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    Fazia quase uma hora desde que a caçada ao lufador havia terminado. Niko e Evelyn seguiram viagem silenciosamente desde o momento em que entraram na carroça. Nenhuma palavra foi trocada, o que deixava o ambiente carregado de um constrangimento tímido, como se ambos esperassem que o outro quebrasse o gelo, com esse momento demorando mais do que eles esperavam. Por fim, Evelyn decidiu tentar.

    — Se você estiver se perguntando se o lufador vai feder ou não, saiba que nesse tempo, e também por conta da carroça estar fechada, é bem provável que ele só comece a feder depois de alguns dias. Então, nem precisa se preocupar, tá bom?

    — Ah, tudo bem. — respondeu Niko, surpreso pela quebra repentina do silêncio.

    As palavras mal saíram e Evelyn sentiu uma onda de vergonha percorrendo seu corpo. Forçou um sorriso bobo e sem graça, mas por dentro era nítido que estava pensando: “Que fala desnecessária… Que idiota!

    Niko, por outro lado, nem estava pensando sobre o odor do lufador. Na verdade, refletia se ele mesmo poderia ter sido um mercenário no passado. Mas agora, com a conversa tecnicamente iniciada, sentiu-se mais à vontade para perguntar — sem contar que o ar de constrangimento iria se dissipar se fizesse isso.

    — Evelyn, você acha que eu era um mercenário como você?

    — Acho que não. Esse é o tipo de trabalho em que todo mundo se conhece, e eu nunca te vi antes de hoje. Então… é, provavelmente não

    — Entendi… Você então tem alguma ideia do que eu poderia ter sido no passado?

    — Hm… talvez alguém que trabalha com transporte de cargas pesadas? A sua Alma seria ótima pra isso. Mas com seu jeito e o uso de armas, você também poderia ser um soldado ou cavaleiro. Um cavaleiro que transporta exércitos inteiros num piscar de olhos, talvez? Ainda assim, se fosse, provavelmente seria conhecido. Desculpa, mas eu não tenho a mínima ideia.

    Mesmo esperando por essa resposta, Niko queria perguntar. Qualquer chance, por menor que fosse, de descobrir mais sobre si mesmo, ele abraçaria.

    — Mas vou ser sincera. Você tá muito viciado nessa coisa de descobrir quem é. Relaxa, maninho. Vamos conversar sobre outra coisa. Uma hora você vai se lembrar. Pensar nisso o tempo inteiro não ajuda em nada, só deixa você mais ansioso.

    Aquele argumento realmente fazia sentido. Niko, mesmo relutante, decidiu seguir o conselho. Pelo menos por aquela noite.

    — Então… como é a capital?

    — Ah, Reiken é maravilhosa! Tem mais de um milhão de pessoas, as casas, as ruas e os parques são lindos! Ah, e o castelo imperial é fantástico! Ele é gigante e fica no meio de um rio imenso que divide a cidade em duas partes, o rio Valora. Tem alguns anos que parte dele fica completamente congelado, daí dá pra andar por cima.

    Mesmo com a descrição vaga, a empolgação de Niko cresceu. Nunca tinha visto uma cidade, e logo a primeira que veria seria uma metrópole imensa, cheia de conteúdo. Isso era animador.

    — A comida lá é boa?

    A pergunta o fez se arrepender instantaneamente. Ele não comia havia horas — e nem sabia ao certo a quanto tempo não comia algo decente —, e agora, depois de ter falado a palavra “comida”, o estômago roncou em protesto.

    — Muito! Inclusive, trouxe uns devaneios na mochila. É um doce comum lá na capital. Eu não sabia quanto tempo iria ficar caçando o lufador, então trouxe um pouco pra mim. Quer um?

    — Claro. — respondeu Niko sem hesitar, com a fome maior que seus chifres.

    Evelyn se abaixou, abriu a mochila e tirou de lá um pequeno embrulho. Dentro, havia uma esfera, de massa clara e textura fofa, com um leve brilho dourado. Um anel de recheio rosado rodeava o doce, e por cima dele, havia uma leve camada de açúcar de confeiteiro para enfeitar. Assim que a garota desembrulhou a comida, um aroma adocicado se espalhou pelo ar.

    Os olhos de Niko se dilataram mais do que o normal, como se tivesse visto algum tipo de relíquia sagrada.

    — Toma. Pode comer, eu tenho outro pra mim. — disse a garota casualmente, mas com um sorrisinho orgulhoso de quem sabia exatamente o que estava fazendo.

    Ao pegar o doce, Niko ficou paralisado por um instante. O cheiro era acolhedor de um jeito quase emocional. Nunca tinha visto ou pensado em ver algo assim na vida. Ele deu uma mordida…

    A massa se desfazia na boca. O recheio explodiu em sabor: frutas vermelhas, algo entre morango e framboesa, levemente azedo, equilibrando a doçura da cobertura. Era macio, leve, fresco e incrivelmente reconfortante. Por alguns segundos, Niko só conseguia emitir sons baixos de prazer.

    — É incrível. — murmurou, sem conseguir pensar em mais nada. Estava totalmente entregue à experiência.

    — É bom, né? Agora imagina o resto. Tem coisa muito melhor na capital! — falou Evelyn com a boca cheia, quase engasgando de empolgação.

    Aos poucos, terminaram seus doces em silêncio, mastigando devagar, como se quisessem prolongar a sensação. Quando Niko deu a última mordida, ficou imóvel, olhando para a frente, pensativo.

    — …Você tem mais um desses? — perguntou baixinho, com um ar tímido, sem nem fazer contato visual.

    — Tenho sim. Pode pegar, m-

    Mas ele já estava avançando na mochila como se fosse a última refeição do mundo.

    — …as vai me dever quinze cêntimos de Yzakels, a moeda do reino. — completou ela, com um sorriso meio cruel.

    Niko não se importou e continuou comendo o doce. Nem sabia o que era “cêntimos”, muito menos quanto valia. Mas por um segundo devaneio qualquer preço parecia justo. Além disso, agora sabia que Yzakel era a moeda do reino.

    Passados uns minutos, Niko terminou seu segundo doce.

    — Tem algum lugar que eu possa visitar lá? Tipo, pontos turísticos ou históricos?

    — Eu já te contei sobre o castelo, mas também tem o Parque da Prosperidade, que eu acho que você vai gostar. A Catedral da Ordem Alstra também é linda. Tem o museu de história… talvez você ache interessante. Ah, o teatro Osteich! Você vai amar — pena que é caro de mais pra entrar…

    — Parece que tem muita coisa na capital…

    — Realmente tem. Depois eu faço uma listinha de tudo que a gente pode visitar, tudo bem?

    — Tudo bem.

    Niko assentiu, um pouco sobrecarregado pela enxurrada de nomes e atrações. Cada lugar que Evelyn citava parecia mais impressionante que o anterior.

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