Capítulo 119 - Arrependimento III
Sem perder tempo, Niko puxou a foice das costas em um único e fluido movimento. O metal saiu do suporte com um som metálico. O brilho dos lampiões ricocheteou na lâmina, lançando um clarão que cegou os olhos dos agressores — tempo suficiente para Niko agir.
— RGHHAAA! — o musculoso urrou, avançando em direção ao albocerno como um touro furioso.
Cerrou os punhos com força, e lançou um soco direto no rosto de Niko, que girou o corpo e desviou por poucos centímetros do golpe, sentindo o vento rápido passando ao lado da face. No mesmo movimento, Niko cravou a foice em um corte leve na perna do agressor. Sangue jorrou da canela do homem enquanto perdia o equilíbrio, cambaleando para trás, engolindo as próprias palavras pela dor.
— AARRGGHH! Seu filho da-! — rosnou, com as mãos na ferida.
O gordo arregalou os olhos ao ver seu colega ferido no chão. A mão sumiu dentro do paletó e de lá tirou um canivete automático, abrindo-o com um estalo característico e correndo em direção ao garoto de chifres.
Antes que pudesse alcançar Niko, Evelyn surgiu pela lateral. Formou uma adaga de gelo azul em sua mão e ela atacou em um corte curto na mão do gordo. A lâmina de gelo bateu com um clang metálico no canivete, fazendo a arma cair no chão e o gordo levar a mão à outra, no ferimento.
— A gente é três, otário. Aprende a contar. — disse Evelyn, com um sorriso raivoso e olhos queimando de ódio.
Brigitte, por sua vez, girou rapidamente a lança com a mão esquerda. O cabo acertou o estômago do musculoso no exato momento em que ele tentava recompor o equilíbrio; o impacto arrancou do homem um gemido, alguns soluços e o curvou para frente.
Niko empurrou o gordo contra a parede com o ombro, em um ímpeto que quase os fez caírem juntos. Em um movimento rápido, ergueu a lâmina da foice, pressionando contra o pescoço do agressor. O garoto deu um olhar feroz e sem misericórdia na direção do gordo, que respondeu engolindo seco e ficando imóvel como um animal pego por um predador.
O musculoso tentou avançar para ajudar o parceiro, mas Evelyn fez um gesto seco e o chão ao redor dos pés dele se cristalizou, ficando preso até as canelas no chão. Olhou para baixo e percebeu a situação, tentou puxar os pés mas sem sucesso e desistiu.
— Nem mais um passo. — falou Evelyn, criando outra adaga e apontando-a diretamente para seu rosto.
Niko apertou a foice com mais força, empurrando o aço contra a garganta do musculoso o suficiente para fazê-lo engasgar. Qualquer movimento que o homem fizesse poderia fazer sua garganta ser cortada. Agora Niko estava verdadeiramente no controle.
Então, houve um silêncio que pareceu sugar todo som da rua — nem mesmo o farfalhar de um papel podia se ouvir. Niko fechou os olhos por um instante, sentindo o peso das escolhas que acabou de fazer e das futuras escolhas que faria. Naquele breve momento de escuridão, se preparou para o destino que iria impor aos outros e a si mesmo. Para a história que iria tornar parte de si.
Firmemente, abriu os olhos com as íris cerradas como se demonstrasse sua raiva ao homem amedrontado à sua frente.
— Onde ele está? — perguntou, a voz firme e certeira, sem traços de hesitação.
— D-do que você tá falando, seu maluco?! — balbuciou o gordo, suando como um porco, mesmo com o frio do ambiente.
— O garoto. O dríade. Onde vocês levaram ele? — Niko repetiu, sem ceder um centímetro.
O gordo se debatia, tentando se soltar, mas a lâmina o mantinha imóvel. Niko sentia o medo no rosto do homem, só o próprio peso da situação já fazia as palavras do agressor tremerem antes de sair da boca. Brigitte andou até os dois e encostou a ponta da lança no estômago do gordo com um movimento tão leve quanto intencional — aumentando ainda mais a pressão.
— Se eu fosse você, respondia logo pra não perder a cabeça… literalmente. — disse Brigitte presunçosamente.
Primeiro hesitaram a resposta, e Niko continuou segurando a lâmina contra o pescoço do gordo, e deixou o silêncio trabalhar contra eles. Manteve os olhos presos no gordo, sem piscadas excessivas, esperando a bolha da intimidação estourar sozinha.
O gordo, por fim, mordeu o lábio e cedeu com uma voz trêmula.
— T-tá bem, tá bem! — gritou, desesperado. — A gente… a gente só entregou ele! Foi outro cara que tinha ele! A gente só cuidou da entrega e depois vendeu pro contato do chefe. Não sei o nome do comprador, eu juro! Só sei que era um cara de fora do país!
— Entregaram ele aonde? — Niko pressionou.
O homem respirou rápido, com olhos saltando para todos os lados em busca de qualquer rota de fuga.
— Ele mandou botar o moleque num trem de carga… pra levar ele numa estação ao norte. Só isso.
Niko soltou a pressão da foice devagar. O gordo caiu no chão, tossindo e o corpo tremendo pela dor e medo. O frio agarrava na pele, mas era o pânico que o fazia tremer de verdade.
— Vocês sabem o nome dele? — perguntou Brigitte.
— Não… a gente não sabe. A gente só recebeu a grana e mandou ele embora. Foi tudo o que a gente fez.
— Qual o trem? Qual o destino? — perguntou Evelyn, com os olhos afiados como lâminas.
— E-eu não sei o destino! — respondeu o gordo. — A gente deixou o moleque no depósito de carga da Linha 06, perto do cruzamento de Gerin. Era um vagão fechado de transporte. Disseram que iam levar ele pra fora do país. Eu juro, a gente só fez a entrega!
Houve um silêncio tenso, pesado o suficiente para parecer que a noite inteira segurava a respiração. As suas respirações, o trote distante de um cavalo, até o distante zumbido de um lampião, tudo contribuía para a sensação de que o tempo não passava. Então Niko puxou a foice com força, fazendo o gordo cair, quase desmaiando no chão, ofegante e tossindo.
O albocerno fitou os dois por mais um momento, sentindo o sangue ainda quente nas veias, mas uma frieza controlada tomou o lugar da fúria. Girou a foice, apontando a lâmina para a rua.
— Agora sumam da minha frente antes que eu mate vocês dois.
As palavras foram suficientes. O musculoso tentou arrancar o gelo dos pés com um esforço desajeitado. Evelyn percebeu isso, com um riso curto e um estalar de dedos, o gelo se transformou em neve, fazendo o musculoso cair no chão, fugindo mancando, e o gordo cambaleou atrás, tossindo e tropeçando nas próprias pernas. Ambos fugiram dali como ratos covardes. Inclusive, era assim que Niko os via, como dois ratos.
O garoto soltou um suspiro longo, as íris voltaram ao normal enquanto ele guardava a foice nas costas, ajeitava o manto e recompunha a postura. A urgência tomou novamente seu lugar e, com uma firmeza casual, disse:
— A gente precisa chegar no depósito de carga da Linha 06 logo. Sabe onde fica, Evelyn?
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