Capítulo 128 - Maximilian Fynhardt II
— Huff? O que foi?
As palavras saíram da boca de Niko antes que ele pudesse pensar em algo. Para conseguir a atenção de alguém de cima precisava de uma boa moeda de troca, valiosa o suficiente para que um superior do esquema se encontrasse com um “recém contratado”.
Duas opções surgiram em sua mente: primeira, pedir para falar direto com alguém “de cima”. Mas era arriscado demais, pedir por isso denunciaria ignorância e poderia soar como provocação; ou oferecer algo que prendesse a atenção do homem ali mesmo, algo que pedisse por um encontro presencial urgentemente. A primeira opção era perigosa e com certeza não daria certo; já a segunda exigia criatividade para pensar em algo rápido. Apenas uma tinha uma chance real de funcionar.
Tinha que pensar em alguma coisa, qualquer coisa, mas qual seria ela? Então, uma lembrança surgiu em sua mente. Clementine, antes de morrer, mencionou símbolos estranhos na casa do cliente. A voz dela voltava à sua mente de vez em quando em fragmentos, e, naquele momento, sugeriu a moeda de troca perfeita — falsa, porém suficientemente intrigante para que um chefe quisesse vê-la pessoalmente: fotografias de marcas estranhas no vagão.
— N-na verdade… eu tenho algumas fotografias. — disse solto, querendo fisgar sua atenção
— …Que tipo de fotografias? — disse a voz do outro lado, agora mais alerta e mais curiosa.
Niko bufou de leve com a pressão. Precisava soar convincente, não nervoso; precisava vender algo palpável, mesmo que fosse mentira. As imagens que tinha na cabeça eram confusas — símbolos que lembram de leve sua marca de Alma — mas só isso bastaria se dito com autoridade.
— Fotografias de símbolos no vagão. — respondeu ele, de voz firme. — Suspeito que seja alguma gangue ladra de mercadorias… Além de que lá também tinha algumas marcas de garras…
Do outro lado, o som de papéis mexendo surgiu, em seguida de um pigarreio forte.
— Hm. Fotografias de uma assinatura de facção? Mandar isso pelo correio vai demorar muito… Consegue enviar alguém daí pra estrada? Acho que o meu chefe gostaria de ver as imagens.
Por dentro, Niko quase suspirou de alívio. Sorriu com orgulho. O peito se expandiu devagar, e uma breve sensação de vitória surgiu na mente. Funcionou. A moeda de troca falsa havia sido aceita e marcar o encontro agora era só questão de tempo.
Segurou o fone com mais firmeza e confiança, em seguida respondeu, simulando naturalidade:
— Na verdade, eu já estou na cidade. Posso ir pessoalmente mostrar.
Um silêncio incômodo surgiu durante alguns segundos. O tipo de pausa que antecede a desconfiança. O som da respiração do homem veio pelo fone, pesado e surpreso.
— Já está na cidade? — perguntou, em um tom de suspeita. — Como assim, garoto? Desde quando?
Niko sentiu o sangue gelar. Se ele perguntou isso significava que o local onde o dríade estava era muito longe, o suficiente para que não fizesse sentido ele estar em Reiken. Mas não deixou isso o atingir, reagiu no mesmo instante, transformando o medo em impulso.
— Desde ontem à noite. Saí no último horário. — respondeu rápido e seco, como se estivesse irritado com a pergunta.
E antes que ele pudesse responder, completou com um leve deboche:
— Tô impressionado que isso só chamou sua atenção agora, afinal estamos conversando no telefone, uma linha exclusiva da capital.
Do outro lado, um silêncio curto, seguido de uma risada rouca que morreu rápido demais.
— Hah… tá certo. Eu tinha me esquecido disso. Tô me sentindo um idiota agora.
A tensão recuou o suficiente para que Niko voltasse a respirar com tranquilidade. A conversa estava oficialmente ganha.
— Melhor eu desligar logo, essa ligação tá ficando longa demais. Se tudo correr bem, você irá se encontrar com o chefe às dezesseis. — disse o homem, de repente prático, como quem anota um lembrete. — Claro, no lugar de sempre de todas as reuniões da equipe.
O silêncio surgiu de novo. E dessa vez o tempo pareceu correr mais devagar. “Lugar de sempre de todas as reuniões da equipe?”, obviamente não sabia onde ficava. Faltava apenas isso para conseguir chegar ao encontro. Precisava inventar alguma coisa para saber onde ficava o tal lugar.
Niko forçou um riso leve, tentando soar casual:
— Ah, certo… o lugar de sempre. Só pra confirmar, o endereço não mudou da última vez, né?
— Esqueceu do lugar, não é? — a voz surgiu do outro lado, imediata, meio irônica, mas não hostil.
Niko sentiu o estômago revirar. Começou a suar frio e engoliu seco. Apertou o fone, tentando conter o nervosismo que era evidente em seu rosto.
— C-claro que não. — respondeu rápido demais. — S-só tô confirmando se não teve mudança n-no endereço ou algo assim. Sempre é bom confirmar. Vai que eu vou no lugar mas acabo descobrindo que não é mais al-
O homem riu de novo, desta vez mais honesto, quase amigável, interrompendo a explicação de Niko.
— Relaxa, garoto. Também esquecia de vez em quando o endereço quando comecei. — disse, com a respiração cansada. — Rua Maximilian Fynhardt, número quarenta e sete. O de sempre.
De repente, um clique final ecoou pelo fone. A linha morreu e o zumbido hipnotizante de antes retornou na cabine.
Niko ficou parado por alguns segundos, com o fone ainda colado ao ouvido, confuso. Rua Maximilian Fynhardt… O nome não era estranho, já viu ele antes no jornal.
Maximilian Fynhardt foi um colonizador famoso no país, que ajudou a fundar as três colônias de Kyndral em Océlia. Morreu recentemente. Segundo a matéria que leu, tinha recebido homenagens de Estado, estátuas e discursos de agradecimento até mesmo do próprio Yzakel. Mas Niko não sabia que haviam batizado uma rua com o nome dele. Achava que heróis do império deveriam permanecer em livros de história, não em placas de esquina.
Com um suspiro lento, ele devolveu o fone ao gancho e percebeu que duas pequenas moedas caíram da pequena bandeja do telefone — dois cêntimos de troco. Pegou as moedas e guardou-as no bolso em um gesto quase mecânico.
Se virou e abriu a porta gradeada de vidro e metal da cabine, sendo recebido pelo vento frio do dia.
A cidade se apresentou no momento em que colocou os pés na neve. Uma larga avenida se estendia à sua frente, onde várias carroças e um bonde cheio passavam por uma rotatória de quatro conexões — nenhuma voltada para Niko. No centro da rotatória, havia uma estátua de um homem derrotando um dragão.
O garoto estava de trás para o rio Valora. Viu algumas pessoas sentadas à sua volta, mas principalmente andando. Uma pessoa em específico vinha em sua direção, imaginou que ela queria usar o telefone então deu alguns passos para a esquerda, dando espaço ao homem. Dito e feito, o rapaz entrou na cabine telefônica.
Evelyn e Brigitte o esperavam do lado de fora, próximas a uma banca de jornal. Brigitte batia o pé contra o chão com os braços cruzados, inquieta. Já Evelyn observava a rua e seu movimento, de semblante fechado, como se contasse os segundos que estava ali.
Evelyn foi a primeira a avistá-lo. Deu um tapinha no ombro de Brigitte e murmurou algo enquanto apontava para o albocerno. Em seguida, as duas caminharam em sua direção com Niko fazendo o mesmo.
Quando os passos de ambos cessaram, a Luminar falou, rápida e ansiosa:
— E então? Conseguiu alguma coisa?
Niko pensou nas palavras que diria a seguir enquanto olhava para a fumaça saindo dos prédios.
— Temos um encontro marcado. — disse ele, calmo, sem mudar o tom da voz. — Dezesseis horas. Rua Maximilian Fynhardt, número quarenta e sete.
— Hoje à tarde?
O garoto apenas deu uma acenada curta.
Evelyn cruzou os braços e inclinou a cabeça. Sua presa saltada estava à mostra graças ao sorriso curto que tentava forçar nos lábios.
— E você vai ter que ir sozinho, não é?
— Provavelmente. — respondeu. — Não falei de vocês para o peão. Além de que as pessoas lá podem te reconhecer Evelyn. Seria arriscado vocês ficarem comigo na reunião.
— Mas a gente pode ficar do lado de fora, esperando caso aconteça algo e a gente quebrar a cara dos sujeitos, não é? — disse Brigitte, se interrompendo na conversa com um grande sorriso orgulhoso.
Evelyn riu de leve pelo nariz com a animação daquela garota. Ao vê-las assim, Niko não conseguiu evitar um sorriso pequeno, quase automático. Era uma sensação estranha, uma felicidade distante, que obviamente não apagava o peso daquela missão, mas aquecia, mesmo que por um segundo, seu peito com um conforto simples.
Era as garotas e a energia que elas traziam mutuamente ao trio. Uma energia de conforto, mesmo no meio da tempestade. Estava agradecido por ter companheiras tão boas ao seu lado.
— Não é uma má ideia… — respondeu Niko, quase que contido. — Mas antes disso, precisamos preparar as provas.
— Que provas? — perguntou Brigitte, confusa.
Niko olhou para as duas, primeiro para Brigitte e depois para Evelyn, decidido no próximo passo.
— Fotografias. Precisamos tirar algumas fotografias.
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