Capítulo 126 - O Plano II
— Com essa frase vindo de você fico até com medo. — comentou Evelyn, antecedendo o ótimo plano que iria ouvir.
— Ei! Isso foi cruel. Meus planos são muito bons, tá bem? — respondeu enquanto puxava uma cadeira, sentando-se à mesa em seguida.
Evelyn se ajeitou na cadeira, apoiou o queixo sobre a mão e lançou um sorriso presunçoso em direção a garota à sua frente.
— Eles já funcionaram alguma vez antes?
Brigitte levantou um dedo e abriu a boca… mas nenhuma palavra sequer saiu de lá. Em seguida fechou a boca, encheu de leve as bochechas de ar e desviou o olhar, tentando buscar em sua mente alguma vez em que algum plano de sua autoria deu certo.
O primeiro “plano genial” que veio à mente foi quando — ainda criança — libertou as galinhas do armazém da vila achando que seria um ato de justiça. O que conseguiu foi terminar sendo perseguida pelas próprias aves e coberta de penas, com os moradores gritando e tentando recuperar as galinhas que fugiram.
Depois veio a vez da estrada, quando decidiu ajudar um grupo de viajantes a recuperar mercadorias confiscadas por guardas. Vestiu um casaco emprestado, fingiu ser mensageira de uma família rica, tentando conseguir os bens apreendidos, mas esqueceu o nome falso no meio da encenação. Foi descoberta antes do fim da frase e acabou limpando o pátio da estação como punição.
Engoliu em seco, chacoalhou a cabeça, e recuou o braço esticado. O orgulho tentou apagar essas imagens, mas eram teimosas demais para morrer. “Tudo bem, esses foram errinhos bobos, nada comparado a Brigitte de hoje!”, pensou, endireitando-se na mesa. Afinal, o último tinha dado certo: o trabalho com a velha das ervas, onde procurou um trabalho rápido fingindo ser uma estudante de medicina. No fim o trabalho não exigia muito conhecimento técnico, Brigitte até conseguiu aprender algo sobre botânica — além de ganhar os oito Yzakels merecidíssimos.
Um verdadeiro sucesso. E foi então que o sorriso voltou, pronta para usar o “plano da velha das ervas medicinais” como argumento.
— Teve uma vez que consegui convencer, só com o meu charme, uma senhora que mexia com ervas medicinais de que era a melhor opção para servir como assistente. Ah, e eu não sabia nada de botânica. — terminou, apontando para Evelyn.
Evelyn soltou uma risada curta, em seguida cruzou os dedos em cima da mesa.
— Ok, agora você me convenceu. Realmente é um milagre alguém te contratar por mais de cinco minutos. — piscou um olho, ainda sorrindo.
Brigitte fez um gesto dramático de ofensa.
— Ei! Eu fui uma excelente assistente! E outra, eu ainda tô sendo contratada por vocês!
— Claro. — murmurou Evelyn, sarcástica. — Provavelmente porque estava ocupada demais tentando te impedir de misturar ervas tóxicas com chá.
— Sério que vai ignorar a última parte do que disse? — retrucou Brigitte, cruzando os braços e empinando o nariz.
— Totalmente.
— Você é cruel, Evelyn!
Niko pigarreou baixo, sem levantar o olhar do caderno. Mesmo com a discussão alta das duas, o monólogo interno dentro de sua mente ainda era mais barulhento.
— Vocês vão discutir ou planejar alguma coisa útil?
— A utilidade começa agora, “senhor sério e rabugento”. — respondeu Brigitte, fuzilando o garoto com o olhar.
Brigitte fechou os olhos, respirou fundo e apoiou as mãos na mesa. Em seguida abriu seus olhos púrpuras, com o olhar brilhando em empolgação.
— O plano é simples. — declarou Brigitte, como se anunciasse uma estratégia imbatível. — Invadimos qualquer lugar que a Evelyn suspeite que o Ardan possa frequentar: armazém, mansão ou cabaré. A gente entra, procura e sai antes que alguém perceba. Fácil!
Evelyn inclinou a cabeça, exibindo um sorriso presunçoso com uma expressão confusa.
— Fácil? — disse, em um tom cortante. — Você tá descrevendo uma comédia de erros. Ardan não frequenta cabarés, e invadir cada mansão ou armazém da cidade vai dar um trabalhoooo~~…
No meio da explicação, Evelyn deu um bocejo e se espreguiçou em seguida. Só de pensar no esforço que esse plano teria já dava vontade de voltar para a cama.
— Se a gente seguir esse plano é provável de não dar em nada. Quer dizer: pode dar em prisão para nós, e no pior dos casos… É você entendeu. Esse “plano infalível” está fora de cogitação.
Brigitte arregalou os olhos, ofendida, com a teimosia e o orgulho não deixando-a admitir que seu plano era péssimo.
— Mas a gente pode usar disfarces! Você, Evelyn, é uma mercenária conhecida então a gente pode aproveitar isso no plano. E o Niko…
Brigitte procurou por ideias na mente como quem folheia um catálogo: “um acompanhante, um mensageiro distraído… Qual a melhor opção?”. Foi então que teve a melhor ideia possível.
— O Niko pode ajudar a gente a invadir os locais, além de ser nosso plano B! Você usa sua Alma para entrarmos nos lugares, fazemos as perguntas sobre Ardan para as pessoas e caso dê tudo errado você usa sua Alma para saímos da enrascada!
Niko virou os olhos para Brigitte e sorriu sem humor.
— Se isso acontecer, é bem provável que sejamos caçados por gangsters, aí a investigação acaba.
— Droga!
Evelyn apoiou as mãos na mesa e respirou fundo, buscando se manter séria, mesmo que no fundo que no fundo quisesse rir da situação.
— Brigitte… o plano está fora de cogitação.
— Mas eu nem terminei! — rebateu a Luminar, erguendo um dedo em protesto.
— Fora de cogitação. — disse Niko, ficando no lado de Evelyn.
— Ma-
— Fo-ra de co-gi-ta-ção. — repetiu a elfa, lenta e com ênfase, como quem fala com uma criança teimosa.
Brigitte cruzou os braços, fez um beicinho e desviou o olhar, finalmente aceitando que seu plano não era dos melhores — para a situação que estavam.
— Ok… — murmurou, afundando-se na cadeira.
Evelyn suspirou — aliviada que teve de repetir somente duas vezes para Brigitte aceitar a decisão do grupo —, endireitou sua postura, juntando os dedos como quem está prestes a ditar um relatório.
— Certo. Então eu tenho uma alternativa. — disse com calma. — Não é rápida, mas é segura. Eu ainda tenho contatos que podem nos ajudar. Colegas de trabalho, ex-clientes, conhecidos de Ardan… alguns ainda me devem favores. Se eu conseguir falar com esses contatos, talvez encontremos algo sobre o paradeiro do garoto ou as rotas de transporte de Ardan.
Brigitte levantou o rosto e se ajeitou na cadeira, esperançosa.
— Ah, e quanto tempo levaria?
— Quatro, talvez sete dias, no mínimo. — respondeu Evelyn, direta. — Mas esse é o único jeito que não termina com a gente sendo caçada por meia cidade.
Niko imediatamente desviou o olhar do caderno, fixando-o em Evelyn, de olhos arregalados e íris contraídas. A estimativa do tempo o surpreendeu. Quatro dias já era muito, sete então beirava o impossível. A cada hora perdida, o garoto se afastava mais. Nem o dríade, nem o albocerno, tinham esse luxo chamado tempo.
— Sete dias é muito tempo. Sem chance da gente seguir esse plano. Pode ser que nem consigamos encontrar o dríade até lá.
O garoto respirou fundo, deu uma última olhada nas anotações, fechou o caderno e o puxou mais perto de si.
— Um blefe.
Evelyn o encarou por um segundo, sem entender de imediato.
— Um… blefe? — disse, levantando uma sobrancelha.
— Sim. — Niko endireitou a postura. — Ligar pro depósito de carga de Gerin e fingir que faço parte da rede. Digo que houve um problema na entrega e que preciso confirmar o destino da carga. Se eles acreditarem, com certeza vão dar a informação.
Brigitte arregalou os olhos.
— Isso é muito arriscado.
— Mas é eficaz. — retrucou ele, calmo. — Estamos protegidos pelo anonimato, não dá para nos rastrear e os registros são apagados a cada troca de linha. O único risco é pela central telefônica, caso decidam ouvir nossa ligação por algum motivo, mas é exatamente por isso que vamos falar em códigos, então os riscos são baixos. E mesmo que percebam o blefe, não vão conseguir identificar de onde veio.
Evelyn entrelaçou os dedos, pensativa por um instante. O raciocínio de Niko era perigoso, mas fazia sentido e era muito eficaz. As chances de funcionar pareciam altas e mesmo se o plano falhasse, ainda assim, não teriam grandes problemas.
— Realmente, é um bom plano. Vale a pena tentar. — concluiu a elfa.
Brigitte inclinou-se sobre a mesa e encheu as bochechas de ar, olhando de Evelyn para Niko como se buscasse alguma brecha para protestar, mas acabou soltando um suspiro e erguendo as mãos em rendição.
— Tá, tá… então o blefe do gênio é o nosso plano.
Evelyn assentiu lentamente, agora com a expressão menos séria.
— Exatamente. A gente vai fazer isso direitinho. Nada de improvisos, nem de heroísmos teatrais, entendido?
— Ai, corta minha diversão… — murmurou Brigitte, cruzando os braços.
Niko pegou o caderno e o puxou para dentro do manto.
— A diversão começa quando ele atender.
Evelyn o encarou por um momento, avaliando o tom determinado em sua voz. Depois, simplesmente acenou com a cabeça e se levantou, recolhendo as xícaras da mesa.
— Então estamos de acordo. — disse, indo até a pia. — Quando a gente vai fazer isso?
— Agora mesmo. — disse Niko, simples e direto.
— O QUÊ?!? — Brigitte se virou imediatamente, quase derrubando as xícaras no caminho.
As garotas se entreolharam, incrédulas. Brigitte arregalou os olhos e Evelyn virou o rosto devagar, observando-o de canto. Nenhuma das duas disse nada — e nem precisavam. O olhar compartilhado entre elas dizia tudo: “Ele só pode estar maluco”. Ainda nem eram nove da manhã e Niko já estava para agir no plano de enganar uma rede criminosa como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.