Capítulo 101 - O Cinza
O céu de Alzen Vich estava cinza graças ao outono. As árvores, nuas, exibiam galhos magros; as flores, tímidas, nem ousavam brotar do solo. Ainda assim, o som das crianças brincando ecoava pela praça central, como se o tempo não tivesse mudado nada nos últimos três anos.
Nada… exceto para Brigitte.
Estava encostada contra um dos postes, segurando um livrinho de capa gasta contra o peito, observando à distância eles. Céline, Bastien, Alix, Étienne… todos rindo, arremessando pedrinhas na fonte gelada ou apostando corrida de uma árvore a outra. Quando uma menina de cabelos castanhos tropeçou, os outros correram para ajudá-la, entre risos e tapinhas nas costas. Eles estavam felizes. Felizes sem ela.
Brigitte apertou os dedos ao redor do livro, respirou fundo e deu dois passos tímidos para fora da sombra, caminhando em direção ao grupo.
— O-oi… posso brincar também? — perguntou, ainda a certa distância do grupo.
A resposta não foi imediata O silêncio inicial pareceu maior do que realmente era. Bastien a olhou, depois olhou para os outros. Céline puxou a saia de inverno e sussurrou algo no ouvido de Alix, que apenas assentiu. Étienne limpou a mão na calça, tossindo.
— Ah… é que… não vai dar agora. — disse Alix, coçando a nuca. — A gente tava indo ajudar a mãe do Bastien.
— É… isso mesmo. — reforçou Bastien, pegando a deixa. — Ela pediu ajuda… é-é algo urgente.
As crianças começaram a se dispersar depressa, cada um inventando uma desculpa pior que a anterior. Brigitte esticou a mão, querendo dizer “espera!”, mas a voz não saiu. Apenas ficou parada no meio da praça, sem saber se ria da situação ou se enterrava o rosto no livro.
Uma das mães — a que vendia pães na feira — chamou a filha em um assobio curto. Louane, que ainda hesitava no canto da praça, lançou um olhar doído para Brigitte, depois olhou para a mãe impaciente, e correu sem dizer nada.
Baixando o rosto, Brigitte abriu o livro, fingindo ler as páginas que os olhos tocavam, tentando esquecer do que acabou de acontecer. Mas era impossível. As palavras pareciam borrões. Suspirou e desistiu do inútil fingimento.
Seguiu pela rua até a pequena feira. Ao passar por dois adultos conversando, ouviu o som das vozes cessar de repente, como se uma porta tivesse se fechado no ar. Sentiu vergonha de existir. Era por ela que a voz cessou, dando espaço para um desconfortável silêncio. Seguiu com o passo apressado, fingindo não notar os olhares que a seguiam.
Se afastou até o limite da vila. Estava perto do campo de trigo, onde raramente alguém ia. Ali era um lugar calmo. O silêncio era limpo, seguro dos ruídos dolorosos da vila. Sentou-se na grama seca, pegou duas pedrinhas e um galho fino.
— Sir Vantrel… — disse, encenando com a pedra maior. — O inimigo está dentro da caverna…
A pedra menor, presa na outra mão, tremia como se resistisse.
— Então… não vejo outra escolha a não ser entrar…! — respondeu, desta vez dando voz à princesa Âmbar.
Era ridículo. Ela sabia que era ridículo. Ainda assim, continuou. Não conseguia parar. Tentou rir da própria tolice, mas o som da risada morreu antes mesmo de sair da garganta. Estava em um misto de tristeza e humor. Sorria, mas não conseguia rir.
As pedras e o galho ficaram pesados demais, caíram no chão. Brigitte olhou para as próprias mãos — elas pareciam normais, iguais às de qualquer um, mas, para todos, eram perigosas. Tac! Entre os dedos, uma faísca roxa brilhou e sumiu. Ela suspirou fundo.
Tentou pensar em algo, mas a mente estava pesada demais até para formular o mais simples pensamento. Pensar doía. Existir doía. Somente uma frase ecoava em sua mente: “Amigos abandonam e deixam de confiar uns nos outros?”
Brigitte deitou-se na grama, ainda de pernas dobradas, as botas tocando o chão e os braços abertos. O branco do céu se estendia enormemente — não conseguia ver o fim do dia pálido —, as nuvens lentas passavam como se ignorassem o mundo. Mesmo nublado, elas se moviam. Tinham motivo para moverem.
Naquele momento, Brigitte se sentiu pequena. Muito pequena. E completamente sozinha. Como aquela nuvem miúda que observava — deslocada no próprio céu, longe do conjunto enorme das outras nuvens.
“Como as coisas chegaram a esse ponto?”
***
O tempo novamente passou. As estações mudaram, colheitas vieram e se foram. Quando Brigitte completou treze anos, pouca coisa mudou, a vila de Alzen parecia a mesma: as mesmas casas, as ruas ainda de barro seco e a igreja se mantinha silenciosa aos domingos. A única mudança considerável foi a morte do padre René.
Ele adoeceu no penúltimo inverno, e o corpo, já frágil, não resistiu à estação gelada. A perda entristeceu o vilarejo por meses, e para Brigitte aquilo foi como arrancar uma parte do mundo. Ele foi o homem que lhe ensinou a ler, que dizia que histórias se contavam com o coração, e que a tratava como pessoa, não como ameaça… Ele agora era apenas uma lembrança distante.
A garota não foi ao seu enterro. Achava que não seria bem-vinda. Durante a triste noite, ficou apenas no campo, observando de longe a procissão. Apertou o primeiro livro que o padre lhe deu — agora com as bordas ainda mais amassadas pelo uso — contra o peito e jurou para si mesma que continuaria forte. Que se tornaria alguém de quem ele se orgulharia de ter ensinado tudo o que ensinou.
Mas mesmo essa promessa não pesava tanto quanto a solidão que veio no ano seguinte.
Ela estava sentada à beira do poço antigo, com um livro de táticas de cavaleiros equilibrado nos joelhos. Lia devagar, com os lábios se movendo sem som, enquanto girava um graveto no chão com a outra mão.
Fazia pouco mais de um ano desde a morte de René que ela se dedicava a treinos de verdade. Criou até mesmo uma rotina de exercícios físicos e teóricos. Estava realmente se dedicando para ser uma cavaleira. Naquele dia em específico, treinava posturas de espada; no seguinte, seria o dia de treinar os músculos da perna.
A manhã estava abafada e quieta, ao ponto de se ouvir o estalar das folhas secas que pisava no chão. Foi nesse calmo silêncio que chegaram as vozes — jovens, afiadas e irritantes, daquele tipo que fazia pensar: “lá vamos nós de novo.”
— Olha só quem está aí… — disse uma voz debochada.
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