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    O sol ainda nem havia surgido quando Evelyn desceu as escadas. Os últimos resquícios da madrugada ainda estavam à mostra pelas janelas, a noite em tons azulados e frios. Ela bocejou discretamente, enrolada em um cobertor, e caminhou até a lareira já quase extinta.

    Niko estava na poltrona, sentado de lado com os cotovelos nos joelhos, os olhos estavam fixos nas janelas, procurando algum movimento estranho e os ouvidos atentos a qualquer som suspeito. Não parecia cansado — mas também não parecia pleno.

    — Minha vez. — disse Evelyn, com voz ainda sonolenta.

    Niko ergueu os olhos. Levantou-se sem dizer nada, ajeitando o manto nos ombros. Passou por ela devagar, como se qualquer passo mais forte pudesse acordar Brigitte, que ainda dormia encolhida no sofá, com o rosto semi-escondido entre a coberta e a almofada.

    — Tá tudo bem? — perguntou Evelyn, já se acomodando na poltrona.

    Niko hesitou por um segundo antes de responder:

    — Por enquanto, sim.

    Por um instante, houve silêncio. Ele começou a subir as escadas, mas parou no segundo degrau. Virou levemente o rosto, ainda sem encará-la completamente.

    — …Obrigado pelo que me disse mais cedo.

    Evelyn ergueu uma sobrancelha, surpresa.

    — Você sempre agradece assim? De costas e murmurando?

    Ele suspirou pelo nariz, com um sorrisinho quase imperceptível.

    — Melhor do que nada.

    Ela riu de leve, mas o silêncio voltou por um momento. Então, Evelyn se recostou na poltrona, com os olhos ainda fixos em Niko.

    — Isso significa que você não leu o caderno?

    Niko parou. A pergunta foi direta, mas sem tom de acusação. Era apenas uma dúvida que precisava ser respondida. Desceu novamente para o primeiro andar e se virou para a elfa. Ele não tentou mentir.

    — Na verdade… eu li, sim. — disse, baixo. — Mas parei. Não li até o final.

    Evelyn não respondeu de imediato. Apenas respirou fundo, como se processasse a resposta com mais calma do que gostaria.

    — Ela era uma espiã?

    — Não…

    — Entendi.

    Ela não parecia com raiva. Mas estava claramente desapontada — isso era nítido em seu olhar. A lareira soltou uma centelha e o vento lá fora parecia soprar mais forte. Depois de um instante, ela disse:

    — Ela confia em você, sabia?

    — Eu sei…

    — Então retribui isso. Confia nela.

    Ele apenas assentiu devagar. Não podia voltar no passado e consertar seu erro, mas agir no presente e construir um futuro melhor, sim.

    — É o que eu vou fazer.

    Assim, ele voltou as escadas, sem dizer mais nada.

    ***

    O sol finalmente nasceu, sua luz suave começou a preencher os cômodos, tingindo de dourado as cortinas e o chão de madeira da casa de hóspedes. O cheiro do chá esquentando na chaleira, misturado ao de pão fresco, pairava na cozinha e na mesa de jantar.

    Brigitte só acordou por volta do fim da manhã. Seus passos eram arrastados e lentos, a jaqueta ainda estava torta, e o cabelo, embora preso em um rabo de cavalo, não tinha mais as folhas presas de ontem.

    — Booooom diaaa~~ — disse ela enquanto se espreguiçava, encostando na parede do corredor. — Quantas horas eu dormi?

    Evelyn, sentada à mesa, fingiu olhar para um relógio imaginário.

    — O suficiente pra eu pensar que você não acordaria mais.

    Brigitte esfregou as mãos contra o rosto, sem nenhuma dignidade.

    — Hm… eu tô acordada. De ser um milagre, então.

    Niko estava perto do fogão, segurando uma tigela nas mãos e vendo algo esquentar no fogo. Esperando o momento certo para a sopa ficar pronta.

    — Você ronca. — disse ele, direto, como se fosse um diagnóstico.

    Brigitte arregalou os olhos, desacreditada.

    — Eu quê?! É MENTIRA!

    — Não é mentira. — respondeu ele, sem mudar o tom, colocando um pouco de sopa na tigela. — Você ronca mesmo. Muito alto.

    Brigitte estreitou os olhos, ofendida com a afirmação sem fundamentos de Niko.

    — Eu nunca ronquei na vida! — rebateu, cruzando os braços. — Uma heroína bonita como eu roncar? Impossível.

    Brigitte foi até a mesa de jantar, puxou e jogou o corpo sobre a cadeira, deixando os braços caírem. Deu um longo suspiro quando as costas encontraram a parte fofinha de veludo da cadeira.

    — Tá, esquece… o que tá acontecendo? Já tão decidindo o plano do dia sem mim?

    Evelyn trocou um olhar com Niko antes de responder.

    — Mais ou menos. Íamos te chamar em alguns minutos. Eu e Niko vamos conversar com os funcionários da fazenda. Alguns podem saber de algo. Ou mentir mal o bastante pra gente perceber.

    — E eu? O que eu faço?

    Niko colocou a tigela de sopa sobre a mesa, à frente da garota.

    — Obrigada.

    — Você já explorou toda a floresta ontem? — perguntou ele.

    — Eu olhei bastante coisa… Se eu não me engano faltou a parte mais ao sudoeste, aquela parte da fazenda que não tem nada.

    Brigitte pegou a colher, colocou um pouco da sopa vermelha no utensílio, soprando o vapor antes de provar. Fez um pequeno som de aprovação.

    — Então você vai vasculhar lá hoje?

    — Afirmativo, senhor. — disse ela com um ar teatral cansado, antes de engolir o segundo gole da sopa. — Vou cobrir cada mato, cada pedra e se tiver alguma minhoca suspeita, eu interrogo ela também.

    Brigitte puxou seu caderninho do bolso, abrindo e anotando algo rapidamente.

    — Vou encontrar pistas melhores que ontem. Prometo.

    Ela fechou e guardou novamente o caderno. Comeu o resto da sopa rapidamente, se levantou, já indo em direção à porta, girando a maçaneta. Antes que pudesse sair, Niko disse:

    — Brigitte.

    Ela virou o rosto, surpresa.

    — Obrigado. A gente nem estaria fazendo esse contrato se não fosse por você, e eu tô adorando fazer ele. Obrigado.

    A garota congelou por um segundo. Um sorriso diferente apareceu — não o usual exagerado e performático, mas um pequeno, genuíno, meio desajeitado. Palavras não foram necessárias para demonstrar sua gratidão, ela apenas assentiu, feliz.

    E então, sem dizer mais nada, saiu para o longo dia. A porta se fechou atrás dela com um clique leve, deixando o ambiente mais solitário.

    Evelyn e Niko se entreolharam.

    — E você achava que ela era uma espiã… — murmurou Evelyn, balançando a cabeça com um sorriso torto.

    — Eu já mudei sobre isso. Você não vai deixar de pegar no meu pé, não?

    — Uhm… naum.

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