Capítulo 510: Eco Humano 

Combo 42/50

Sunny olhou ao redor do teatro destruído, então encontrou um assento intacto e sentou-se. Relaxando nas almofadas de veludo macio, ele cruzou as pernas e olhou para o palco quebrado com uma expressão complicada.

Os cacos de vidro e os pacotes vazios de estimulantes atraíram sua atenção por um momento. Sunny esperava que os estimulantes fossem da variedade indutora de prazer, mas para sua surpresa, eram mais ou menos os mesmos que ele usou para ficar acordado por uma semana inteira após retornar da Costa Esquecida.

Uma leve carranca apareceu em seu rosto.

‘Não me diga… esse cara tinha medo de ir para o Reino dos Sonhos?’

… Kurt poderia estar ainda mais quebrado do que suspeitava. Pelo que a Mestre Jet descreveu seu antigo conhecido, o homem já foi um combatente dedicado, um especialista… mas que tipo de especialista tinha medo de sua especialidade?

Com um sinal, Sunny olhou para longe e convocou as runas.

E lá estava, escrito nos símbolos antigos no ar à sua frente:

…Todos os humanos eram considerados Bestas pelo Feitiço, já que tinham apenas um núcleo de alma, então isso não era surpreendente.

Bem, todos os humanos, exceto Sunny e Nephis.

Enquanto o pensamento de se tornar um Demônio vagava por sua mente, Sunny continuou lendo.

Sunny inclinou a cabeça um pouco.

Então, um Atributo que aumentava a percepção e a agilidade, um Atributo que dava a Kurt afinidade com as sombras — embora em uma extensão muito menor do que a dele — e um terceiro Atributo que… na verdade, Sunny não tinha ideia do que o terceiro Atributo fazia.

Sua descrição, no entanto, era muito interessante. Ele sabia que a morte havia sido criada pelo Deus das Sombras, e agora, ele descobriu que ela havia sido criada como uma arma… mas contra quem? Que tipo de inimigo poderia ter exigido a criação de uma coisa tão terrível?

Alguém imortal, talvez… não, isso não fazia sentido. Se houvesse um tempo antes da morte ser inventada, então tudo naquela época era imortal, eterno e infinito… certo?

Sunny não tinha certeza se entendia o conceito de um mundo sem morte. O que ele sabia, no entanto, era que algo tão angustiante quanto a morte não teria sido inventado sem um motivo.

Ele franziu a testa e então voltou sua atenção para as runas:

‘…Como esperado.’

Sunny tinha mais ou menos imaginado quais eram as Habilidades de Aspecto de Kurt. Elas eram diferentes, mas ao mesmo tempo semelhantes às suas. Ambas eram muito menos versáteis e poderosas do que ele próprio era capaz, embora, mesmo que a habilidade de causar dano direto em e através de suas sombras fosse algo que Sunny adoraria ter acesso.

[Manipulação de Sombras], especialmente, era quase nada mais do que uma versão ligeiramente diferente de seu Atributo passivo, [Filho das Sombras].

…Ainda assim, ter uma Sombra como Kurt poderia adicionar uma nova camada à sua destreza em batalha.

Havia também a última Habilidade:

Então… usar Memórias? Essa era uma boa habilidade de se ter. Até a própria Santa estava limitada a usar apenas armas e amuletos.

Cheia de pensamentos, Sunny olhou para a última sequência de runas.

Ele piscou algumas vezes.

‘…O que há com essa descrição? Oh meu Deus, estou imaginando coisas, ou o Feitiço parece… amargo?’

Que pensamento engraçado foi esse.

Sunny reclinou-se na cadeira e esperou um pouco, então fez uma careta e mergulhou no Mar da Alma.

‘Vamos dar uma olhada…’

Ele passou pelas fileiras de sombras silenciosas, notando a figura escura de Lâmina das Sombras Kurt parado entre elas, imóvel. Dando-lhe um olhar, Sunny se aproximou do ponto entre os sóis negros de seus Núcleos das Sombras, encontrou uma grande esfera de luz que orbitava um deles e invocou o Eco para baixo.

A esfera flutuou até a superfície de águas paradas e escureceu lentamente, revelando um homem magro e nu parado lá dentro.

Sunny sentiu sua pele arrepiar.

Na frente dele estava um humano… ou melhor, uma cópia sem alma de um humano. Eco Kurt parecia quase uma pessoa, mas o vazio sem vida em seus olhos gritava uma injustiça profunda e abominável. Era incrivelmente enervante

.

O Eco era muito parecido com as vítimas Ocas de seu eu original, só que ainda mais vago e desprovido da centelha indefinível que todos os seres vivos possuíam. Era uma cópia artificial de um homem que não tinha exatamente aquilo que o tornava humano.

Uma efígie medonha.

…A coisa era incrivelmente assustadora.

Sunny hesitou, então tentou pensar sobre as coisas logicamente.

O Eco era mais ou menos inútil para ele em seu estado atual, mas graças à sua habilidade [Desperto], ele possuiria a capacidade inata de usar Memórias… o que significava que Sunny poderia fornecer ao Eco Kurt uma armadura e uma arma.

A questão era… ele queria?

Na superfície, essa questão era bem simples. Quem não gostaria de ter uma criatura igual a um poderoso Desperto a seu serviço? Mas, na verdade, as coisas eram mais complicadas.

Sunny franziu a testa, então levantou a mão e cutucou a criatura medonha no ombro.

Uma nova sequência de runas apareceu perto dela:

Ele congelou, pensando.

Ter uma Sombra humana certamente tinha seus benefícios. Mas ter qualquer Sombra também exigia um tremendo investimento de recursos. Nutrir a Santa era muito difícil para Sunny, e especialmente para seu bolso. Menos importante, mas ainda um tanto urgente, era a necessidade de gastar cem Fragmentos de Sombra para completar a transformação.

Sunny havia gasto tanto tempo e esforço para chegar perto de criar um terceiro núcleo, e a ideia de ser repentinamente empurrado para trás por cem fragmentos inteiros não parecia muito atraente.

A questão era que ele se sentia relutante em transformar qualquer Eco em uma Sombra.

Então Kurt era um Eco digno?

Embora Sunny estivesse muito curioso para ver o que aconteceria se uma das sombras silenciosas fosse colocada em um Eco humano, a resposta foi… não.

Sunny não tinha certeza se ele estava.

Havia dois motivos.

O primeiro era bem simples, mas também não muito convincente.

Mestre Jet disse que todos eles, Despertos experientes, estavam caminhando a um passo da loucura. Sunny sentiu que arrastar uma cópia reanimada de um homem que ele matou o deixaria mais perto de dar esse passo. Sua humanidade — e sanidade, para ser honesto — já estavam em gelo fino.

No entanto, esse não era o motivo principal.

O segundo motivo, e o mais importante, era a natureza das Sombras. Sombras não eram cópias vazias e sem alma de seus originais. Elas possuíam uma aparência de consciência e uma personalidade distinta… A Santa era a prova viva.

Sim, ela foi criada a partir de uma poderosa Criatura do Pesadelo, mas seus Atributos e Habilidades não eram o que a tornava forte. A Santa era forte porque ela era a Santa. Sua vontade, intelecto e determinação inquebrável eram o que a tornavam uma presença tão mortal no campo de batalha e uma companheira valiosa para Sunny.

E era por isso que ele não queria criar uma Sombra de Kurt. Sim, Kurt possuía Habilidades poderosas que compartilhavam a afinidade com o Aspecto de Sunny.

Mas o próprio Kurt… era fraco.

Sua fraqueza era a causa de por que ele se afogou em álcool e passatempos desagradáveis, e por que ele finalmente se rendeu ao fardo do Feitiço do Pesadelo e massacrou humanos indefesos em um acesso de frenesi demente.

Não importa o quão poderoso, Sunny não queria possuir uma Sombra de um açougueiro instável… mas mais do que tudo, ele não queria possuir uma Sombra de alguém que fosse fraco. Como ele poderia confiar em alguém assim?

No caminho que ele estava tomando, não havia lugar para fraqueza… pelo menos não para a fraqueza desse tipo.

Com um suspiro, ele convocou a Santa e a observou aparecer perto da figura nua de Kurt em um redemoinho de chamas negras.

O demônio taciturno olhou para ele com seus olhos rubis indiferentes, sem prestar atenção no humano Eco. Vê-los lado a lado só deixou Sunny mais seguro de sua decisão.

Ele permaneceu em silêncio por alguns momentos, e então gesticulou para Kurt:

“Você, talvez… queira comê-lo?”

A Santa permaneceu imóvel por alguns momentos, então silenciosamente se virou para o Eco e levantou uma mão. Sua manopla facilmente perfurou o peito do assassino morto, e alguns momentos depois, seu corpo se desintegrou em uma enxurrada de faíscas brancas.

Essas faíscas formaram três fluxos brilhantes e entraram na escuridão que se escondia dentro da Sombra, então fluíram para seus três remanescentes centrais.

Sunny sentiu uma onda de amargura tomar conta de seu coração, mas logo desapareceu.

Ele estava observando o contador de Fragmentos de Sombra nas runas que descreviam a Santa.

…Aparentemente, alimentar-se de Ecos era muito mais nutritivo para uma Sombra. Ela recebeu muito mais fragmentos do que receberia de uma Memória Desperta do primeiro nível.

Agora, o contador estava mostrando um número simples:

Um sorriso triunfante apareceu nos lábios de Sunny.