Capítulo 150 - Lua Dourada II
Brigitte foi a primeira a acelerar o passo. Ela caminhou alguns metros à frente, parando a cada poucos segundos para olhar alguma coisa nova: uma barraca vendendo pequenos amuletos de metal, outra com tecidos bordados à mão, uma banda tocando instrumentos de corda e sopro em um ritmo contagiante demais para ser ignorado.
— Isso aqui é tão legal… — comentou em certo momento, girando levemente sobre o próprio eixo antes de parar. — Quando eu era criança, lá na vila, eu sempre quis vir pra capital nessa época do ano. — sorriu de lado. — Só consegui vir no ano passado… e agora de novo.
Ela levantou a mão e esticou dois dedos com um grande sorriso no rosto, satisfeita consigo mesma.
— Dois anos seguidos. Nunca achei que isso fosse acontecer.
Não havia saudade exagerada nem melancolia na voz dela, na verdade, era o oposto disso. O que Brigitte demonstrava era satisfação pura, misturada com uma animação difícil de esconder. Daurlúcia não era perfeita, e ela sabia disso. Ainda assim, caminhava pela cidade com o orgulho das coisas boas que foram construídas ali.
Evelyn caminhava logo atrás dela, atenta, mas sem o mesmo entusiasmo aberto. Observava os rostos, os movimentos, os detalhes que escapavam à maioria das pessoas. Às vezes parava para ouvir alguns segundos da música antes de seguir. Não parecia incomodada, apenas cautelosa com um lugar que nunca visitou antes.
Niko, por outro lado, estava totalmente alheio ao festival e à cidade, sua missão principal era encontrar o dríade. Ele sabia apenas uma coisa: o dríade havia passado por Daurlúcia. Só isso. Não sabiam de nenhum endereço, nenhum nome, nenhuma pista direta, não sabiam até mesmo se ainda estava na capital. Em uma cidade daquele tamanho, isso significava centenas de possibilidades e milhares de esconderijos.
Estava pensando no próximo passo da investigação, nada tirava esse foco. Uma cidade grande facilitava o desaparecimento de sapientes, facilitava redes ocultas e o trânsito de gente e coisas. Nesse sentido, mercados negros, regiões que não apareciam nos mapas turísticos, em áreas como Gryznóv, poderiam ter alguma resposta, seja ela direta ou indireta. Lá poderia ser o próximo passo — ou um deles.
O albocerno olhou as ruas tentando imaginar o que havia além do centro. Talvez aquele garoto, o garoto que ignorou e deixou para sofrer estivesse ali, ou talvez não, talvez fosse tarde demais e ele já estivesse em outro lugar, um que nunca iria conseguir alcançar. Não tinha como saber.
— Você tá andando como se estivesse ignorando tudo a sua volta. — comentou Evelyn, sem olhar diretamente para ele.
Niko piscou uma vez, como se fosse puxado de volta para a realidade, fora de seus pensamentos.
— Só tô pensando.
— Jura? Nem tinha pensado nessa possibilidade. — respondeu ela, com um sarcasmo explícito.
Continuaram andando lado a lado, desviando de grupos de pessoas e barracas sobre a calçada. A música ficou mais alta enquanto passavam por uma avenida larga, com centenas de pessoas em volta.
— A gente não pode perder tempo assim. — disse Niko, por fim. — A única coisa que a gente sabe é que o dríade passou por aqui. Quanto mais cedo a gente for para os lugares certos, melhor.
Evelyn inclinou levemente a cabeça, indicando que estava ouvindo.
— Lugares certos como?
— Portos secundários, regiões menos vigiadas, mercados ilegais como Gryznóv, talvez tenha algo assim aqui. — enumerou, sem hesitar. — Se ele passou por aqui, alguém pode ter visto ele, ou podem até mesmo saber sobre o tráfico e nós dar uma informação. A gente não pode perder tempo.
Evelyn manteve o passo, desviando de um casal que discutia animadamente enquanto caminhava. Não respondeu de imediato. Olhou ao redor, para as fachadas altas, para as bandeiras presas entre os prédios, para a multidão que seguia sem se importar com nada além do agora.
— Isso tudo são só sugestões. — disse, depois de analisar o redor. — Só ideias. A gente não tem um destino traçado de verdade.
Niko franziu levemente a testa, frustrado, mas não a interrompeu.
— A gente acabou de chegar. — continuou ela. — Não conhece a cidade, não conhece os bairros, não sabe como as coisas funcionam aqui. Correr pra qualquer direção agora não ajuda. Só aumenta a chance de errar o caminho.
Eles passaram por uma rua mais estreita, cobrindo o sol, onde o som da música quase desapareceu completamente, abafado pelas paredes próximas dos prédios largos. O local tinha cheiro de vinho derramado — afinal, estavam em uma rua de tavernas e bares, com placas de madeiras espalhadas em volta.
— Além disso… — Evelyn fez um gesto vago com a mão, apontando para a cidade ao redor. — Não tem nem uma hora que estamos em Daurlúcia. É pouco tempo. E essa cidade não vai a lugar nenhum só porque a gente resolveu andar mais rápido.
Niko respirou fundo pelo nariz, o maxilar rígido e olhos estreitos.
— Até uma hora pode custar caro. — respondeu ele, seco.
Evelyn lançou um olhar rápido para ele, avaliando não só as palavras, mas o tom no qual falaria com aquele rapaz sério demais.
— Até pode. Ou pode ser a diferença entre entrar em algum lugar sem saber nada e entrar sabendo o mínimo necessário pra não morrer à toa.
Niko não respondeu. Mesmo não admitindo, sabia que ela estava certa. Continuaram andando, lado a lado, desviando de mesas improvisadas na calçada e de grupos que saíam das tavernas rindo alto demais para aquela hora da manhã.
Então veio um som vindo à frente. Parecia distante de início. Grave e ritmado. Passos marcados, tambores e instrumentos de sopro, aumentando de volume a cada segundo. Além disso, um canto que não parecia vir de um único ponto, mas de todos ao mesmo tempo.
Brigitte foi a primeira a reagir. Parou de andar, inclinando a cabeça, para os dois ali.
— Ah… — murmurou. — Tá começando.
Ela correu para trás, puxou Evelyn e Niko pelo braço, e seguiu até o final da rua, dando espaço a uma avenida larga, iluminada totalmente pelo sol, tomada por gente dos dois lados.
No centro, havia uma marcha avançando em uma única direção — o oeste. Soldados em formação, marchando de forma organizada, quase impecável, com rifles apoiados nos ombros. Os uniformes eram antigos: casacos azuis-escuro ajustados, detalhes dourados nas aberturas e vermelhos nas golas e mangas, tricórnios na cabeça e botas pesadas batendo contra a rua de pedra.
Entre eles, músicos carregavam tambores, tubas, bombos, caixas, instrumentos de sopro e bandeiras — de fundo vermelho, borda dourada, cruz larga oca no centro, com uma lua na parte inferior e dois pontos entre os braços —, todos sincronizados no mesmo ritmo.

Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.