Capítulo 68: Farol da Morte
Sunny, Nephis e Cassie estavam sentados em um galho da gigantesca árvore, esperando o sol se pôr. O galho era largo o suficiente para acomodar o dobro de pessoas, então não estavam preocupados em serem vistos do chão. Ainda assim, permaneceram em silêncio e imóveis, cautelosos com o monstro gigante que às vezes aparecia sob seu esconderijo.
O som de seus passos causou arrepios nos corpos tensos dos três Adormecidos.
Em nenhuma vez desde que chegou à Costa Esquecida Sunny esperou tanto que a noite chegasse mais rápido. Mas havia uma primeira vez para tudo.
Eles só poderiam prosseguir com o próximo passo do plano depois que a escuridão caísse, então não havia nada a fazer agora a não ser esperar. Sentado com as costas apoiadas em Nephis e Cassie, Sunny olhou para longe e tentou não pensar em nada.
Ficar obcecado com os erros passados e riscos futuros só iria amolecer a sua determinação. E ela já estava em falta.
Encontrar um contratempo tão cedo no plano realmente afetou Sunny. Ele ainda não conseguiu se recuperar da repentina perda de seu precioso Eco. Claro, ele sabia de antemão que muitas coisas poderiam dar errado… na verdade, até avisou as duas meninas que havia muitos elementos imprevisíveis e, portanto, era impossível prever com segurança suas chances de sucesso.
No entanto, ele não esperava perder o membro mais forte do grupo logo no começo. O primeiro estágio do plano deveria ser o mais seguro. As coisas que viriam seriam muito mais perigosas.
Sunny olhou para o céu escurecendo, mal visível através da espessa copa da grande árvore, e ouviu o barulho do mar subindo. No crepúsculo fraco, Cassie se mexeu um pouco e então apertou gentilmente a mão dele.
O toque caloroso dela deixou Sunny tenso, mas então, percebendo que a garota cega estava apenas tentando consolá-lo, ele se permitiu relaxar.
‘Que estúpido. O que eu sou, uma criança? Ficar de mãos dadas não vai resolver nada.’
Mas, apesar desses pensamentos desagradáveis, Sunny relutantemente percebeu que se sentia um pouco mais tranquilo, sem nenhuma razão lógica.
Talvez eles conseguiriam fazer isso, afinal.
Se essa era a vontade deles… quem ousaria impedi-los?
Logo a noite caiu, preenchendo o mundo na escuridão absoluta.
O Túmulo de Cinzas havia se tornado uma ilha no vazio negro e ondulado do mar escuro. Os galhos da grande árvore balançavam suavemente na escuridão, suas vibrantes folhas escarlates agora estavam indistinguíveis da superfície obsidiana da madeira. As folhas balançavam e farfalhavam, criando uma melodia calmante no murmúrio ameaçador das crescentes ondas.
Sunny suspirou, sabendo que o momento da verdade estava se aproximando. Ele tinha certeza de seu plano… até onde era possível ter certeza de qualquer coisa neste lugar amaldiçoado. Mas ele também sabia de todos os riscos e de todas as coisas que poderiam dar errado.
No final de tudo, eles ainda estavam dependendo da sorte jogando uma moeda, esperando que seu resultado não significasse sua ruína.
Ele sentiu a posição de Nephis mudar. Ela virou a cabeça e olhou na direção dele, uma expressão calma no rosto. Hoje, sua inexplicável habilidade de permanecer composta em qualquer situação, independente do quão terrível fosse, era especialmente frustrante.
Embora a Estrela da Mudança não conseguisse ver nada na escuridão total, ela sabia que ele notaria seu olhar questionador.
Sunny fechou os olhos, depois os abriu novamente e expirou lentamente.
“Vamos começar.”
Os três se moveram, realizando um conjunto ensaiado de movimentos. Cassie cuidadosamente se moveu para o lado, dando espaço para Sunny e Nephis fazerem o que precisava ser feito. Sunny gentilmente colocou a mochila de algas entre ele e Nephis, então a abriu.
Seus movimentos eram lentos e cautelosos.
Dentro da mochila, dois grandes recipientes de barro estavam cercados por várias camadas de fibras das algas marinhas. Esses potes foram feitos pelo próprio Sunny e, como tal, não eram particularmente resistentes. Afinal, ele não era um artesão — todo o seu conhecimento sobre cerâmica foi recebido em um único dia ouvindo os ensinamentos do Professor Julius sobre a importância do barro no desenvolvimento da civilização humana.
Ainda assim, ele se lembrava do básico pelo menos.
Dentro dos potes, todo o óleo que eles tinham coletado dos monstros centopeias espirrou, deixando o batimento cardíaco de Sunny instável. Um monstro centopeia tinha duas glândulas em seu corpo, cada uma contendo uma substância oleosa diferente. Quando misturadas, essas substâncias produziam um óleo incrivelmente corrosivo e mortal que poderia corroer a carapaça de um Carniceiro em segundos.
Também era altamente inflamável.
Os jarros continham os dois componentes do óleo de centopeia. Se eles quebrassem durante a corrida até a grande árvore, permitindo que os componentes se misturassem… bem, havia uma razão pela qual a mochila foi confiada a Nephis enquanto Sunny carregava Cassie, apesar de sua resistência física inferior.
O óleo de centopeia era a peça central do seu plano.
Colocando os potes de barro no galho, Sunny tirou uma última coisa da mochila. Era uma tocha improvisada feita de osso e… sim, mais algas marinhas. Tradicionalmente, tochas deveriam ser feitas de madeira, mas na Costa Esquecida, os ossos eram encontrados muito mais facilmente do que gravetos.
Na escuridão, ele encontrou a mão fria de Nephis, segurou-a e colocou a tocha na palma aberta dela.
Naquele momento, Sunny não pôde deixar de se lembrar das outras vezes em que as mãos da Estrela da Mudança tocaram seu corpo. A primeira vez foi quando ele estava morrendo, com seu peito esmagado pela foice de osso do Centurião de Carapaça. A outra vez foi no dia em que ele entregou a ela a Armadura da Legião da Luz Estelar e descobriu sobre seu cruel Defeito.
Ambos os dias foram muito memoráveis, mas por razões diferentes.
Ele tinha a sensação de que esse dia também ficaria gravado para sempre em sua memória… desde que vivessem para ver o amanhecer.
Sunny respirou fundo.
“Estou pronto.”
Nephis assentiu e então se levantou. De pé, ela agarrou a tocha e fechou os olhos, como se estivesse rezando. Vestida com armadura branca, com seus cabelos prateados dançando ao vento, ela parecia um anjo lindo e solene.
Então, um brilho branco acendeu sob suas pálpebras. No momento seguinte, um fogo brilhante irrompeu de suas mãos, acendendo o topo da tocha. A Estrela da Mudança abriu os olhos, extinguindo a luz que brilhava neles, e levantou a tocha bem acima de sua cabeça.
Na escuridão do mundo, essa pequena chama parecia uma estrela solitária se afogando no mar de trevas.
Simultaneamente, Sunny deu um passo até a beirada do galho, respirou fundo… e gritou a plenos pulmões.
“EI, SEU ARROMBADO! VENHA ME PEGAR SE TIVER CULHÕES!”
Então, o caos se instalou.
Atraído pela explosão repentina de luz e pelos gritos de Sunny, o Demônio de Carapaça apareceu do nada em uma tempestade de fúria. Suas pernas imponentes rasgaram a areia cinzenta, jogando nuvens dela no ar. Dois olhos escarlates imediatamente focaram no humano gritando, enviando um arrepio pelas pernas de Sunny.
“É, aqui mesmo, seu monte de merda! Venha e me pegue, lagosta gorda! Esta é minha ilha agora!” ele gritou, fingindo não estar assustado.
O Demônio correu em sua direção. Este gigante era tão alto quanto uma casa, mas ainda não era alto o suficiente para alcançar os galhos da grande árvore com suas foices. Então, por enquanto, Sunny ainda estava seguro.
Ele tinha certeza de que isso não duraria muito, mas era tempo suficiente para colocar o plano em prática.
Se ele não errasse…
Assim que o Demônio de Carapaça estava prestes a aparecer logo abaixo do galho em que Sunny estava, ele respirou fundo, mirou e jogou os dois potes no chão.
A criatura reagiu na velocidade da luz, cortando ambos os jarros em pedaços com suas terríveis foices. No entanto, não adiantou: os líquidos oleosos contidos dentro ainda choviam em sua carapaça em uma torrente, seguidos por uma dispersão de cacos de argila.
Na verdade, isso só fez com que a superfície do impacto aumentasse, cobrindo a maior parte da carapaça metálica do Demônio com uma camada do líquido.
Os dois componentes se misturaram, produzindo o mortal óleo corrosivo, que então queimou na armadura lustrosa. Sunny prendeu a respiração.
… No entanto, o óleo do monstro centopeia, que era capaz de destruir a quitina inquebrável de Carniceiros e Centuriões, revelou-se completamente ineficaz contra a estranha liga que cobria o corpo do Demônio de Carapaça. Não deixando nenhum arranhão nele.
O rosto de Sunny escureceu.
‘Isso é…’
Nephis apareceu silenciosamente ao seu lado, levantando um braço.
‘… exatamente como eu esperava.’
Felizmente, para começar, Sunny não deu muita importância às qualidades corrosivas do óleo.
Ele precisava do óleo por sua outra característica.
Sua inflamabilidade.
Guiada pelos sons altos produzidos pelo monstro enorme, Nephis se moveu e jogou a tocha para baixo com um poderoso balanço de seu braço. Girando, a tocha riscou o ar como um meteoro e pousou bem no meio da carapaça do Demônio.
… No segundo seguinte, a criatura gigante foi envolvida em chamas.
Sunny realmente não esperava que o fogo fosse capaz de danificar o Demônio. Ele tinha certeza de que o maldito poderia suportar muito mais do que apenas um simples calor.
Mas agora, coberto do óleo em chamas, o Demônio de Carapaça brilhava intensamente na noite escura da Costa Esquecida.
Ele se transformou em um farol de fogo, chamando todos os monstros do amaldiçoado mar escuro para rastejarem de suas profundezas negras.
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