a imagem que acabou de ver.

    Sem perder tempo, Niko e Evelyn seguiram pela vila em direção à casa do tal Elias — que, para sua surpresa, não ficava a mais de dois minutos dali. Isso mostrava o quão pequena de fato era a vila.

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