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    O sol ainda não havia nascido por completo, e as árvores da floresta estavam tingidas de laranja suave. As folhas estavam úmidas pela chuva da noite anterior, deixando um cheiro agradável de terra molhada se espalhando pelo ar. Brigitte caminhava devagar pela trilha da floresta, carregando nas costas uma mochila com tudo o que achava que iria precisar para o dia.

    A trilha era a mesma que percorreu na noite passada. Reconhecia cada pedra solta, cada curva estreita, cada galho baixo que precisava desviar, até mesmo viu uma raiz saltada, que supôs que fosse onde havia tropeçado ontem. Quando chegou à clareira, soube imediatamente que estava no lugar certo. Afinal, ali estava o mesmo tronco que socou antes, exibindo a madeira chamuscada. Mas agora, não havia sinal do velho cavaleiro.

    Nenhum estalo de graveto ou passo arrastado. Havia somente a clareira aberta, cercada por árvores antigas, o gramado baixo e úmido, e o canto distante de alguns pássaros anunciando a manhã.

    Brigitte largou a mochila ao pé de uma árvore e ficou ali, de braços cruzados, encarando o vazio. A expectativa fervia dentro dela. Primeiro, passou-se dez minutos. Depois quinze. Vinte. Meia hora. E nada do velho aparecer. A cada minuto, a esperança se transformava em dúvida.

    Mordeu o lábio, chutou uma pedrinha para longe e suspirou alto.

    — Será que… aquilo não era real? — murmurou ela, alto. — Foi algo que eu sonhei?

    Ao passar do tempo, a ideia ficou pareceu cada vez mais possível. Fazia sentido: um velho cavaleiro, misterioso, surgindo no meio da floresta e oferecendo treinamento como se fosse um personagem de uma história de fantasia. Irreal demais para ser verdade. Brigitte já estava convencida: aquilo foi um sonho.

    Ela pegou a mochila de volta e olhou para o céu claro do amanhecer. O peito doía de decepção.

    — …Eu sabia. Era bom demais para ser verdade.

    — Bom demais o quê? — disse uma voz atrás dela, tão tranquila quanto inesperada.

    — WAAAGH!!!

    O susto foi imediato, tão forte que o coração quase saiu pela boca. Brigitte pulou para trás e deu um giro no próprio eixo. Lá estava ele. Leon surgiu de trás da árvore, mastigando lentamente um pedaço de maçã, como se tivesse todo o tempo do mundo para fazer aquilo. O velho sorria de canto — parecia ter achado engraçado vê-la em choque.

    — V-você?! — exclamou ela, em um tom quase furioso. — Onde você tava?! Eu fiquei te esperando aqui faz uma meia hora!

    — Ah. Então você chegou cedo. — respondeu ele, coçando a barba.

    — Não, não! Você que atrasou! — ela retrucou, mas parou de repente. Piscou algumas vezes, como se só agora percebesse a falha no raciocínio. — Espera aí… a gente nem combinou um horário pro treino hoje.

    O velho levou a palma da mão ao rosto e riu baixo, fingindo surpresa.

    — Ah, sim, é verdade. Que descuido imperdoável.

    Em resposta à ironia, Brigitte fez biquinho e bufou.

    — Que tipo de mestre decide treinar alguém sem nem combinar o horário de treino?! Isso é o básico da organização.

    — O tipo que gosta de testar a iniciativa dos aprendizes. — disse ele, com um sorriso lateral. — E você passou. Parabéns. Ponto extra pela indignação. Gosto de alunas teimosas. As teimosas geralmente sobrevivem.

    Brigitte cruzou os braços e estreitou os olhos.

    — Desculpinha esfarrapada, hein… Por acaso você já teve algum aluno na vida?

    Leon coçou o queixo e olhou para o céu, pensativo enquanto mastigava a maçã. Três. Cinco. Sete segundos se passaram e nada da resposta. Nove segundos depois, o velho engoliu o que comia e soltou um breve:

    — Hm… não.

    — Uff… Então por que eu?

    Ele parou de comer por um segundo e olhou diretamente para ela.

    — Porque você precisava de ajuda. E é isso que cavaleiros fazem: ajudam quem precisa deles.

    A frase ecoou dentro dela. Era tão óbvia, e tão rara. “Eu te ajudei porque você precisava de ajuda”, simplesmente isso. Algo que ela queria ouvir desde sempre, mas nunca conseguiu — pelo menos, até hoje.

    Sem prolongar o silêncio, Leon caminhou até o centro da clareira e fez um gesto com a cabeça para que Brigitte se aproximasse. Quando ela chegou, ele se agachou sobre as raízes, ficando sentado de frente para a menina. Brigitte o imitou, cruzando as pernas no chão úmido.

    — Antes de enfiar você em treinos que vão deixar suas costas doendo por uma semana, quero te conhecer melhor. — disse Leon, apontando para o peito dela. — Saber quem você é aqui dentro. Então me diz: que tipo de arma você gosta?

    Brigitte levantou as sobrancelhas, surpresa pela pergunta.

    — Eu nunca usei uma arma de verdade. Mas sempre me imaginei segurando uma espada!

    Leon franziu as sobrancelhas, simulando que escrevia uma nota invisível no ar.

    — Espada, a favorita das histórias. Hm, nada mal… E a sua velocidade? Corre bem?

    — Acho que sim. Sempre ganhava nas corridas da vila quando era menor.

    — Força?

    Brigitte ergueu o braço e puxou a manga curta, flexionando seus músculos quase inexistentes

    — Eu sou fortona!

    — Estou vendo, garota! — disse Leon soltando uma risada curta. — Mas e a sua Alma? Sente ela o tempo todo?

    A pergunta fez Brigitte hesitar. O estômago e as extremidades se reviraram. Ainda se sentia insegura com relação ao poder, lembrando do que havia acontecido com Bastien.

    — É… eu sinto como… uma correntezinha por baixo da pele. Às vezes mais forte, às vezes mais fraca. É como se… ela respirasse junto comigo.

    Leon a observou Brigitte em silêncio por alguns segundos. Atrás da barba espessa e das rugas, seus olhos estavam afiados como uma lâmina polida.

    — Consegue usar quando quer?

    — Consigo, mas… geralmente solto um choque fraco. Só fica forte mesmo quando tô irritada ou com medo. — disse ela, olhando de relance para o tronco marcado pela noite anterior.

    — Então vamos mudar isso.

    Leon se levantou, batendo a poeira da calça.

    — Certo. Hoje vai ser dia de teste. Força, velocidade, resistência. E, principalmente, controle. Nada de duelos bonitos. Vamos descobrir quem é você de verdade quando começa a suar.

    Brigitte assentiu rápido. Apertou os punhos com força. Um pequeno estalo percorreu os dedos, mas desta vez não era por raiva — era por expectativa. Ela estava nervosa, mas também empolgada.

    — E se eu falhar? — perguntou, com a voz trêmula entre preocupação e determinação.

    Leon deu de ombros, catando um grande galho seco do chão.

    — Aí que você aprende. — respondeu, quebrando o galho ao meio com as mãos gigantes. — É para isso que serve o primeiro dia.

    Jogou uma das metades para Brigitte, que a pegou no ar instintivamente. A madeira era leve, mal equilibrada e totalmente improvisada para o treino. Mas já era alguma coisa.

    — Isso? — disse ela, erguendo o pedaço de pau. — Essa é minha arma?

    Leon sorriu de canto.

    — Até você ganhar o direito de usar outra, sim. — fez uma pausa, ajeitando o sobretudo. — Vamos ver se consegue me acertar antes do sol nascer inteiro.

    Brigitte arregalou os olhos, ainda confusa.

    — Espera… você tá dizendo que vamos lutar de verdade?

    — “Nada de duelos bonitos”, esqueceu do que eu tinha dito antes? — respondeu ele rindo. — Isso tá mais para um… “pega-pega”. Ah, e espero que não tenha tomado café da manhã.

    — Por quê?

    — Porque vai devolver tudo em cinco minutos.

    Leon se afastou com passos largos até a beira da clareira, a expressão era tranquila, como sempre, parecia que aquilo era apenas uma caminhada matinal. Brigitte, em contrapartida, sentiu o coração disparar. Olhou para a arma improvisada, respirou fundo, firmou os pés na terra úmida.

    Então correu. Com toda a força que tinha nas pernas, avançou contra o velho cavaleiro, pronta para aceitá-lo.

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