Capítulo 130 - Fotografias II
Niko observava Evelyn calado, com os olhos fixos na parede enquanto ela falava, como se já enxergasse o símbolo completo ali. Por mais absurdo que fosse, poderia ser convincente. Claro que ele não saberia a história da suposta facção, seria até mesmo idiotice contar essa história para a pessoa que estaria com na reunião, mas era interessante esse imaginário criativo de Evelyn — que pensou uma história toda para um simples símbolo.
Evelyn mergulhou o pincel na lata de tinta vermelha, girando-o até a ponta ficar encharcada. Com um movimento firme, começou o primeiro traço. Assim, o som da cerda arranhando o metal ecoou baixo no vagão, e logo o símbolo dos corvos surgiu.
Não eram realmente corvos, mas algo que lembrava a ideia deles. Haviam linhas vermelhas, longas e tortas que se cruzavam, se dividiam, e depois voltavam a se encontrar. Três formas semi-triangulares no total, quase geométricas, se projetando em direções opostas. De longe, pareciam apenas sombras abstratas, mas de perto, a marca lembrava asas abertas e garras.
— Pronto. — murmurou ela, recuando meio passo para analisar o resultado. — Nosso “símbolo da liberdade” está nascendo.
Brigitte, encostada em um caixote, observava o desenho de olhos franzidos, tentando encontrar o comentário certo para a ocasião.
— É… até que parece que é uma coisa séria. Se eu visse isso na rua, ia pensar que era um símbolo de gangue mesmo.
— Esse é o objetivo. — respondeu Evelyn, levantando o polegar e dando um sorriso em direção a Brigitte.
Niko se aproximou, examinando o símbolo iluminado pela luz fraca que entrava pelas frestas. Realmente parecia um símbolo de facção. Era agressivo, inquietante e simples. Demonstrava uma certa força e autenticidade. Mas…
— Vocês acham que é uma boa ideia? — perguntou ele, incerto. — Quer dizer… esse símbolo?
Evelyn e Brigitte se entreolharam por um segundo, e a elfa foi a primeira a responder, sem hesitar:
— É a única ideia. — disse ela, rápido e direto, mas com uma certa confiança na fala. — E é convincente o bastante pra colar. Se alguém olhar pra isso vai pensar que realmente é um símbolo de facção. E se tem algo que criminosos respeitam é o que eles não entendem.
Brigitte, ainda encostada no caixote, sorriu torto e deu um leve tapa no braço enfaixado.
— Ah, e se der errado, pelo menos as fotos vão ficar bonitas.
Evelyn virou o rosto, fez uma expressão fechada e deu-lhe uma leve cotovelada, de modo que a luminar quase deixou escapar a câmera da mão.
— Ai! Quer dizer… vai dar certo sim! Eu confio nisso!
Niko observou as duas, e por um momento, sentiu algo parecido com tranquilidade. A cena parecia absurda — três pessoas fazendo marcas de uma facção inexistente dentro de um vagão vazio. Ele concluiu que as garotas, estando ao seu lado, comprando essa missão maluca, era o verdadeiro absurdo.
Os minutos seguintes foram preenchidos pelo cheiro forte de tinta e o som de pincéis raspando metal. Evelyn guiava a cena com precisão de uma artista rígida: além dos corvos, mandou os dois escreverem frases em letras grandes, rabiscadas e desiguais — “Contra o tráfico de sapiens” ou “A justiça nasce da revolta”.
Brigitte, entre um resmungo e outro, ajudava a escrever as letras mais altas enquanto Niko segurava a câmera, vendo os melhores ângulos, além de conferir a luz e o tempo de exposição.
O som do obturador preenchia o vagão cada vez em que Niko pressionava o disparador. O momento era gravado no filme — ainda em branco —, cada foto era mais uma camada da farsa que estavam criando.
Depois da terceira foto, Niko se abaixou e apoiou a câmera no chão, abrindo a pequena caixa de madeira ao lado do dispositivo. Dentro dela, havia frascos de vidro, pinças e um pequeno recipiente de ferro.
Ele derramou o líquido transparente sobre a pequena bandeja metálica, espalhando-o com cuidado. As fotografias recém-tiradas ficaram mergulhadas ali por alguns segundos e então, começaram a revelar lentamente a imagem — os símbolos, as palavras pintadas e o cenário do vagão.
— Impressionante… — murmurou Brigitte, inclinando-se para olhar mais de perto. — Fotografias são bem mais realistas do que eu imaginava…
Evelyn, de braços cruzados, que até então observava o processo, de repente olhou para Brigitte com curiosidade.
— Nunca viu uma fotografia antes?
— Nunquinha, primeira vez. — disse, ainda de olhos focados na imagem se formando.
O líquido escorreu pelo canto da bandeja, e Niko levantou uma das fotos com a pinça, segurando-a contra a luz cinzenta que passava pelas frestas do vagão. O resultado era exatamente o que precisavam. Parecia verdadeiramente autêntica.
Ele balançou o papel de leve por alguns segundos, deixando escorrer o excesso de produto, e depois o prendeu na lateral de um caixote para secar.
Brigitte se recostou no barril, fingindo estar mais exausta do que realmente estava, dando um suspiro dramático para o mundo.
— Pronto, terminamos? — perguntou, já sonhando em largar o pincel.
— Quase… — disse Evelyn, virando-se para ela com uma calma perigosa.
— Quase… como assim “quase”?
— Agora só falta você apagar tudo. — respondeu Evelyn, apontando com o polegar para as paredes cobertas de tinta vermelha. — Foi por isso que compramos aquele spray.
Brigitte ficou em silêncio por três longos segundos. Depois ergueu a mão enfaixada, mostrando para ela sua maior fraqueza.
— Você tá brincando, né?
— Não. — respondeu Evelyn, direta. — E antes que reclame, lembre-se de que você recebe pra isso.
A garota arregalou os olhos e abriu a boca, completamente indignada. Nunca na sua vida imaginou que Evelyn seria tão cruel. Não bastava a elfa ter forçado ela a carregar TODOS os equipamentos durante quarenta minutos, ainda queria que ela apagasse tudo o que o grupo fez. “Isso não é justo!”, gritou em mente.
— O que?! Eu sou a guarda-costas do grupo, não a faxineira! Todos aqui fizeram parte da bagunça, não é justo só eu limpar tudo aqui! Outra, não viu como tá meu bracinho? Ele tá todo ferido e triste… Não tem pena não?
Evelyn deu um largo sorriso convencido, animada em brincar com Brigitte daquele jeito.
— Quem tem pena é galinha. Outra, isso tá dentro do contrato em “proteger o grupo”, não tá? Pois bem, nos proteja apagando as provas falsas, das autoridades e de outras gangues.
Brigitte apontou o dedo em direção de Evelyn e abriu a boca para retrucar, mas acabou fechando o punho e balançando a cabeça, pegando o frasco de spray e um pano com expressão de derrota e raiva.
— O Niko nem foi me defender… Vocês dois são cruéis… — murmurou, borrifando o produto sobre a tinta e passando o pano na parede.
O cheiro químico — não tão forte quanto o anterior — invadiu o ar. A tinta começou a escorrer, formando poças de vermelho no chão e encharcando o pano em uma cor viva.
Niko observava em silêncio, segurando as fotos recém-reveladas. Evelyn, ao seu lado, parecia satisfeita com o plano que estava indo exatamente como deveria — além de degustar do sentimento de superioridade mandando na luminar. Brigitte, por outro lado, continuava esfregando com uma mão só, bufando a cada movimento, idealizando uma possível vingança.
— Isso devia ser considerado tortura… — disse ela, sem parar. — Eu tô ferida! Nenhuma piedade, sério?
— Nenhuma. — respondeu Evelyn, sem nem olhar. — É pra isso que o grupo te paga.
— Ah, claro, a gente tá tentando resgatar uma pessoa enquanto sou a escrava faxina do grupo…

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