Capítulo 2169 - A Anomalia
Combo 295/300
Jest não sabia o que fazer. Uma pessoa como ele, que sobrevivera ao fim do mundo e vivera o suficiente para ver um novo emergir das ruínas, geralmente conseguia manter a compostura, independentemente das circunstâncias. Todos os tipos de coisas inexplicáveis eram possíveis agora que o Feitiço do Pesadelo governava o mundo, e Jest já havia vivenciado mais do que uma boa dose de encontros bizarros. Ele havia enfrentado os confins selvagens do Reino dos Sonhos e a desolação lúgubre do mundo desperto, passando décadas lutando contra monstros angustiantes — humanos e Criaturas do Pesadelo. E, no entanto, naquele momento, ele se sentia completamente perdido.
“Não faz sentido…”
Disfarçando o choque, ele acessou um painel especial na cápsula de dormir e estudou os sinais vitais de Anvil. Tudo parecia estar em ordem — ele estava perfeitamente saudável. Seu corpo estava, pelo menos. Sua alma, porém, não estava dentro de seu corpo mortal naquele momento. Estava em algum lugar distante, nas profundezas de um Pesadelo…
Era para ser assim. Será que o menino havia escapado da Semente sem conquistá-la? Quando os Despertos dormiam, suas almas viajavam para o Reino dos Sonhos, onde se manifestavam como corpos espirituais. No processo de Ascensão, os corpos físico e espiritual se fundiam, tornando-se um Mestre.
Jest presumiu que Anvil havia conquistado o Segundo Pesadelo e Ascendido. Se não tivesse, porém, seus corpos físico e espiritual ainda estariam separados. O corpo físico estava bem ali. O corpo espiritual… apareceria perto do Portal onde sua alma estava ancorada. Que era a sala do trono de Bastion. Jest cobriu o rosto com a mão por um instante. O homem que haviam encontrado ali seria realmente Anvil? Ou seria um impostor?
Ele estava inseguro. E inquieto. Estava com medo. Respirando fundo, Jest virou-se para o mordomo e disse com a voz rouca:
“Sebastian… reúna os Cavaleiros e posicione-os aqui. Diga a eles para se prepararem para a batalha.”
O mordomo ergueu uma sobrancelha. “Está esperando um ataque?”
Jest quis balançar a cabeça, mas se conteve. Por fim, deu de ombros e suspirou. “Ainda não sei. Mas você precisa manter segredo. Quanto menos pessoas souberem, melhor.”
Ele hesitou por um momento e acrescentou:
“Isso diz respeito à segurança da família principal.”
Sebastian respirou fundo e então assentiu.
Com isso, Jest deixou uma marca perto da cápsula de dormir, então alcançou sua alma e puxou sua âncora, viajando de volta ao Reino dos Sonhos. A sala do trono estava vazia. O tempo em Bastion era um pouco semelhante ao de NQSC, então era madrugada. Os primeiros raios de sol já entravam pelas janelas altas, o que significava que o Portal receberia visitantes em breve. Poucos Despertos permaneciam no Reino dos Sonhos por períodos prolongados, preferindo retornar ao mundo desperto o mais rápido possível. A fortaleza principal ficava trancada à noite, o que significava que aqueles que precisassem usar o Portal começariam a chegar em breve.
Ouviu-se um barulho logo além da porta. Jest franziu os lábios e caminhou até lá com passos silenciosos. Madoc estava ajoelhado em frente aos portões, usando um pano e um balde d’água para lavar o chão de pedra. Era raro ver um príncipe da Valor realizando uma tarefa tão mundana com as próprias mãos — tanto que Jest ficou surpreso por um momento.
Mas então, ao notar gotas de sangue nas placas de pedra, ele entendeu a situação. Parecia que pelo menos um dos escudeiros havia se mostrado pouco confiável e, devido à necessidade de sigilo, Madoc não podia convocar um servo para limpar a bagunça resultante. Parecia que ambos haviam tido uma noite agitada.
A natureza sombria de tudo aquilo fez Jest querer contar uma piada. Ele engoliu o riso. Madoc o olhou de baixo, sem a menor graça nos olhos.
“Tio Jest… você voltou. Que notícias traz?”
Jest hesitou por um momento. “Como é que eu vou explicar isso?”
Ele cerrou os dentes. Conhecia a fortaleza principal de Bastion como se fosse seu próprio quintal, mas, naquele momento, o crepúsculo de seus salões silenciosos parecia sinistro e ameaçador.
… Pensando bem, Jest não conhecia seu quintal muito bem. Nunca se dera ao trabalho de passar muito tempo lá depois de comprar a propriedade atual do clã Dagonet. Cerrou os dentes.
“Precisamos encontrar Gwyn logo. Ela… pode estar em perigo. Venha, depressa. Eu explico no caminho.”
A expressão de Madoc mudou e ele empurrou o balde de água ensanguentada para longe. Quando se levantou, já estava invocando uma Memória de combate. Os dois seguiram para os aposentos de Anvil, silenciosa e apressadamente. Foi em um momento como aquele que Jest amaldiçoou o quão grandioso e labiríntico Bastion era… a cada passo que dava, sua inquietação e alarme continuavam a crescer. Fora ele quem mandara Gwyn embora com… quem quer que fosse ou o que quer que tivesse aparecido na sala do trono de Bastion no meio da noite. Tudo o que aconteceria dali em diante, ou já tivesse acontecido, seria responsabilidade dele. Então, ele se preparou mentalmente para o pior. Mas, para sua surpresa…
Quando finalmente chegaram aos aposentos compartilhados por Gwyn e Anvil, a atmosfera lá dentro era perfeitamente pacífica. Anvil, agora devidamente vestido, estava sentado a uma mesa, observando com curiosidade os pratos de comida à sua frente. A jovem Gwyn parecia um pouco cansada, mas, fora isso, bem, servindo-lhe uma xícara de chá aromático. Ela parecia até aliviada, com um sorriso hesitante iluminando seu rosto ao olhar para o marido… que ela pensava ter finalmente retornado vivo do Pesadelo. Quando entraram, Anvil e Gwyn se viraram para olhá-los.
Jest congelou. De repente, percebeu que, na verdade, esperava que houvesse horror e carnificina quando voltasse. Porque assim, ele pelo menos saberia o que fazer. Afinal, ele sabia lutar e matar melhor. Ao seu lado, Madoc ficou tenso e perguntou baixinho:
“Deveríamos… atacar?”
Eles poderiam tentar matar a anomalia. Essa era a escolha mais segura. Mas e se fosse Anvil, afinal, trazido de volta do Pesadelo por algum estranho capricho do Feitiço? Madoc não estaria matando o próprio irmão, e Jest não estaria matando o filho do amigo? A morte era algo irreversível. Se não fosse Anvil, no entanto…
Será que conseguiriam matar o que quer que tivesse assumido a forma dele? Ou estariam apenas provocando algo tão sinistro e terrível que nenhum deles teria chance contra sua maldade? Jest permaneceu em silêncio por alguns instantes, desejando apenas se soltar e responder com uma piada brilhante, como sempre fazia. No final, porém, ele simplesmente balançou a cabeça.
“Vamos levá-lo para o mundo desperto.”

Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.