Capítulo 2150 - Um lugar para chamar de lar
Combo 276/300
Ele hesitou por alguns momentos.
A espada não era exatamente um espelho, e sua lâmina também não era totalmente plana. Portanto, o reflexo era um tanto distorcido — e, ainda assim, ele conseguia discernir as formas das coisas.
Havia o parapeito da muralha, o belo edifício da torre principal, seu telhado e torres, bandeiras esfarrapadas balançando frouxas na ausência de vento. Havia também o céu lilás atrás da torre, e as nuvens flutuando em sua vasta extensão como pedaços de uma mortalha rasgada.
Contudo, faltava uma coisa. A grande massa do dragão adormecido não foi refletida na espada. Jest esfregou os olhos e então se inclinou cuidadosamente pela porta para olhar o telhado da torre principal com seus próprios olhos. O maldito dragão estava lá, dormindo profundamente. Era difícil não notar sua silhueta vermelha vívida contornada contra a pedra branca.
‘Que diabos?’
Ele recuou para dentro da torre.
“Onde está o maldito dragão?”
O jovem cavaleiro assentiu.
“De fato. Notei ontem… o dragão não se refletiu no lago enquanto voava sobre ele. Estranho, não é?”
Jest esfregou a parte de trás da cabeça e deu de ombros.
“Bem, sim. É estranho. Mas o que significa?”
O cavaleiro sorriu.
“Quem sabe? Mas eu tenho uma teoria.”
Seu sorriso desapareceu lentamente, substituído por uma expressão séria.
“Veja bem, Jest… Eu não acho que esse dragão seja real.”
Ele fez uma pausa por um momento e então acrescentou em tom de dúvida:
“Talvez seja uma ilusão… ou um fantasma. Talvez seja apenas um reflexo persistente, e o verdadeiro dragão já tenha desaparecido há muito tempo…”
Cassie estava bastante curiosa para ver como o Guardião da Bravura e seu primeiro grupo de seguidores haviam conquistado Bastion e o que encontraram lá dentro. Afinal, não se tratava apenas de uma Cidadela deixada para trás por um dos daemons… em algum ponto do caminho, o jovem cavaleiro também descobrira uma Memória de Linhagem e herdara a linhagem do Deus da Guerra.
Talvez ele tenha recebido essa Memória por matar o reflexo do dragão vermelho, ou até mesmo por tê-la descoberto na sala do trono de Bastion…
Mas, por mais curiosa que fosse, ela não podia se permitir distrair — já havia passado tempo demais explorando o alvorecer da era do Feitiço do Pesadelo. Jest resistia ferozmente ao seu Aspecto, e sua essência se esvaía a uma velocidade assustadora.
Na verdade…
Embora o velho devesse estar completamente hipnotizado pelo olhar dela, ela de repente sentiu um dos dedos dele se contraindo, quase como se a abominação estivesse lutando para recuperar o controle sobre suas mãos. Então, Cassie teve que abandonar a lembrança vívida e buscar a próxima, esperando que isso a aproximasse dos segredos dos Soberanos.
Ela viu…
Jest era um Desperto agora. Sua figura esguia havia se tornado magra e forte, e seu olhar estava mais confiante. Dito isso… ele era um Desperto havia apenas algumas semanas. Ele estava de pé na muralha, armado com uma lança de aço de verdade — algo que ele havia pegado de uma das abominações que eles haviam matado no caminho para a fortaleza principal.
As dificuldades não haviam terminado depois que o dragão moribundo caiu no lago. Eles encontraram o Portal e conseguiram acordar, é verdade, tornando-se muito mais poderosos no processo… mas o castelo ainda estava infestado de monstros, assim como o lago. Seu maldito líder também não se contentou em simplesmente se esconder na fortaleza e insistiu em organizar equipes de resgate para procurar mais Adormecidos na floresta.
Era assim que aquele cara era, e as pessoas tendiam a seguir seu exemplo. Então, Jest era forçado a lutar pela sobrevivência quando estava acordado, e lutar ainda mais quando dormia. A vida era miserável. Pelo menos sua Habilidade Desperta não era tão inútil quanto a Adormecida — contanto que tivesse um parceiro para usá-la. Ser isca profissional… que destino!
Jest zombou.
Assim que o fez, ouviu-se o som de passos, e uma figura familiar surgiu na parede ao seu lado. A armadura polida era a mesma, mas agora, o jovem cavaleiro usava um manto vermelho — uma Memória que recebera após matar a ilusão do dragão.
Ele estava sorrindo. Jest suspirou e balançou a cabeça.
“E aí… como é que a gente deve te chamar mesmo? Guardião?”
O jovem cavaleiro riu baixinho.
“Não fique com ciúmes, Jest… Tenho certeza de que você também ganhará um Nome Verdadeiro legal, em breve.”
‘Ah, não duvide!’
Guardião da Bravura era um nome cafona demais, de qualquer forma. Jest certamente receberia um dez vezes mais impressionante. Ele hesitou por um momento e então perguntou:
“Então, como está sua esposa? Espero que esteja tudo bem?”
Guardião assentiu alegremente.
“É um menino saudável. Demos a ele o nome de Madoc. Ah…”
Ele olhou para Jest com interesse.
“Mas eu não preciso te parabenizar também? Sério, é inacreditável. Um cara como você… com uma garota assim… todo mundo fica pasmo!”
Jest tossiu de repente.
“Bem, isso… não é como se eu a estivesse mantendo refém, ok? Ela só ficou impressionada quando eu a tirei das chamas, quando estávamos lutando contra aquele lagarto maldito. E, bem, você sabe o que dizem. A melhor maneira de conquistar uma garota é fazê-la rir!”
Guardião assentiu pensativamente.
“Exatamente, então como você a conseguiu?”
Jest franziu a testa.
“Vá para o inferno, seu desgraçado.”
O jovem cavaleiro sorriu.
“Quando você planeja oficializar isso? Meu filho vai precisar de amiguinhos, sabia…”
Jest tossiu novamente.
“Escute, não é que eu não queira. Mas estamos em cidades diferentes no mundo real. Você e eu acabamos em NQSC, mas ela é do norte.”
Já era uma sorte que os dois estivessem no mesmo quadrante. Depois de explicar os problemas logísticos que os casais Despertos enfrentaram, Jest suspirou.
“Estou pensando em ir buscá-la em breve.”
A expressão de Guardião era sombria, no entanto. Jest franziu a testa.
“O que?”
Seu amigo e benfeitor balançou a cabeça.
“Não, é só que… ouvi coisas ruins sobre aquela cidade.”
Jest levantou uma sobrancelha.
“Oh?”
Guardião hesitou por um momento, depois se apoiou no parapeito da muralha. Sua expressão mudou sutilmente, perdendo o verniz habitual de confiança. Em vez disso, o que Jest viu foi… cansaço. E medo.
“Pessoas… pessoas podem ser tão terríveis quanto monstros, sabia?”
Jest riu. Se ele sabia? Havia muito poucas pessoas no mundo que sabiam disso melhor do que ele.
“É aí que você se engana, Guardião. As pessoas não são tão terríveis quanto os monstros… as pessoas são monstros. Algumas delas, pelo menos.”
Ele permaneceu em silêncio por alguns momentos e então acrescentou em tom frio:
“Mas não ficamos muito bons em matar monstros?”
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