Capítulo 123 - Linha 06 III
Ali havia uma sala repleta de caixas empilhadas, estantes de metal e ferramentas dispersas. O ar cheirava a tinta antiga, papel e pó; os pingos que escorriam no concreto denunciavam goteiras esquecidas. As janelas altas deixavam entrar faixas estreitas de luz que iluminavam de leve o chão.
Os corredores do interior do galpão se estendiam em duas direções: um longo à frente, outro dobrando para a esquerda. As paredes eram escurecidas pelo tempo e pela fuligem. O piso de cimento tinha rachaduras que formavam depressões traiçoeiras; quem não olhasse onde pisava poderia facilmente torcer o pé e cair. A sensação era de abandono funcional — um lugar onde coisas úteis ainda aconteciam fora das vistas, mas que o cuidado ou a manutenção não valiam a pena.
Niko apontou com a lanterna para o corredor da frente, indicando o caminho. Eles decidiram seguir por ali primeiro, deixando a passagem lateral para depois.
O grupo caminhou em silêncio, buscando qualquer coisa que parecesse fora do lugar. Encontraram armários velhos, caixas vazias, ferramentas e arquivos antigos amontoados. A maioria dos documentos era inútil: formulários de inspeção vencidos, listas de manutenção de máquinas e ordens de serviço empoeiradas. Ninguém ali perderia noites de sono com aquela papelada. Cada pasta revirada só devolvia pó e a sensação de tempo perdido.
“Será que os bandidos mentiram? Ou estamos no lugar errado?”, pensar nessa possibilidade enfureceu Niko. Se aquilo fosse uma falsa pista, se não encontrasse nada sobre o dríade, prometeu a si mesmo que não seria tão controlado da próxima vez que cruzasse com aqueles homens — se ainda conseguisse encontrá-los.
Evelyn abriu um armário de metal preso à parede e folheou rapidamente algumas pastas. Havia datas antigas, registros de estoque e mapas de manutenção — nada que apontasse para tráfico ou transporte clandestino. Brigitte, alguns metros adiante, vasculhava uma salinha estreita cheia de gavetas: tudo vazio, só havia poeira, teias de aranha e uma xícara de cerâmica rachada no fundo de uma prateleira. O trabalho deles parecia não render nada.
Niko remexia caixas de papelão em um antigo estoque, onde encontrou nada além de grampeadores enferrujados e pacotes de fichas amarelas. Nenhuma pista. Nenhuma indicação de onde os registros de embarque mais sensíveis estavam guardados.
— Nada aqui. — murmurou Niko, em voz baixa.
— Só papelada inútil. — respondeu Brigitte, em um suspiro.
Mas antes que a frustração tomasse o lugar, Evelyn parou. Ficou imóvel um instante, apoiando os ombros na parede do corredor. Fechou os olhos, imaginando o ambiente e as possibilidades que ele oferecia de esconderijo.
“Se eu fosse uma papelada de tráfico ilegal de pessoas, onde eu me esconderia?”, pensou a elfa. Ela lentamente abriu os olhos, olhando em todas as direções com cuidado. Então, sua atenção ficou presa em algo no final do corredor.
Ela avançou até um pequeno escritório, quase como se fosse atraída pelo mesmo. O cheiro ali era diferente: não era só mofo e tinta velha — havia um sutil odor de papel recém-impresso, um aroma que Evelyn reconhecia e apreciava. Havia poeira por toda parte, mas a poeira parecia disposta em camadas, acumulada de forma quase proposital. Algo não batia.
Evelyn se aproximou da parede esquerda, passando a mão pela superfície. A textura não era a mesma das outras paredes, as outras eram mais rugosas, já essa parecia lisa demais. Parecia… falsa.
Passou o dedo pela moldura e notou uma folga: a linha entre a parede e o chão não encaixava direito, como um painel colocado depois da construção original.
— Niko. Brigitte. Vem cá.
Eles se reuniram logo em seguida.
— O que foi, Eve? — perguntou Brigitte.
Já Niko seguiu os olhos de Evelyn, apontando a lanterna para o lugar suspeito. Olhando para a parede e logo entendeu o que estava errado.
— A parede parece estar torta… — murmurou ele.
— Eu também reparei nisso.
A elfa bateu duas vezes com o punho — o som era mais oco do que o normal. Em seguida, forçou o canto com os dedos, puxando com cuidado a parede frágil; o painel cedeu. Com um rangido abafado, a parede se abriu como uma porta falsa. Atrás dela havia um pequeno compartimento estreito e escuro, com pastas etiquetadas com números e datas.
Brigitte arregalou os olhos de surpresa.
— Bingo…
Evelyn puxou a primeira pasta. Niko apontou a luz em direção do documento, que possuía uma etiqueta que dizia apenas: “C.312.A – despacho prioritário – rota segura confirmada”.
Ao abrir, folhas e mais folhas com registros de remessas de carga incomuns apareceram. Mas o conteúdo era discreto, quase que codificado, em termos deliberadamente neutros como: “material orgânico sensível”, “carga silenciosa”, “sem inspeção alfandegária”, “responsável em campo: removido após transferência”.
— Isso aqui não é carga comum. — murmurou Evelyn, folheando os papéis com os olhos semicerrados. — Com certeza são registros de tráfico de sapiens. Só usaram termos genéricos pra disfarçar.
Niko inclinou-se e leu por cima do ombro dela. As planilhas eram uma sucessão de códigos alfanuméricos acompanhados de datas e abreviações. Cada registro parecia seguir uma mesma estrutura — como “S-14-C3”, “O-22-D5” ou “R-09-B1”. À primeira vista, eram aleatórios, mas entre as linhas haviam observações escritas à mão, como “recuperado em expedição de contenção” ou “não cooperativo — dopado”.
Naquele momento ficou claro que a lista se tratava de pessoas traficadas. Ao perceber isso, o estômago do garoto embrulhou, expressando nojo e tristeza em seu rosto.
Brigitte pegou a pasta que parecia mais reveladora e folheou rapidamente o documento.
— Tem dezenas de casos, parece. Centenas, talvez…
Niko ficou em silêncio, mas seu rosto já dizia tudo. Os olhos estavam caídos e os lábios pressionados pelos dentes. Sentiu verdadeiramente tristeza. Uma tristeza densa, confusa, como se estivesse diante de algo muito maior do que conseguia processar. Ele havia vindo em busca de uma única pessoa, mas agora percebeu que havia centenas delas, reduzidas a números e anotações frias. Vidas que foram arruinadas e destinos que foram engolidos por um sistema que trata pessoas como objetos.
“Isso é doentio”, pensou inutilmente.
Evelyn puxou outra pasta, uma mais recente, guardada no fundo do compartimento. As páginas não estavam amassadas e o papel era menos desgastado, mais branco. Na etiqueta, somente estava um número de série: “C.397.D”.
Ao abrir, ali estava. A descrição era mais curta e com a data mais recente — de um dia atrás. Não havia informações do destino ou quando o trem embarcou, somente as mesmas descrições abstratas. Abaixo da descrição genérica do transporte, estava escrito em letra manuscrita e elegante:
“Autorizado por: Ardan Salier.”
Evelyn ficou imóvel, estreitando os olhos como se tentasse ajustar o foco da memória.
— Ardan Salier… — sussurrou, pensativa. Um estalo surgiu em sua mente em seguida. Eu conheço esse nome. É um dos pseudônimos usados por um dos chefões do submundo do crime da capital. Já tive contratos que cruzaram o nome dele antes. A maioria preferia não se envolver. Dizem que o cara é um fantasma, ele nunca aparece pessoalmente.
A menção fez o ar do escritório parecer mais frio. Aquela investigação finalmente ganhou rosto e alcance. Ardan Salier. Ele ou sua organização era o próximo passo da investigação.
— Pelo menos agora sabemos por onde começar. — disse Brigitte, vendo o lado positivo da situação.
Evelyn somente respondeu sacudindo a cabeça devagar.
— Eu não seria tão otimista. Encontrar o Ardan vai ser uma tarefa difícil. Impossível até. A gente precisa pensar num plano logo…

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