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    Ao sul, os ventos uivavam nos cânions profundos que rompiam a superfície de uma planície inclinada. Ali, no fêmur da divindade morta, o osso ancestral estava coberto de rachaduras, como se algo o tivesse quebrado incontáveis ​​anos atrás. No entanto, não havia trepadeiras escarlates projetando-se das fendas, nem selva cobrindo as encostas do fêmur titânico. Todo o lugar estava morto e silencioso, banhado pelo brilho escaldante do céu nublado.

    O fêmur se estendia até a superfície do Mar de Cinzas, onde nem mesmo o Senhor das Sombras ousava pisar. Não estava claro se a tíbia e a fíbula do deus morto estavam desaparecidas ou simplesmente enterradas em cinzas — nenhum humano jamais havia chegado ao chão antes, e ninguém era louco o suficiente para tentar descobrir a verdade.

    Naquele momento, uma tropa de guerreiros esfarrapados atravessava a vastidão desolada de ossos brancos, sofrendo sob o calor insuportável. Havia três Santos entre eles, comandando uma força composta por Cavaleiros Ascendentes — aqueles que ainda estavam vivos, é claro. Muitos haviam perecido no caminho.

    Sir Gilead, o Cavaleiro do Verão, caminhava à frente. Sua armadura lustrosa estava coberta de poeira e havia perdido o brilho, e seu rosto, normalmente barbeado, estava agora coberto por uma barba curta. Sua pele havia escurecido com o bronzeado, e seus olhos intensamente azuis se estreitavam contra o brilho implacável do céu cinzento. Levantando a mão, ele enxugou o suor da testa e permaneceu ali por um momento, ouvindo o vento uivante.

    Sua expressão escureceu.

    O vento ficou mais forte, trazendo consigo um frescor refrescante. Os cavaleiros cansados ​​pareciam revigorados com seu toque, e seus movimentos se tornavam mais animados. Entretanto, os Santos olharam uns para os outros sombriamente. Um deles — um homem vestindo uma armadura pesada e um capacete fechado, apesar do calor terrível — falou com a voz rouca:

    “O vento está aumentando.”

    A outra, uma mulher carregando um guarda-sol ornamentado, puxou o lenço para cobrir o rosto e suspirou profundamente. Gilead permaneceu ali por alguns instantes e então assentiu.

    “Sim.”

    Ele deu mais alguns passos, parou e olhou para o céu distante. Depois de refletir por alguns instantes, Gilead continuou andando.

    “Tentaremos chegar à fissura mais próxima a tempo. Podemos ter sorte…”

    A essa altura, os cavaleiros notaram que o vento também estava ficando mais forte. Seus rostos empalideceram e um traço de terror contido surgiu em seus olhos.

    “Andem! Não há perda de tempo!”

    Após dar o comando, Gilead trocou os passos medidos por uma corrida leve e liderou a expedição de conquista para o sul. Os demais o seguiram. Os homens com armaduras pesadas recuaram para proteger a retaguarda da tropa, enquanto a mulher carregando um guarda-sol o alcançou.

    Enquanto o vento os empurrava para frente com força feroz, ela disse baixinho:

    “Quantos de nós você acha que chegarão à Cidadela, Sir Gilead?”

    Gilead olhou para ela brevemente, mas não respondeu. A mulher riu amargamente.

    “Isso quer dizer que você não sabe? Ou que nenhum de nós saberá?”

    Ele olhou para ela novamente, dessa vez com desaprovação.

    “Nós prevaleceremos.”

    Ela balançou a cabeça.

    “Você disse o mesmo quando nossos soldados estavam sendo massacrados enquanto cruzávamos a superfície da Espinha, e quando perdemos três coortes no Cinturão também. Mesmo quando estávamos sendo devorados vivos na selva na borda norte do Fêmur, você continuou nos dizendo essas palavras. E sim, claro… talvez prevaleçamos. Mas quem seremos? Uma dúzia de sobreviventes? Um punhado?”

    Ela balançou a cabeça novamente.

    “Sir Gilead… não é tarde demais para desistir. Ainda podemos recuar para o mundo desperto, carregando os cavaleiros um de cada vez.”

    Gilead franziu a testa e permaneceu em silêncio por alguns momentos.

    “Podemos. Mas nossas ordens eram conquistar a Cidadela, então não faremos isso.”

    A mulher moveu o guarda-sol para baixo, escondendo o rosto atrás dele, e suspirou profundamente.

    “Sempre tão leal…”

    Gilead sorriu melancolicamente e levantou a mão, protegendo o rosto do vento. Os membros da expedição correram para o sul, na esperança de encontrar abrigo antes que fosse tarde demais… por mais precário que fosse. No entanto, a sorte não estava do lado deles.

    Em pouco tempo, a mulher praguejou e fechou o guarda-sol, com medo de que sua estrutura frágil fosse quebrada pela forte ventania. Logo, o vento que soprava das profundezas da Sepultura dos Deuses se tornou tão forte que até os Mestres lutavam para manter o equilíbrio, rugindo enquanto ele soprava pela vastidão inclinada do fêmur do deus morto.

    Pior ainda… Flocos escuros caíam do céu, trazidos pelo vento do distante Mar de Cinzas. Sabendo que não havia mais tempo, Gilead parou e cerrou os dentes. Então ele comandou seus soldados em tom sóbrio:

    “Parem. Formem um círculo! Defendam seus irmãos!”

    Os cavaleiros se moviam com a precisão impecável de veteranos experientes. Qualquer medo que pudessem sentir não afetou sua prontidão e coordenação — poucos momentos depois, a força da expedição formou uma formação circular compacta, com as lâminas afiadas de suas espadas apontando para fora como uma paliçada de aço.

    As cinzas continuaram a chover do céu e, logo, o mundo inteiro foi envolvido por um véu cinzento. O brilho do céu nublado diminuiu e o calor sufocante tornou-se ainda mais opressivo, golpeando os humanos trêmulos como um martelo celestial. A visibilidade havia sido reduzida quase a zero.

    No crepúsculo da tempestade cinzenta, uma luz brilhou de repente, afugentando a escuridão. Gilead, que estava ombro a ombro com seus cavaleiros, assumiu sua forma Transcendente, transformando-se em uma figura etérea que parecia tecida de pura e cálida luz solar.

    Do outro lado do círculo, o homem vestindo uma armadura pesada ergueu sua maça. No instante seguinte, seu corpo pareceu se expandir, transformando-se em um enorme guerreiro de aço.

    A mulher estava parada no centro do círculo, inclinada levemente sobre seu guarda-sol. Seu cachecol esvoaçava ao vento e, embora seu rosto estivesse escondido pelo tecido, seus olhos verdes brilhavam no crepúsculo cinzento como duas chamas esmeraldas.

    Por um tempo, não havia nada no mundo cinzento além das nuvens ondulantes de cinzas rodopiantes. Não havia som algum ao redor delas, exceto o uivo do vento. E ainda assim, os Cavaleiros de Valor pareciam aterrorizados, olhando para o vazio cinzento com medo, desespero e antecipação cautelosa.

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