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    Lá fora, no grande salão do antigo castelo, o ar estava cheio de gritos e clangor de aço, com rios de sangue sendo derramados no chão de mármore branco. Mas no amplo corredor em que Sunny e Harus se encontravam, a devastação que reinava acima parecia abafada e distante. Estavam apenas os dois ali.

    Pegando o Fragmento da Meia Noite das pedras frias, Sunny flexionou os ombros e olhou para o corcunda. Havia um fogo escuro e gelado queimando profundamente em seus olhos.

    “…Que maravilha. Finalmente estamos sozinhos.”

    O corcunda inclinou a cabeça e o encarou com seus olhos vidrados, sem dizer nada. Um leve sorriso surgiu nos lábios de Sunny.

    “O quê, nenhuma reação? Bem, justo. Permita-me apresentar-me, então. Meu nome é Sunny… e eu tenho desejado te matar há muito, muito tempo.”

    Harus permaneceu imóvel, olhando para ele com a mesma expressão indiferente e entediada. Uma pitada de raiva apareceu no rosto de Sunny.

    Dando um passo sutil para o lado e girando levemente o tronco, ele disse em um tom casual:

    “Para falar a verdade, Harus, eu matei muitos monstros. Alguns deles eram Criaturas do Pesadelo, e alguns eram humanóides. Eu matei uma pessoa ou duas também. Mas eu nunca fiz isso por maldade. Eu nunca gostei disso… Não muito.”

    Ele fez uma pausa e então cuspiu, com a voz trêmula:

    “Mas eu vou gostar de matar você.”

    Sunny agarrou o punho do Fragmento da Meia Noite com ambas as mãos e deu um passo à frente, perfurando o corcunda com um olhar furioso.

    “Você personifica tudo o que eu desprezo. O mero fato da sua existência me ofende. Você me enoja, e somente por essa razão eu vou acabar com você. Você não merece viver.”

    Harus piscou e continuou olhando para ele, imóvel. Sunny parou a alguns metros de distância e rosnou, frustrada com a falta de resposta.

    “Você tem alguma ideia do que eu tive que fazer, do que eu tive que sacrificar, de quantas coisas eu tive que deixar de lado para me salvar de me tornar escravo de alguém? E aqui está você… vivendo como um de sua própria vontade… bastardo, o que lhe dá o direito? Quem lhe deu a ideia de que você pode respirar o mesmo ar que eu?!”

    O corcunda finalmente deu um sinal de que tinha ouvido Sunny. Com uma expressão levemente irritada, ele balançou a cabeça e disse:

    “Palavras, palavras e mais palavras. Você fala demais, vermezinho.”

    Sunny sorriu. Uma faísca perigosa apareceu em seus olhos:

    “Sim? Bem, o que você vai fazer sobre isso?”

    Harus também sorriu.

    Seu sorriso era frio, artificial e assustador.

    “Quebrar vocês. Em pedaços. Vocês terão que morrer, de qualquer forma. Todos vocês morrerão.”

    Sunny levantou as sobrancelhas.

    “Ah, é mesmo? Por que isso?”

    O corcunda deu de ombros e estendeu a mão. Feita de faíscas de luz, uma corrente pesada surgiu do ar, enrolada em seu braço do pulso ao cotovelo. Então, ele fez uma careta e endireitou as costas tanto quanto sua deformidade permitiu.

    Antes, ele parecia ter a mesma altura de Sunny. Mas agora, Harus se elevava sobre ele quase tanto quanto Tessai, sua figura distorcida irradiando uma sensação de poder cruel e bestial. Quando duas luzes ameaçadoras se acenderam em seus olhos pálidos, ele rosnou:

    “Porque esta é a vontade do Lorde.”

    Sunny riu.

    “Lorde? O Lorde Brilhante? Não quero desapontá-lo, tolo, mas seu lorde está morto.”

    Harus olhou para ele com sincera confusão. Então, um canto de seus lábios se curvou para cima. Com algo que quase lembrava pena, ele disse:

    “Pobre verme. Você nem entende o que significa lealdade, não é? Vivo ou morto… não importa.”

    Sunny rosnou.

    “Você está certo! Eu não entendo.”

    Finalmente, ele levantou sua espada e se preparou para atacar.

    “Sabe… Eu passei tanto tempo tentando descobrir qual é sua Habilidade de Aspecto e Defeito. Mas agora, estou feliz por não saber. Não quero te matar usando um truque. Só quero te destruir…”

    Harus o escutou. Um sorriso zombeteiro surgiu em seus lábios.

    …E então, Sunny de repente ficou cego.

    ***

    ​ Um momento antes, Sunny estava olhando para a figura odiosa do corcunda assustador. Então, de repente, sua visão se foi, substituída por nada, exceto por uma escuridão sem limites.

    ‘O quê…’

    Quase imediatamente, um golpe monstruoso o fez voar para trás. Sunny atingiu a parede do corredor e então caiu no chão, deixando um rastro de sangue nas pedras frias. Seus ossos gemeram, mas se mantiveram juntos, ainda que por pouco.

    Harus, que o havia acertado no peito com um punho, a pesada corrente enrolada em seus dedos, avançou com velocidade terrível, visando esmagar o crânio do inimigo sob sua bota. Seus movimentos eram rápidos e completamente silenciosos.

    Para sua surpresa, porém, o pequeno infeliz conseguiu rolar para longe e pular para trás, evitando a morte por um fio de cabelo.

    Sunny deslizou para trás e se levantou, balançando cegamente o Fragmento da Meia Noite em um amplo arco à sua frente. A lâmina da tachi errou completamente o corcunda assassino, mas lhe deu um segundo para se recompor.

    Não que isso fosse ajudar.

    Ele ainda estava cego.

    ‘Claro… tudo faz sentido agora.’

    Sunny finalmente desvendou o mistério que cercava Harus. Ele entendeu por que tantos Adormecidos, não importava quão habilidosos e sem consideração ao poder de suas Habilidades de Aspecto, tinham sido de alguma forma tornados impotentes e facilmente massacrados pelo carrasco de Gunlaug.

    Ele também entendeu por que não havia testemunhas dos inúmeros assassinatos que Harus havia cometido. Ninguém nunca o tinha visto matando suas vítimas — seus corpos eram sempre encontrados somente depois que o massacre terminava.

    Não era porque o terrível corcunda era capaz de se mover como um fantasma ou possuía um poder tão grande que ninguém conseguia sequer tentar resistir a ele.

    …Foi porque sua Habilidade de Aspecto podia literalmente fazer com que as pessoas não o vissem.

    Ou qualquer coisa, nesse caso.

    Não importava o quão habilidosos ou poderosos seus oponentes eram. Uma vez que eles estavam cegos, todas as suas técnicas e habilidades eram inúteis. Matar uma pessoa cega era uma tarefa fácil.

    Também não importava se alguém estava lá para ver Harus matar — ele permaneceria invisível pelo tempo que quisesse.

    Foi assim que nasceu a lenda do açougueiro horripilante. As pessoas sempre tiveram mais medo de coisas que não podiam ver, afinal.

    Sunny cuspiu um bocado de sangue e fez uma careta.

    Foi bom revelar outro segredo.

    A questão era… ele seria capaz de sobreviver sabendo a verdade?

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