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    — Com essa frase vindo de você fico até com medo. — comentou Evelyn, antecedendo o ótimo plano que iria ouvir.

    — Ei! Isso foi cruel. Meus planos são muito bons, tá bem? — respondeu enquanto puxava uma cadeira, sentando-se à mesa em seguida.

    Evelyn se ajeitou na cadeira, apoiou o queixo sobre a mão e lançou um sorriso presunçoso em direção a garota à sua frente.

    — Eles já funcionaram alguma vez antes?

    Brigitte levantou um dedo e abriu a boca… mas nenhuma palavra sequer saiu de lá. Em seguida fechou a boca, encheu de leve as bochechas de ar e desviou o olhar, tentando buscar em sua mente alguma vez em que algum plano de sua autoria deu certo.

    O primeiro “plano genial” que veio à mente foi quando — ainda criança — libertou as galinhas do armazém da vila achando que seria um ato de justiça. O que conseguiu foi terminar sendo perseguida pelas próprias aves e coberta de penas, com os moradores gritando e tentando recuperar as galinhas que fugiram.

    Depois veio a vez da estrada, quando decidiu ajudar um grupo de viajantes a recuperar mercadorias confiscadas por guardas. Vestiu um casaco emprestado, fingiu ser mensageira de uma família rica, tentando conseguir os bens apreendidos, mas esqueceu o nome falso no meio da encenação. Foi descoberta antes do fim da frase e acabou limpando o pátio da estação como punição.

    Engoliu em seco, chacoalhou a cabeça, e recuou o braço esticado. O orgulho tentou apagar essas imagens, mas eram teimosas demais para morrer. “Tudo bem, esses foram errinhos bobos, nada comparado a Brigitte de hoje!”, pensou, endireitando-se na mesa. Afinal, o último tinha dado certo: o trabalho com a velha das ervas, onde procurou um trabalho rápido fingindo ser uma estudante de medicina. No fim o trabalho não exigia muito conhecimento técnico, Brigitte até conseguiu aprender algo sobre botânica — além de ganhar os oito Yzakels merecidíssimos. 

    Um verdadeiro sucesso. E foi então que o sorriso voltou, pronta para usar o “plano da velha das ervas medicinais” como argumento.

    — Teve uma vez que consegui convencer, só com o meu charme, uma senhora que mexia com ervas medicinais de que era a melhor opção para servir como assistente. Ah, e eu não sabia nada de botânica. — terminou, apontando para Evelyn.

    Evelyn soltou uma risada curta, em seguida cruzou os dedos em cima da mesa.

    — Ok, agora você me convenceu. Realmente é um milagre alguém te contratar por mais de cinco minutos. — piscou um olho, ainda sorrindo.

    Brigitte fez um gesto dramático de ofensa.

    — Ei! Eu fui uma excelente assistente! E outra, eu ainda tô sendo contratada por vocês!

    — Claro. — murmurou Evelyn, sarcástica. — Provavelmente porque estava ocupada demais tentando te impedir de misturar ervas tóxicas com chá.

    — Sério que vai ignorar a última parte do que disse? — retrucou Brigitte, cruzando os braços e empinando o nariz.

    — Totalmente.

    — Você é cruel, Evelyn!

    Niko pigarreou baixo, sem levantar o olhar do caderno. Mesmo com a discussão alta das duas, o monólogo interno dentro de sua mente ainda era mais barulhento.

    — Vocês vão discutir ou planejar alguma coisa útil?

    — A utilidade começa agora, “senhor sério e rabugento”. — respondeu Brigitte, fuzilando o garoto com o olhar.

    Brigitte fechou os olhos, respirou fundo e apoiou as mãos na mesa. Em seguida abriu seus olhos púrpuras, com o olhar brilhando em empolgação.

    — O plano é simples. — declarou Brigitte, como se anunciasse uma estratégia imbatível. — Invadimos qualquer lugar que a Evelyn suspeite que o Ardan possa frequentar: armazém, mansão ou cabaré. A gente entra, procura e sai antes que alguém perceba. Fácil!

    Evelyn inclinou a cabeça, exibindo um sorriso presunçoso com uma expressão confusa.

    — Fácil? — disse, em um tom cortante. — Você tá descrevendo uma comédia de erros. Ardan não frequenta cabarés, e invadir cada mansão ou armazém da cidade vai dar um trabalhoooo~~… 

    No meio da explicação, Evelyn deu um bocejo e se espreguiçou em seguida. Só de pensar no esforço que esse plano teria já dava vontade de voltar para a cama.

    —  Se a gente seguir esse plano é provável de não dar em nada. Quer dizer: pode dar em prisão para nós, e no pior dos casos… É você entendeu. Esse “plano infalível” está fora de cogitação.

    Brigitte arregalou os olhos, ofendida, com a teimosia e o orgulho não deixando-a admitir que seu plano era péssimo.

    — Mas a gente pode usar disfarces! Você, Evelyn, é uma mercenária conhecida então a gente pode aproveitar isso no plano. E o Niko… 

    Brigitte procurou por ideias na mente como quem folheia um catálogo: “um acompanhante, um mensageiro distraído… Qual a melhor opção?”. Foi então que teve a melhor ideia possível.

    — O Niko pode ajudar a gente a invadir os locais, além de ser nosso plano B! Você usa sua Alma para entrarmos nos lugares, fazemos as perguntas sobre Ardan para as pessoas e caso dê tudo errado você usa sua Alma para saímos da enrascada!

    Niko virou os olhos para Brigitte e sorriu sem humor.

    — Se isso acontecer, é bem provável que sejamos caçados por gangsters, aí a investigação acaba.

    — Droga!

    Evelyn apoiou as mãos na mesa e respirou fundo, buscando se manter séria, mesmo que no fundo que no fundo quisesse rir da situação.

    — Brigitte… o plano está fora de cogitação.

    — Mas eu nem terminei! — rebateu a Luminar, erguendo um dedo em protesto.

    — Fora de cogitação. — disse Niko, ficando no lado de Evelyn.

    — Ma-

    — Fo-ra de co-gi-ta-ção. — repetiu a elfa, lenta e com ênfase, como quem fala com uma criança teimosa.

    Brigitte cruzou os braços, fez um beicinho e desviou o olhar, finalmente aceitando que seu plano não era dos melhores — para a situação que estavam.

    — Ok… — murmurou, afundando-se na cadeira.

    Evelyn suspirou — aliviada que teve de repetir somente duas vezes para Brigitte aceitar a decisão do grupo —, endireitou sua postura, juntando os dedos como quem está prestes a ditar um relatório.

    — Certo. Então eu tenho uma alternativa. — disse com calma. — Não é rápida, mas é segura. Eu ainda tenho contatos que podem nos ajudar. Colegas de trabalho, ex-clientes, conhecidos de Ardan… alguns ainda me devem favores. Se eu conseguir falar com esses contatos, talvez encontremos algo sobre o paradeiro do garoto ou as rotas de transporte de Ardan.

    Brigitte levantou o rosto e se ajeitou na cadeira, esperançosa.

    — Ah, e quanto tempo levaria?

    — Quatro, talvez sete dias, no mínimo. — respondeu Evelyn, direta. — Mas esse é o único jeito que não termina com a gente sendo caçada por meia cidade.

    Niko imediatamente desviou o olhar do caderno, fixando-o em Evelyn, de olhos arregalados e íris contraídas. A estimativa do tempo o surpreendeu. Quatro dias já era muito, sete então beirava o impossível. A cada hora perdida, o garoto se afastava mais. Nem o dríade, nem o albocerno, tinham esse luxo chamado tempo.

    — Sete dias é muito tempo. Sem chance da gente seguir esse plano. Pode ser que nem consigamos encontrar o dríade até lá.

    O garoto respirou fundo, deu uma última olhada nas anotações, fechou o caderno e o puxou mais perto de si.

    — Um blefe.

    Evelyn o encarou por um segundo, sem entender de imediato.

    — Um… blefe? — disse, levantando uma sobrancelha.

    — Sim. — Niko endireitou a postura. — Ligar pro depósito de carga de Gerin e fingir que faço parte da rede. Digo que houve um problema na entrega e que preciso confirmar o destino da carga. Se eles acreditarem, com certeza vão dar a informação.

    Brigitte arregalou os olhos.

    — Isso é muito arriscado.

    — Mas é eficaz. — retrucou ele, calmo. — Estamos protegidos pelo anonimato, não dá para nos rastrear e os registros são apagados a cada troca de linha. O único risco é pela central telefônica, caso decidam ouvir nossa ligação por algum motivo, mas é exatamente por isso que vamos falar em códigos, então os riscos são baixos. E mesmo que percebam o blefe, não vão conseguir identificar de onde veio.

    Evelyn entrelaçou os dedos, pensativa por um instante. O raciocínio de Niko era perigoso, mas fazia sentido e era muito eficaz. As chances de funcionar pareciam altas e mesmo se o plano falhasse, ainda assim, não teriam grandes problemas.

    — Realmente, é um bom plano. Vale a pena tentar. — concluiu a elfa.

    Brigitte inclinou-se sobre a mesa e encheu as bochechas de ar, olhando de Evelyn para Niko como se buscasse alguma brecha para protestar, mas acabou soltando um suspiro e erguendo as mãos em rendição.

    — Tá, tá… então o blefe do gênio é o nosso plano.

    Evelyn assentiu lentamente, agora com a expressão menos séria.

    — Exatamente. A gente vai fazer isso direitinho. Nada de improvisos, nem de heroísmos teatrais, entendido?

    — Ai, corta minha diversão… — murmurou Brigitte, cruzando os braços.

    Niko pegou o caderno e o puxou para dentro do manto.

    — A diversão começa quando ele atender.

    Evelyn o encarou por um momento, avaliando o tom determinado em sua voz. Depois, simplesmente acenou com a cabeça e se levantou, recolhendo as xícaras da mesa.

    — Então estamos de acordo. — disse, indo até a pia. — Quando a gente vai fazer isso?

    — Agora mesmo. — disse Niko, simples e direto.

    — O QUÊ?!? — Brigitte se virou imediatamente, quase derrubando as xícaras no caminho.

    As garotas se entreolharam, incrédulas. Brigitte arregalou os olhos e Evelyn virou o rosto devagar, observando-o de canto. Nenhuma das duas disse nada — e nem precisavam. O olhar compartilhado entre elas dizia tudo: “Ele só pode estar maluco”. Ainda nem eram nove da manhã e Niko já estava para agir no plano de enganar uma rede criminosa como se fosse a coisa mais normal do mundo.

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