Capítulo 18: Ausência de Luz
Sunny estava desfrutando de um banho quente. Depois da breve conversa que teve com a Mestre Jet, ela o mandou se lavar, dizendo que ele “cheirava a Pesadelo”. O sono artificial do Feitiço diminuiria o metabolismo do corpo e o aparelho médico ao qual ele estava preso deveria cuidar do resto, mas ele ainda dormiu por três dias inteiros.
Mesmo que fosse apenas psicológico, o cheiro de derramamento de sangue e desespero ainda pairava sobre ele.
‘Ahh… estou no paraíso!’, pensou Sunny, desejando temporariamente esquecer o iminente desastre do seu Defeito.
Ele estava sozinho no chuveiro da delegacia de polícia, relaxando sob as correntes de água quente. Depois de algum tempo, Sunny desligou o registro relutantemente e caminhou até o suporte de toalhas. Coincidentemente, viu-se refletido no espelho.
As mudanças em sua forma física eram sutis, mas perceptíveis. Sua pele pálida parecia um pouco mais saudável, seus músculos um pouco mais aparentes. Ele parecia magro e esguio em vez de desnutrido e frágil, como antes. Havia um leve brilho em seu cabelo escuro e um brilho em seus olhos.
No entanto, ele ainda era bastante diminuto. Não era exatamente uma imagem de beleza masculina, para dizer o mínimo.
‘Garoto flor, hein?’ Sunny pensou, cheio de amargura.
Então ele congelou subitamente, notando algo estranho. Enquanto se olhava no espelho, o reflexo de sua sombra parecia se mover. Era como se a sombra abaixasse a cabeça e colocasse a mão no rosto, desapontada.
Sunny rapidamente se virou, encarando sua sombra com um olhar nervoso. No entanto, tudo parecia normal. A sombra estava fazendo exatamente o que deveria fazer, repetindo todos os seus movimentos.
“Eu vi você se mexendo”, ele disse, sentindo-se um pouco estranho. “Você acabou de se mover, certo?!”
Sunny olhou para a sombra, que obedientemente olhou de volta.
“Você se moveu ou não?”
A sombra balançou entusiasticamente a cabeça.
‘Que porra?!’
“O que você quer dizer com ‘não’?! Você acabou de mexer a cabeça! Você acha que eu sou um idiota?”
A sombra parecia pensar por um momento e então deu de ombros.
Sunny ficou de boca aberta.
“Sua sombra é mais independente do que a maioria. É um ajudante inestimável”, murmurou finalmente.
Certo. Foi assim que o Feitiço descreveu sua Habilidade de Aspecto.
Mas o que exatamente sua sombra poderia fazer?
Ele decidiu experimentar um pouco.
“Ei, você. Me diga o que você pode fazer.”
A sombra ficou em silêncio e imóvel.
‘Certo. Ela não tem cordas vocais.’
Como se isso fizesse algum sentido! Sombras também não deveriam ter músculos, mas ainda assim ela tinha acabado de se mover.
“Uh… me mostre?”
Nenhuma reação. Parecia que a sombra estava contente fingindo ser uma mancha escura, ordinária e sem vida. Sunny suspirou.
‘Estou fazendo isso errado.’
Independente ou não, a sombra ainda era uma parte dele. Era uma manifestação de sua Habilidade de Aspecto. Então, em vez de perguntar à sombra, ele realmente deveria ter se perguntado a si mesmo.
“Não vai falar, né?”
Sunny fechou os olhos e dirigiu sua percepção para dentro, explorando a si mesmo pela primeira vez desde que retornou ao mundo real. Ele sentiu a batida de seu coração, a elevação constante de seu peito, o leve frio da sala de banho. Ouvia as gotas d’ água caindo no chão de azulejo. Sentia o movimento do ar filtrado contra sua pele.
E ali, à beira de sua consciência, algo novo.
Um sentido completamente novo.
Sunny concentrou-se nele, e de repente um mundo completamente diferente se abriu para ele. Era difícil de descrever com palavras, assim como seria difícil explicar como é a sensação de ouvir ou tocar.
Era como se ele pudesse se comunicar com formas vastas que o cercavam e receber uma compreensão tanto de sua própria forma quanto do espaço ao redor, guiado pelos diferentes graus de pressão que exerciam em sua mente e uns nos outros.
Essa compreensão veio naturalmente e instantaneamente, como um instinto.
Essas formas eram sombras. E entre elas, uma — não a maior, mas a mais profunda — não parecia uma entidade externa. Era como uma parte de sua alma.
Assim que Sunny captou a sensação, ele pôde sentir a sombra assim como sentia seus membros. A única diferença era que seus membros eram feitos de carne, e a sombra era feita da ausência de luz.
Sunny abriu os olhos e olhou para a sombra. Então, com um pensamento, ele ordenou que ela levantasse um braço.
A sombra levantou um braço.
Ele ordenou que ela se sentasse, ficasse de pé, virasse, chutasse. Depois, ele ordenou que ela mudasse de forma, transformando-se em um círculo, em uma linha, em um monstro. E finalmente, voltou à sua própria silhueta. A sombra era fluida e mutável, como água. A única constante era o seu tamanho.
“Ha! O que acha disso?”
A sombra fez bico, então, relutantemente, levantou os polegares.
“Mas como você é útil?”
Ele ordenou que a sombra atingisse o suporte de toalhas. Ela obedeceu e deu um poderoso chute. É claro que, como era apenas uma sombra, sua perna passou pelas toalhas sem causar dano algum, nem mesmo fazendo-as balançar um pouco.
“Isso é… tudo o que você pode fazer?”
Na sua mente, a imagem dos tentáculos negros saindo das sombras e rasgando o poderoso Tirano em pequenos pedaços se despedaçou impiedosamente. Parecia que ele não estaria competindo com o Deus das Sombras tão cedo.
Que pena.
A sombra olhou para ele com desdém. Então deu de ombros e parou de se mover completamente, claramente ofendida.
Sunny suspirou e pegou uma toalha do suporte.
“Tudo bem. Eu vou te estudar mais tarde.”
Alguns minutos depois, ele estava vestindo um macacão de treino limpo, fornecido pela polícia, e se dirigiu para a cafeteria. A Mestre Jet estava esperando por ele em uma das mesas, com duas bandejas cheias de comida sintética fumegante à sua frente.
“Sirva-se.”
Sunny olhou de relance para o mingau barato, que não era muito diferente daquilo que ele tinha o costume de comer nas periferias, e suspirou. De alguma forma, ele esperava que sua primeira refeição depois de se tornar um Adormecido fosse mais luxuosa.
Ainda assim, era comida.
Ele sentou-se e começou a devorar o mingau vorazmente. Ele estava muito, muito faminto.
No processo, seus pensamentos começaram a divagar. Sunny deu uma olhada em Jet e se perguntou. O Feitiço disse para ele encontrar um mestre, e no próximo momento havia uma mulher se chamando de Mestre bem na sua frente. Ele tentou imaginar ser um escravo obediente de alguém como ela.
Pensamentos estranhos começaram a aparecer em sua mente…
‘Sabe de uma coisa, Sunny’, ele pensou com ironia sombria. ‘Conhecendo sua sorte, este seria um momento perfeito para ela perguntar…’
“No que você está pensando?”
Sunny engasgou com o mingau. Sentiu sua boca começando a se abrir e colocou toda a sua vontade em ficar em silêncio. Um segundo se passou sem que ele dissesse nada. Então uma pressão estranha apareceu em sua mente, que logo se transformou em uma dor lasciva. Ele a suportou por mais alguns segundos antes de desistir.
“Eu estava pensando que seria um momento perfeito para você me perguntar sobre o que eu estou pensando”, ele disse finalmente.
Jet o olhou estranhamente.
“Tudo bem. Você está quase terminando sua comida?”
Sunny assentiu.
“Então, vou começar. Conforme o protocolo, sou obrigada a informá-lo de algumas coisas. É principalmente uma formalidade. Em primeiro lugar, em relação ao seu Pesadelo…”
Ela olhou para ele e suspirou.
“Você tem direito a receber acompanhamento psicológico gratuito. Não importa qual experiência traumática você tenha enfrentado, não há vergonha em pedir ajuda. Sua mente é tão importante quanto seu corpo — é certo mantê-la saudável. Você está interessado?”
Sunny balançou a cabeça. Jet deu de ombros e continuou:
“Como quiser. Você também pode falar comigo. Foi muito difícil?”
Como ele poderia responder?
“Foi simultaneamente muito pior do que eu esperava e exatamente tão ruim quanto eu esperava.”
Ela assentiu, satisfeita com aquela explicação.
“Essa é uma boa atitude. Não vou perguntar mais nada. Nós, ratos das periferias, somos muito mais resistentes do que as pessoas pensam.”
Sunny olhou para ela surpresa.
“Mestre Jet… você cresceu nas periferias?”
Ela sorriu.
“O que? Você não percebeu por causa das minhas maneiras requintadas e aparência polida?”
Ele piscou algumas vezes, surpreso.
“Eu realmente não percebi.”
Depois de pensar um pouco, acrescentou:
“Há muitas pessoas como nós entre os Despertados?”
O sorriso de Jet desapareceu.
“Não. Na verdade, eles podem ser contados nos dedos de uma mão.”
Como esperado. As chances estavam realmente contra pessoas como eles. Isso tornava as três estrelas na insígnia de Jet ainda mais excepcionais.
‘Um dia, eu também serei um Mestre.’
Se ela pôde fazer isso, por que ele não poderia?
“Então… o que acontece agora? O que mais você é obrigada a me contar?”
Sunny não tinha ideia do que deveria fazer depois de sair da delegacia. O solstício de inverno estava a apenas algumas semanas de distância.
Jet recostou-se e respondeu:
“Basicamente é isso. Há alguns problemas para resolver, principalmente em relação à sua família, mas… bem, eu li seus arquivos, então sei que não vêm ao caso. A única coisa que resta é decidir como você se preparará para sua primeira jornada no Reino dos Sonhos.”
Ela olhou para seu comunicador e fez uma careta.
“Eu tenho que dizer, sua sorte é excepcionalmente ruim. Não há muito tempo. Em primeiro lugar: você é livre para fazer o que quiser. Ninguém está te forçando a tomar uma decisão específica. Ou seja, você pode escolher se preparar por conta própria ou não se preparar de jeito nenhum. Festeje até que as luzes se apaguem.”
Sunny não era muito experiente em festas.
“No entanto, eu não aconselharia isso. Como um Adormecido, você também tem direito a se inscrever na Academia dos Despertados. Você receberá comida, alojamento e uma ampla escolha de aulas preparatórias. Nessa altura do campeonato, você não será capaz de aprender muito, mas é melhor do que nada.”
Ela ficou em silêncio por alguns segundos e acrescentou:
“Mais importante ainda, você conhecerá a maioria das pessoas que entrarão no Reino dos Sonhos com você. Alguns deles podem se tornar seus companheiros para a vida.”
‘E alguns podem acabar tentando acabar com essa vida quando estivermos dentro do Feitiço’, Sunny adicionou, lendo as entrelinhas do que a Mestre Jet havia dito.
“Então, o que você diz? Quer que eu te leve para a Academia?”
Sunny pensou sobre isso. Estranhamente, seu Defeito estava em silêncio, não o forçando a responder de uma forma ou de outra.
‘É porque eu ainda não decidi?’
Finalmente, ele olhou para baixo, para sua bandeja vazia, e tomou uma decisão.
‘Comida e alojamento gratuitos, você diz?’
“Sim. Eu quero ir para a Academia.”
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