Capítulo 152 - Lua Dourada IV
— Primeiro, precisamos de um mapa detalhado da cidade. — continuou. — Também precisamos saber onde ficam as estações, os acessos ferroviários secundários, portos fluviais e regiões industriais. Tudo isso a gente consegue em um mapa, pelo menos a maioria. Depois, uma lista telefônica ou algo equivalente. Talvez ver empresas de transporte e hotéis baratos sejam uma boa…
Brigitte alcançou os dois, cruzando os braços — apenas colocando o braço bom por cima do ferido. Seu entusiasmo nitidamente diminuiu um pouco.
— Tá, tá… eu sei que a missão é importante, mas a gente acabou de chegar. — reclamou. — Não dá nem pra respirar direito antes de virar tudo investigação?
— Não. — respondeu Niko, direto demais para suavizar. — Cada atraso aumenta a chance de a gente chegar tarde demais.
Brigitte abriu a boca para retrucar no impulso. O corpo até se inclinou levemente para frente, como se a resposta já estivesse pronta. Mas parou. Ela desviou o olhar por um instante, encarando o chão de pedra.
Ele não estava errado. Ela sabia disso. Sabia desde o momento em que aceitaram ajudá-lo naquela missão o dríade era o foco, desde o instante em que decidiu seguir em frente mesmo machucada. Ela não estava ali apenas para curtir a capital ou reviver memórias boas. Era heroína. E heróis não escolhem o momento mais confortável para agir.
— …Tá. — disse, por fim, soltando o ar devagar. — Você tem razão.
Ela descruzou os braços e deu alguns passos à frente, passando pelos dois.
— Vamos focar na missão então.
Niko assentiu, sem comemorar. Apenas virou o corpo na direção oposta à avenida, já retomando o ritmo firme de antes. Evelyn o acompanhou sem dizer nada no início, observando o jeito como ele já reorganizava tudo mentalmente.
— Se a cidade tiver algo parecido com Gryznóv… — começou Niko, andando. — Isso fica fora do eixo turístico. Provavelmente perto de zonas industriais, ou regiões mais afastadas do centro. Precisamos cruzar mapas antigos com os atuais. Ver o que foi abandonado, o que mudou de nome.
— E ver contatos. — completou Evelyn. — Pessoas que não aparecem em guias oficiais. Talvez eu até reconheça alguns nomes.
— Você já veio antes à Luminara, Evelyn?
— Não. Mas tenho alguns contatos que passaram por aqui. Gente que trabalha com transporte, antigos parceiros… essas coisas.
— Então precisamos começar por aí. — disse Niko. — Ver se alguém que você conhece está na cidade, quem saiu recentemente, cruzar datas…
Brigitte caminhava alguns passos à frente. O tom da conversa tinha mudado completamente. Não era mais sobre a cidade, nem sobre o festival, nem sobre histórias. Era seco, objetivo, cheio de palavras que não pediam reação — só decisão. Ela ouviu a primeira frase. Depois a segunda. Na terceira, já não estava mais prestando atenção de verdade.
“Mudar de tom tão rápido assim é tão desgastante…”, ela pensou.
Ela se forçou à prestar atenção na conversa dos dois — mesmo sendo uma tarefa difícil. Se forçou, lutando contra si mesma, contra seus instintos, até que algo chamou sua atenção. Ela diminuiu o passo. Depois parou.
— …Gente. — disse, virando o rosto de repente.
Niko e Evelyn pararam logo depois.
— O quê foi agora? — perguntou Niko, já esperando o pior.
Brigitte apontou para o lado da rua.
— Aquilo ali.
Na frente de duas construções antigas, entre barracas de vendas e comida, havia uma tenda de tecidos escuros, com símbolos bordados em fios claros. Na porta de pano fechada, incensos queimavam lentamente, soltando uma fumaça cheirosa que contrastava diretamente com a rua. Além disso, amuletos de metal e madeira balançavam presos a cordões, refletindo a luz do sol.
Niko seguiu o dedo dela e franziu a testa imediatamente.
— Não. — disse, sem nem pensar. — Isso aí é perda de tempo.
— Como você sabe? Você já foi numa tenda mística por acaso? — Brigitte retrucou, fechando o punho no peito.
— Não, mas eu já li o suficiente pra saber como isso funciona. — respondeu ele, cruzando os braços. — Leituras vagas, símbolos bonitos, frases que servem pra qualquer pessoa. É tudo falso. E ainda cobram caro por isso.
Evelyn observava a cena em silêncio, alternando o olhar entre os dois e a barraca.
— Você acabou de dizer que a gente precisa de informações. — comentou ela. — Não dá pra descartar algo só porque não parece… confortável pra você.
— Isso não é informação. — rebateu Niko. — É superstição.
— “Isso não é informação. É superstição.” — repetiu a elfa, com uma voz zombeira nasal. — Você é tão chato às vezes…
Brigitte abriu a boca para responder, pronta para uma discussão mais longa, mas acabou parando no meio da fala. Olhou para a tenda outra vez. Depois para os dois.
— Tá. — disse, suspirando. — Então pensa assim: não é pela leitura. É por mim.
Niko levantou levemente a sobrancelha, disposto a ouvir o argumento com mais clareza.
— Eu sempre quis fazer isso quando era menor… principalmente com amigos… — continuou ela, sem olhar diretamente para ele. — Sei que é bobinho, mas sempre quis entrar numa dessas coisas, só uma vez. Nunca deu antes… Mas agora dá.
Aquilo acertou mais fundo do que ele gostaria de admitir. Não era a barraca, nem a leitura. Era o fato de realizar um sonho de infância. Nunca soube como é o sentimento de realizar algo simples e bobinho, algo que nunca teve espaço nem tempo de fazer antes.
“Deve ser bom…”
Ele desviou o olhar, fixando-o em um ponto qualquer da rua, enquanto o festival seguia indiferente à sua contagem interna. Estava tão decidido com a ideia de encontrar o dríade que admitir que aceitava Brigitte ir na barraca parecia humilhante.
— Cinco minutos. — disse, finalmente, com a voz baixa. — Não mais do que isso.
Brigitte arregalou os olhos por um instante, como se tivesse certeza de que ele voltaria atrás no último segundo. Quando percebeu que não, abriu um sorriso largo demais para conter.
— Sério?! — perguntou, já dando um passo para trás. — Prometo que vai ser rápido. Rapidíssimo!
Ela virou-se na direção da tenda quase saltando, segurando o pano pesado da entrada com as duas mãos, animada como se tivesse acabado de ganhar algo precioso.
— Obrigada! — disse, por cima do ombro, antes de entrar. — De verdade!
Niko soltou um suspiro curto, cruzando os braços. Ao ver a felicidade de Brigitte, não conseguiu conter um sorriso. Evelyn passou por ele, entrando na barraca. Em seguida, Niko fez o mesmo.

Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.