Capítulo 107 - Adeus
O tempo passou como o vento em um quente dia de verão. O que começou naquela primeira manhã — com Brigitte tropeçando pela floresta, enquanto tentava acertar Leon com um galho —, logo se transformou em uma rotina diária dos dois. Ir para a clareira, treinar durante o dia e voltar para casa. Três anos se passaram desde aquela noite de tristeza e esperança. Três anos desde que Brigitte se esforçou de verdade para atingir seu sonho de se tornar uma grande guerreira. Uma heroína.
O primeiro ano de treinamento foi o mais duro. O velho cavaleiro nunca pegava leve. Todas as manhãs, antes mesmo do sol nascer, Brigitte já estava na clareira, esperando-o com a mochila nas costas. Algumas vezes, Leon já a esperava lá, afiando um galho ou amarrando estacas no chão para os exercícios. Mas na maioria, ela era quem chegava primeiro, tendo nada a fazer, somente esperar pacientemente por Leon.
Nos primeiros meses, Brigitte insistiu em treinar com espadas de madeira. Ela achava bonito e heroico, fazia-a se sentir como uma cavaleira dos livros que lia. Mas Leon logo percebeu o que ela ainda não queria admitir: sua postura, sua movimentação, sua velocidade, tudo nela sugeria algo diferente.
Em um dia qualquer, ele sugeriu:
— Experimente isso.
E deu uma vara longa para a garota. Era apenas um galho grosso e cumprido, mas quando Brigitte o girou no ar pela primeira vez, sentiu algo novo. O peso se distribuía melhor por todo o corpo da arma e os movimentos eram mais naturais. A espada exigia força direta, mas a lança cobrava apenas leveza e rapidez.
Passou o dia praticando os exercícios com a arma — acertar alvos lançados por Leon em alta velocidade. No final do dia, conseguiu praticamente dobrar a quantidade de alvos atingidos e bloqueados.
— Nossa… — disse ela, surpresa. — Isso aqui é muito melhor do que uma espada. Como sabia que eu era melhor na lança?
— Fiquei observando por um tempo. Vi que você se atrapalhava com o peso e na hora certa de atingir os alvos com uma espada.
Brigitte olhou para a arma de madeira em sua mão e mordeu o lábio de leve. Pensou se valia a pena continuar usando a lança. Ela lutava melhor com essa arma, mas sua paixão mesmo era as espadas, heróicas e robustas, diferentes das lanças que eram “sem graça”, na visão da garota.
— Você queria usar a espada, né? — falou o velho, como se lesse a mente da discípula.
A garota tirou os olhos da arma, olhando em direção à Leon, acenando com a cabeça.
— Um conselho: quando você faz algo em que vidas dependem de você, como ser uma cavaleira, você não pode focar no que quer ser boa, mas sim, no que é boa. Essa é uma decisão que decide o destino das pessoas e você precisa assumir a responsabilidade.
As palavras de Leon atingiram ela com força, mais fortes que qualquer treino. Brigitte percebeu que não bastava sonhar em ser a heroína de suas próprias histórias — era preciso aceitar quem realmente era e usar aquilo da melhor forma possível. Precisava assumir uma responsabilidade. Uma escolha que poderia significar a vida ou a morte de alguém no futuro.
Depois daquele dia ela não largou mais a ideia da lança.
Durante o primeiro ano, os treinos eram focados em resistência. Leon dizia que resistência é o essencial de qualquer guerreiro — principalmente os da cavalaria. Brigitte corria pelos campos até suas pernas tremerem, carregava sacos de areia nas costas e fazia flexões até seus braços falharem.
Uma vez, depois de cair de rosto no barro na quarta corrida do dia, Brigitte ficou imóvel. Não queria mais correr. Estava no limite. Mesmo assim, Leon se aproximou, com a mesma calma de sempre.
— Levanta. Falta só mais uma volta pra bater a meta de hoje, você consegue. Outra: um cavaleiro cansado é um cavaleiro morto.
“Ele tem razão”, disse na mente. Na hora do combate, Brigitte não terá tempo de pedir tempo ou descansar por cinco minutinhos. Mesmo que suas pernas não aguentassem, mesmo que seus ossos estivessem perto de se partir, ela precisava estar de pé. Tinha que dar tudo de sí.
Ela mordeu a língua e, com força, se levantou, conseguindo terminar a última volta.
No ano seguinte, a dificuldade mudou. Leon passou a usar a própria Bênção — Vronti Mundia — em quase todos os treinos de combate. Em um instante, ele se movia mais rápido do que os olhos conseguiam acompanhar. Era como lutar contra o vento. Brigitte, que já se sentia mais forte, levou uma surra de realidade nas primeiras semanas.
Começou a aprender que devia analisar o movimento das folhas, o deslocamento do ar, pequenas mudanças de pressão no chão. A cada treino de combate, ela ficava um pouco melhor.
Em uma tarde em que o vento soprava forte entre os galhos, Brigitte já estava exausta, mas insistia em mais um ataque. Leon desapareceu como sempre, usando sua Bênção. Como de costume, fechou os olhos — a visão era inútil —, focando sua atenção nos ouvidos e na pele, foi naquele instante que ela notou algo: um farfalhar rápido demais nas folhas da esquerda. Sem pensar, girou o corpo e lançou a lança improvisada em arco.
O golpe não foi perfeito, mas o bastão acertou de raspão a manga do sobretudo do cavaleiro, deixando uma marca de pó e terra no tecido. Leon parou por um instante, surpreso. Olhou para a manga suja, depois para a garota, que arfava com força, quase desabando.
Brigitte arregalou os olhos, sem acreditar.
— E-eu… eu acertei você! — disse, com a voz trêmula e um grande sorriso no rosto.
Leon coçou a barba devagar, tentando disfarçar o orgulho que crescia.
— Acertou só porque eu que deixei uma brecha… — murmurou, de brincadeira, mas os olhos denunciavam o brilho satisfeito.
— Não interessa! — retrucou Brigitte, ainda rindo e apoiada na lança. — De qualquer jeito, eu acertei!
Leon soltou uma risada curta e sincera, balançando a cabeça.
— Tá ficando perigosa, mocinha.
Desde aquele dia, Brigitte não parou de se gabar sobre o feito para seu mestre.
Paralelamente, seu controle de Alma melhorou muito desde o ano passado. Leon criava exercícios específicos para aprimorar essa habilidade: equilibrar pequenos pedaços de ferro sobre faíscas, fazer uma camada de eletricidade em volta do corpo e até mesmo atingir alvos com ataques de pequenos relâmpagos.
No começo, ela mais errava do que acertava. Uma vez, inclusive, incendiou a manga da própria camiseta. Mas com o tempo, começou a dominar suas habilidades. Quando queria, a garota podia soltar uma faísca com o alcance de dezenas de metros de distância ou gerar um estalo capaz de apagar uma fogueira.
Em certo ponto do ano, Leon levou Brigitte até sua casa pela primeira vez. Era uma casa de madeira simples, afastada da vila, no alto de uma pequena colina. Dentro, os cômodos eram pequenos e antigos: um sofá, uma lareira, uma mesa repleta de livros e armas antigas penduradas nas paredes. Nada de muito luxuoso, mas também nada de muito simples. Era um lugar que se podia chamar de lar.
Leon cozinhou algo simples naquela tarde: um ensopado de grãos e carne salgada. Eles comeram em silêncio, mas era um silêncio confortável. Como dois soldados que sabiam que palavras não eram necessárias em algo tão sagrado como uma refeição.
— Um dia, — disse ele, erguendo a caneca de ferro. — você vai contar suas próprias histórias em volta de uma fogueira.
Brigitte sorriu timidamente ao ouvir aquelas palavras. Pela primeira vez desde muito tempo ela acreditou que aquilo pudesse realmente acontecer.
O terceiro ano foi o mais complexo de todo o seu tempo de treinamento. Brigitte agora era verdadeiramente rápida. Seus reflexos eram afiados como uma lâmina. Conseguia canalizar sua Alma com uma precisão surpreendente. Seus choques ficaram mais fortes, podia atingir alvos com lançamentos elétricos e resistir a três horas de treinamento intenso sem desmoronar.
Leon desafiava Brigitte cada vez mais. Às vezes surgindo atrás dela em silêncio, testando sua percepção. Outras vezes, forjava emboscadas com galhos e armadilhas simples. Brigitte aprendia a prever movimentos, a usar o ambiente a seu favor, a pensar dois passos à frente.
Leon não demonstrava seu orgulho com palavras, mas sim, em seus pequenos gestos. Desde o jeito que ele assentia com um meio sorriso quando ela improvisava algo novo ou com o brilho nos olhos quando ela usava a Alma de maneira inteligente. Aquilo sempre enchia seu peito de orgulho. Como um botânico fazendo uma bela margarida florescer.
Mas havia algo que Brigitte não percebeu nas últimas semanas. Leon estava ficando mais lento. Não nos treinos — ali ele ainda era imbatível — mas nos pequenos detalhes. Sua respiração demorava mais a se estabilizar depois dos exercícios, sua pele parecia agora mais pálida e às vezes, quando achava que Brigitte não estava olhando, ele apoiava a mão no peito com um leve tremor.
No começo, Brigitte achou que era só cansaço. “Ele é velho”, ela pensava, “Isso é completamente normal.” Mas a frequência dos treinos diminuiu. Primeiro de cinco vezes na semana para quatro. E depois para três. Mesmo assim, Leon nunca reclamava, sempre dizia que era ela quem estava muito forte, que ele precisava de mais tempo para “preparar treinos mais criativos”.
O pensamento de Brigitte durou até o dia em que Leon simplesmente não apareceu. Isso sem nenhum aviso prévio.
O local de treinamento estava vazio naquela manhã. Sem muito o que fazer, Brigitte esperou. Primeiro meia hora. Depois, uma hora. Depois duas. Leon estava demorando muito, até mesmo para seu padrão.
Acabou que Brigitte começou a treinar sozinha. Podia ser um teste de Leon. ver se ela tomava iniciativa sem sua ajuda. Correu entre as árvores e fez exercícios físicos — flexões, polichinelos, abdominais, etc. Mesmo depois de exausta, permaneceu ali, olhando para a entrada da trilha, esperando o som dos passos pesados de seu mestre. Mas o som nunca veio.
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