Capítulo 1368 - Navegando

Combo 111/250

Pouco depois da Ascensão do garanhão negro, chegou o dia da partida deles. As semanas que eles passaram em Graça Caída voaram rápido… tão rápido, na verdade, que Sunny ficou triste por ser tão curto.

Foi bom passar um tempo com Nephis e Cassie novamente. De volta ao mundo desperto, sempre houve paredes invisíveis entre eles… os grandes clãs, a guerra, os sentimentos complicados do passado, as promessas sombrias do futuro…

Mas Pesadelos tinham um jeito de simplificar as coisas. Todos esses assuntos tinham se tornado pequenos e insignificantes pela extrema necessidade de conquistar a Semente, e então Sunny se viu aproveitando a sensação de proximidade que não sentia há muito tempo. Era engraçado, realmente… desde que se tornou um Adormecido, ele tinha ouvido repetidamente o quão terríveis e mortais era o Terceiro Pesadelo. E havia verdade nesses rumores, é claro — afinal, Sunny já tinha sido forçado a lutar contra uma maldita Besta Colossal para sobreviver aqui.

 Mas, estranhamente, a maior parte de seu tempo na Tumba de Ariel tinha sido bastante pacífica. Ele tinha a sensação de que os dias pacíficos se tornariam uma coisa do passado muito em breve. De hoje em diante, o caminho deles era reto. Primeiro para as águas perigosas onde Effie e Jet estavam abandonadas. Então, para a misteriosa cidade de Arrebol, para encontrar Kai e Mordret.

E finalmente para Verge, o trono da Profanação. Para queimá-la e conquistar o Pesadelo. Claro, o Quebrador de Correntes retornaria para Graça Caída entre cada etapa para reabastecer, receber reparos e dar à sua tripulação uma oportunidade de se recuperar. Mas essas paradas seriam breves e distantes entre si.

Pelo resto do Pesadelo, Sunny e seus companheiros passariam de uma batalha terrível para outra.

Olhando para a vista onírica da última cidade do Povo do Rio do alto da torre do templo, Sunny suspirou e olhou para Cassie e Nephis. Os sóis tinham acabado de nascer, e o mundo inteiro estava submerso em incontáveis ​​tons de vermelho. Iluminados pelo clarão carmesim, ambos pareciam solenes… e prontos. Ele demorou um momento, então perguntou:

“Está na hora?”

Cassie assentiu lentamente. “Está na hora. Vamos.”

Juntos, eles desceram da torre, passaram pelo grande salão do templo e caminharam para fora. Os guardas da garota cega os seguiam por trás, como sempre… mas hoje, muito mais pessoas vieram se despedir de sua Sylbil. Soldados, artesãos e cidadãos de todos os tipos. Milhares de velhos e magros homens e mulheres estavam lotando as ruas, olhando para a bela jovem com algemas douradas enroladas em seus pulsos. Suas figuras frágeis e rostos enrugados eram como um mar. Seus olhos…

Sunny não sabia como descrever a emoção que brilhava neles. Era orgulho? Tristeza? Medo? Amor? Culpa? Ou tudo isso, fundido?

Os seres humanos não eram tão simples assim, afinal. Eles raramente sentiam apenas uma coisa. Na maioria das vezes, seus corações eram uma bagunça irracional e contraditória de emoções conflitantes e opostas. 

‘Conseguiremos salvar essas pessoas? Ou elas estão todas condenadas?’

Sunny sabia que esta não era a verdadeira Graça Caída… e ainda assim, ele também sabia que as sombras dos seres vivos que ele matou nos Pesadelos ainda estavam dentro de sua alma, indistinguíveis das sombras que pertenciam aos habitantes tanto do Reino dos Sonhos quanto do mundo desperto. Então qual era exatamente a diferença?

Eles passaram pelas ruas lotadas e se aproximaram dos píeres. O Quebrador de Correntes descansava na água, recém-consertado e reformado. Suas velas esfarrapadas foram substituídas por novas, cada uma de uma cor escarlate vibrante e deslumbrante. Não houve muita cerimônia. Sunny, Cassie e Nephis subiram a bordo. Os dois guardas surdos permaneceram no píer. 

… Mas antes de partirem, Cassie se virou para a multidão de idosos Nativos do Rio e sorriu.

Seu sorriso era como um raio de luz solar pura nesta terra de eterno crepúsculo.

“Meu povo…”

Sua voz ecoou acima da água, alcançando longe e amplamente. Os habitantes de Graça Caída— os últimos humanos na Tumba de Ariel — ouviram com atenção arrebatada, captando cada palavra. Sunny olhou para a multidão e logo notou uma pessoa familiar. Cronos também estava aqui, olhando para o navio gracioso com admiração e desejo. Cassie esperou por um momento, então continuou:

“Tenho que me desculpar! Normalmente, eu teria levado todos vocês para a Casa da Partida para celebrar e aproveitar um delicioso banquete. Infelizmente… a Casa Inferior não existe mais, então, não tenho comida para oferecer.”

Uma onda de murmúrios surgiu da multidão enquanto muitas pessoas riam. Alguém gritou:

“Está tudo bem, minha senhora! Alimente-nos quando voltar!”

A garota cega permaneceu imóvel por alguns momentos.

 “… Ainda assim, hoje não é um dia para tristeza. É um dia para celebração. Esta jornada que estou partindo não é a minha última. Em vez disso, é o começo de uma nova era… uma era melhor. Uma era de graça e liberdade.”

Ela levantou as mãos… e as separou, quebrando facilmente a corrente dourada.

Os elos quebrados caíram na água. Cassie sorriu novamente.

“Senhora Estrela da Mudança, Senhor Sunless e eu… estamos partindo para reunir poderosos Forasteiros e derrotar a Profanação, de uma vez por todas. Nossa vitória está garantida. Eu sei!”

Teria sido uma proclamação vazia se qualquer outra pessoa tivesse dito isso. No entanto, para o povo de Graça Caída, Cassie era Crepúsculo, a última Sylbil… a vidente que guiou seu povo por muitas gerações e que conhecia os segredos do passado e do futuro. Ao ouvi-la, eles a encararam com os olhos arregalados. No momento seguinte, um rugido alegre surgiu da multidão. 

“Nossa Senhora sabe!”

“Ela viu!”

“Vitória! Nossa vitória está garantida!”

Olhando para os velhos celebrantes, sem nenhuma tristeza, Sunny se inclinou levemente e perguntou num sussurro:

“Você sabia? Você recebeu uma visão do destino?”

Cassie congelou, então estremeceu levemente. Um momento depois, ela se virou para ele, seu sorriso se tornando frágil. Seus lindos olhos azuis estavam brilhando com o reflexo do céu carmesim.

Ela demorou um pouco e então respondeu:

“Quem se importa com o destino? Se o destino estiver contra nós… nós o quebraremos.”

Sunny olhou para ela, confuso. O canto da boca dele se contraiu. “Você acha que é fácil quebrar o destino?”

A garota cega abaixou a cabeça ligeiramente e se virou para a multidão. 

…Sua resposta silenciosa foi quase abafada pelos gritos de alegria:

“Não, não é fácil. Não é nada fácil.”

Logo, as velas do Quebrador de Correntes estavam cheias de vento. A embarcação graciosa se movia lentamente, deixando as vozes da multidão para trás. O povo de Graça Caída assistiu enquanto ele navegava para longe, acenando e desejando boa sorte à sua dama nos dias que viriam. Mas então, eles desapareceram de vista, obscurecidos pela névoa carmesim. Não havia nada além de uma vasta extensão de água na frente deles. A primeira das muitas batalhas estava se aproximando.