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    Após horas e horas de caminhada sem rumo, o ser de chifres repentinamente permaneceu imóvel. Sentiu algo estranho. Um desconforto começou a crescer em seu corpo. Ele começou a enfraquecer, e aquele incômodo inicial se transformou em uma dor aguda no estômago.… Ele estava com fome.

    Como não trouxe comida consigo, pensou em retornar à floresta em busca de algo para comer. Podia ser um animal, umas frutinhas, qualquer coisa que saciasse sua fome.

    É claro que, devido à época do ano e ao bioma em que estava, seria difícil encontrar algo comestível. Mas não tinha outra opção. Não havia nenhuma cidade ou vila próxima — e mesmo que houvesse, não era como se alguém fosse oferecer comida a um completo desconhecido. Era isso ou passar fome. Dessa forma, ele adentrou a floresta. 

    Durante algum tempo, vasculhou os arredores. Revistou arbustos, olhou entre as árvores, até que encontrou uma caverna escura — tão escura que não era possível ver nada adiante. Apesar das trevas à sua frente, ele pareceu manter um certo nível de coragem.

    Acho que vou entrar…”, pensou, encarando a entrada escura. Talvez ali dentro encontrasse algo para caçar.

    Então, com determinação, pôs o pé na entrada. No instante seguinte ouviu um som abafado e grave vindo do fundo da caverna. Não soube dizer exatamente o que era, mas ouvir aquilo foi o suficiente para fazê-lo suar frio, desistir da ideia, colocar o rabo entre as pernas e sair do local.

    — Melhor não…

    Mais adiante, encontrou um lago congelado. O gelo parecia espesso o suficiente para caminhar sobre ele, e assim o fez. Passou por cima do lago em busca de algum animal aquático.

    Após um tempo, avistou um peixe imóvel, próximo à camada de gelo. Pegou uma de suas facas e cavou um buraco ao lado da criatura. Ajeitou o manto e enfiou a mão no lago. Mesmo com o frio intenso, manteve firme a paciência. A vontade de comer sua tão esperada refeição era o que fez ele suportar a dor.

    Assim que encolheu os dedos para pegar o peixe, o animal se mexeu e nadou rapidamente para o fundo do lago. Isso o deixou confuso por um instante.

    No final, o peixe não estava congelado, como o garoto pensava, estava apenas em estado de hibernação — e, ao ser tocado, despertou.

    Sem ter muito a fazer ao não ser lamentar, ele suspirou, decepcionado, e tirou rapidamente o braço da água fria, antes que ele sentisse mais frio.

    Faminto, frustrado e com o braço quase congelado, voltou a caminhar na floresta, não encontrando nada nos próximos minutos. Nem um coelho, nem algumas amoras, nada.

     — Que fome… e que frio… — murmurou, abraçando o próprio estômago enquanto andava.

    — Será que vou encontrar algo pra comer logo? Faz horas que acordei… nem sei quando foi a última vez que comi…

    Pela intensidade da fome, imaginava que estava há mais de dezesseis horas sem comer.

    A essa altura, tinha certeza de que seu plano fracassaria. Teria que continuar andando de barriga vazia até encontrar alguma cidade, vila, ou um viajante solitário — o que, considerando o quão vazia era a estrada, parecia ser bem improvável.

    — Acho que vou procurar mais um pouco… e depois volto pra estrada.

    Foi então que avistou uma fruta pendurada em uma árvore. Tinha forma oval, uma cor roxa intensa, e exalava um aroma absurdamente doce. Era pequena, mas chamava atenção. Se destacava em meio ao branco da neve, como se não pertencesse àquele mundo.

    Sua primeira reação foi de estranhamento. Não havia razão ou sentido para uma fruta daquelas existir naquele lugar. Ainda assim, ele estava com fome, o suficiente para não questionar a realidade por mais tempo. Comida era comida. Não importava se a mãe natureza tivesse acordado em um dia ruim e criado uma aberração biológica como aquela — ele tinha que aproveitar. Sem contar que esse era o único alimento que havia por perto.

    A fruta estava pendurada no alto da árvore, cerca de uns três metros. Usando sua foice como apoio, fincou-a no tronco do abeto, escalou com agilidade e retirou o fruto entre os galhos. Apoiando o pé na madeira, pegou a foice e guardou-a novamente nas costas.

    Agora, com ela nas mãos, o cheiro era ainda mais forte. Doce, suave, hipnotizante… Seu aroma era tão doce que qualquer um ficaria tentado a dar uma mordida. A fome o fazia salivar. Engoliu seco, imaginando seu sabor. O alimento o chamava, convidando-o a morder e sentir o delicioso suco.

    Ele aproximou a fruta da boca. Estava prestes a mordê-la, até que…

    — EI!

    Uma voz distante. No meio do ato, fechou a boca. Quase que automaticamente, virou-se na direção do som. O susto foi grande — afinal, vozes não eram comuns no meio da floresta. No meio tempo de se virar, se perguntou se a pessoa de que veio a voz era amigo ou inimigo e o que faria alguém nesse local. Seu coração batia alto. Suas pupilas, que antes estavam dilatadas, se contraíram como as de um gato olhando diretamente para a luz.

    — Essa fruta é venenosa, não sabia!?

    A voz vinha de uma mulher. Jovem, pouco mais alta que ele, cerca de 1,60m. Usava um sobretudo claro, pesado como uma armadura. Tinha cabelos grisalhos até os ombros, olhos azul-claros com pupilas brancas, e uma presa saltada. Mas sua característica mais marcante eram as três cicatrizes no rosto — uma descendo do olho esquerdo e duas menores subindo da mandíbula na bochecha direita.

    Apesar do grito, a garota não parecia brava, mas sim, preocupada com o garoto à sua frente.

    Ela não parecia ser uma ameaça, isso fez o ser de chifres acalmar. Suas íris voltaram a ficar dilatadas e a rigidez da face passou.

    Ouvindo que o objeto que estava em sua mão era venenoso, ficou decepcionado, se sentiu traído pelo aroma sedutor da fruta. Com pesar, deu uma última olhada no alimento redondo e largou-o no chão.

    — Por que você ia comer uma fruta de vídelfro? Todo mundo sabe que ela tem veneno suficiente pra matar até três pessoas! — suspirou ela, aliviada.

    Foi por pouco. Se não fosse pelo alerta da mulher misteriosa, o garoto provavelmente não estaria mais nesse mundo…

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