Capítulo 127 - Maximilian Fynhardt
A mão enluvada pegou uma moeda de prata brilhante, com o número “cinco” gravado de um lado e, do outro, o brasão de Kyndral — três corvos de asas abertas gritando para todas as direções.
Niko observou por um instante o reflexo distorcido do seu rosto no metal antes de colocá-la no compartimento de inserção. A moeda rolou até desaparecer no mecanismo com um som metálico seguido de um klank.
O garoto então retirou o caderno de anotações do bolso. As páginas estavam cheias de rabiscos e setas:
“…- C.397.D – código do dríade(?)
– Depósito de carga de Gerin
– Envolvidos na operação: Leo…”
Quando leu as palavras na folha, lembrou do quê estava em jogo, não somente a vida do dríade, mas também as dezenas de outras pessoas que foram sequestradas por conta daquele esquema doentio. Inspirou fundo: “Pelos Anjos, que esse plano funcione”, rezou, rápido.
Começou a discar o número escrito na margem da página: (21) 912-873. O disco girava de forma áspera a cada número inserido, seguidos de estalos secos correspondentes ao número — ao discar o número um, um estalo; número dois, dois estalos…
Então, um zumbido constante preencheu a cabine… depois um silêncio longínquo… Então, novamente, o zumbido, repetindo em ciclos hipnóticos e insistentes, como se a própria linha desafiasse a coragem e persistência do albocerno.
O zumbido cessou de repente. Um som de clique mecânico soou. Depois, uma voz grave, porém jovenil, atravessou o fone.
— Depósito de carga de Gerin. Como posso ajudar?
No instante que ouviu a voz, Niko engoliu seco, sentindo um arrepio frio percorrer por todo o corpo. Mesmo assim, não deixou de focar no objetivo. Endireitou a postura e depois disse, como havia planejado:
— Bom dia. Eu gostaria de falar com o Leo. Tive um problema durante a descarga de uma das mercadorias e gostaria de avisar ele.
Uma fala simples. Desse jeito iria conseguir entrar com o envolvido do esquema. Niko não especificou os detalhes de onde ou quando foi que ocorreu o suposto problema e a estratégia seria ignorar essas informações o máximo possível — afinal, não sabia delas e se inventasse algo poderia arruinar o plano.
— Um problema? O Leo não está no momento, mas pode falar comigo sobre o que aconteceu.
Niko já havia considerado esse tipo de resposta, além de várias outras possibilidades. Nesse caso, o plano era simples: se não encontrasse Leo, pediria por outro nome que conhecesse “C.397.D”, qualquer um, apenas para parecer alguém de dentro. Assim manteria o blefe.
Inspirou fundo, medindo cada sílaba antes de falar.
— Então pode chamar outra pessoa, então? — disse, tentando soar impaciente. — Fala que é sobre o produto de código C.397.D.
Do outro lado, o som abafado de passos e um breve estalo seco surgiu no fone. Depois, a mesma voz voltou, mais próxima.
— Não precisa chamar ninguém. Eu já tô aqui. Pode falar comigo.
O albocerno entendeu imediatamente o que aquele homem quis dizer. Ele não era apenas um funcionário de outro turno ou um atendente qualquer — o homem também fazia parte da rede criminosa.
Outro arrepio surgiu na espinha. O plano de resgate agora parecia ainda mais arriscado. Afinal: “Quantas pessoas estão envolvidas nisso?”, pensou ele.
— O que aconteceu com a carga? — perguntou o homem.
Niko prendeu o fôlego por meio segundo, o bastante para ajustar o tom da voz antes de responder. Se hesitasse, soaria suspeito; se fosse direto demais, pareceria mentira. A linha entre os dois extremos era fina, Niko tinha que arriscar e encontrar o meio.
— Quando o vagão chegou na estação, ele tava sem a carga e com a lateral arrombada. — disse, procurando um equilíbrio entre urgência e segurança. — Eu acho que ele conseguiu se libertar de algum jeito e fu-
— Ei, ei! Não fala assim no telefone, tá querendo que peguem a gente? — alertou o homem, com a voz irritada e baixa.
A repressão bateu com força sobre Niko. Tentou buscar parecer dentro do esquema mas não funcionou. Devia ter usado melhor as palavras. Palavras não tão óbvias, assim como o documento que viu.
— Eu… me expressei mal. — improvisou na hora. — Quis dizer que o compartimento estava aberto e sem o lacre.
Do outro lado, o homem suspirou com impaciência, preparando a próxima frase. Seja qual fosse a fala dele, teria de aguentar e responder da melhor maneira possível, improvisando, inventando ou estimando as respostas. Até mesmo fez uma lista das estações em que imaginou que o dríade poderia ter passado.
— Você é novo nesse esquema, não é? — perguntou, finalmente.
Essa pergunta… “Será que é uma armadilha?”, pensou. O corpo enrijeceu de leve enquanto pensava em sua resposta. “Se eu disser sim, ele vai querer saber quem me colocou aqui; se eu disser não, ele pode testar se eu conheço algum código interno.”
Antes que pudesse responder, a voz do outro lado insistiu:
— Qual é o seu nome?
Aquela pergunta o cortou em cheio. Pensou em usar um nome falso — mas um nome falso poderia existir de verdade no sistema, e aí estaria perdido. Pensou em dizer que não tinha nome — mas não faria sentido, além de soar excêntrico demais.
Qualquer resposta direta seria suicídio. Impensável e impossível. Então escolheu a terceira opção, o único caminho seguro: não responder.
— Acho que não é necessário responder a isso, senhor. — disse, e a própria calma da voz o surpreendeu.
A voz do outro lado ficou muda por um instante. O tempo se estendeu, Niko engoliu seco e mordeu o lábio. “Será que ele descobriu?”, pensou.
Então, um riso breve e rouco atravessou o fone.
— Você é esperto, garoto. — disse o homem, com um tom de aprovação que soou mais perigoso do que qualquer ameaça. — Bem-vindo ao time.
Um alívio se expressou em Niko por um sorriso. Estava contente que seu improviso deu certo — pelo menos, aparentemente. O corpo tremia menos e o coração batia mais calmamente.
— Obrigado por avisar. Vou comunicar o problema com um superior agora mesmo e tomar ações sobre isso. — a voz do homem veio mais curta, como se fosse terminar a conversa ali mesmo.
A tensão voltou. Se a conversa acabasse agora tudo isso seria inútil, ainda não descobriu o local onde o dríade foi parar. Perguntar sobre a estação nessa altura seria suspeito de mais, já voltar ao depósito de carga e interrogar o homem seria um absurdo, além de que ele muito provavelmente não saberia a resposta — assim como aconteceu com o musculoso e o gordo de antes. Precisava falar com alguém que com certeza iria saber a informação, alguém “de cima” do esquema.
— E-espere um pouco! — disse Niko, mais alto do que queria.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.