Capítulo 118 - Arrependimento II
Os três continuaram andando, passando por vitrines iluminadas e cartazes de promoções colados nos vidros. A cidade parecia se acalmar junto deles, e a noite estava estranhamente suave, confortável para o grupo — pelo menos por parte das garotas.
Niko caminhava um passo atrás, mais devagar que as duas, com os olhos mais fixos no chão do que na conversa. A fala de Evelyn já estava distante, fora de seu foco, como se estivesse ouvindo a amiga por trás de uma parede e sua atenção estivesse em outro lugar.
Com raiva, apertou os dedos ao redor do cabo da foice presa nas costas. O rosto do garoto verde voltou à sua mente. Se lembrou da forma como ele caiu, o modo como tentou falar, como pediu ajuda mesmo sem saber quem ele era. A sensação de incompetência corroía Niko por dentro, e havia um ódio amargo — não aos bandidos, mas a si mesmo — que o consumia como um câncer. Prometeu naquele dia que jamais faria algo do tipo de novo, que iria levar suas ações até às últimas consequências. Que nunca seria tão fraco novamente.
E então parou. Não por vontade, mas por impulso, como se algo prendesse suas pernas no chão. Ficou imóvel, com as íris contraídas, encarando o outro lado da rua.
Em frente a um local fechado, estavam dois homens: um musculoso e um gordo. Eram os mesmos homens de ontem. Um deles estava comendo algo, talvez sementes, e o outro fumando um charuto. Conversavam em voz baixa e riam de vez em quando. Mesmo à distância, Niko os reconheceu. Ele não podia esquecer deles. Não conseguia mesmo que quisesse. Aqueles rostos infestaram sua mente por completo.
Percebendo que Niko havia diminuído ainda mais o ritmo, Brigitte olhou para trás e o viu a alguns metros, completamente imóvel.
— Niko? Tá tudo bem? — chamou ela, voltando alguns passos para trás.
— O que foi? — perguntou a elfa, também parando na calçada.
As duas ficaram sem entender nada. Niko deu um passo à frente, depois outro, e, quando uma carroça passou entre eles, atravessou a rua em silêncio, dirigindo-se em linha reta, sem olhar para trás. Evelyn e Brigitte trocaram olhares confusos e começaram a segui-lo.
— Niko! O que você tá fazendo? — Evelyn gritou, entre confusa e preocupada.
O garoto não olhou para trás, continuou andando. Estava tão concentrado nos homens que nenhum som exterior parecia capaz de distraí-lo. Não sabia ao certo o que faria quando ficasse cara a cara com eles, só sabia que precisava agir — pagar de alguma forma pelo que não pagou ontem.
Seu manto balançava no vento e, por baixo dele, os dedos já seguravam com força o coldre da pistola. Quando a distância entre ele e os bandidos ficou curta o suficiente, parou bem à frente dos dois. O gordo foi o primeiro a notar sua presença, soltou a fumaça do charuto pelo nariz e encarou Niko com um olhar malicioso.
— Hum? Olha só quem apareceu… O chifrudo de ontem. — comentou com um sarcasmo ácido.
O musculoso mastigou a última semente e cuspiu a casca no chão, com um sorriso de canto surgindo no rosto.
— Hehe. É ele mesmo. O tampinha que ficou parado que nem um poste. Tá perdido, garotinho?
Niko não respondeu. Apenas continuou encarando os dois com os olhos fixos, a mandíbula travada e os dedos ainda no coldre da pistola, se perguntando se devia atirar — e, se sim, onde.
— E parece que ele tá bravinho também. Veio cobrar alguma coisa, foi, moleque? — cutucou o gordo, com desdém.
— Vaza daqui agora antes que eu te mande pro hospital, tampinha. — o musculoso avançou um passo, estalando os dedos ameaçadoramente.
Evelyn e Brigitte finalmente alcançaram Niko e se posicionaram ao lado dele, ambas inquietas, confusas, com os olhares indo entre o garoto e os dois homens, tentando decifrar a situação.
— Niko! — Evelyn protestou. — Por que saiu sem falar nada?
Ainda em silêncio, Niko deu um passo à frente, decidido com sua próxima ação.
— Onde está o garoto? — perguntou, com a voz carregada de uma raiva contida.
Os dois homens se entreolharam e então riram, uma risada baixa e grosseira e debochada. Era o tipo de som que tirava alguém do sério com facilidade. Aquela atitude dos dois deixou Niko ainda mais irritado.
— Tá falando do brotinho? — provocou o gordo, batendo o charuto no dedo. — A gente já se livrou dele, amigão. Chegou tarde demais.
— Quer ir atrás dele também? — o musculoso avançou mais um pouco. — Tá com saudade? Se quiser a gente te espanca até você se encontrar com ele no pós-vida. Que tal?
— Niko, quem são esses homens? — murmurou Evelyn, agora alerta.
— Ahhh, é a sua namoradinha? — o gordo gracejou, olhando para Evelyn com um sorriso repugnante. — Tem um rostinho bonito. Aposto que o que ela faz com a boca deve ser bonito também, hehehe.
A provocação fez a expressão de Evelyn fechar; os dentes dela rangiam e franzindo os olhos. Sem hesitar, Niko plantou-se à frente dela, como se o corpo o tivesse se movido antes mesmo do pensamento. O gesto foi tão instintivo que até Evelyn piscou, surpreendida com a reação.
— Olha só. — o musculoso riu, zombando da situação. — Tá defendendo a princesa. Que gracinha. — em um ato de puro desacato, estendeu a mão e agarrou um dos chifres de Niko. — Esses troços são de verdade?
Em seguida, balançou de leve a cabeça do albocerno como se fosse uma marionete, rindo.
— Se eu arrancar aqui será que sai sangue?
Naquele instante Niko explodiu. Algo no seu peito ardeu e virou força pura. A raiva se transformou em movimento. Ele cravou o pé no chão e desferiu um soco que acertou em cheio o braço do homem, fazendo o gordo piscar de susto e o musculoso soltar o chifre com um grunhido de dor.
— Argh! Seu maldito! — o musculoso recuou, esfregando o antebraço, com a surpresa estampada no rosto.
O gordo arrancou o charuto da boca, expelindo uma nuvem de fumaça pelo nariz. Em seguida, atirou o charuto no chão e esmagou-o com a sola da bota.
— Você se meteu com os caras errados, chifrudo. A gente vai matar você!
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