Capítulo 133 - A Reunião II
Então, um som da maçaneta girando surgiu no ar, acabando completamente com qualquer som emitido daqueles homens. A porta dos fundos se abriu devagar, e um homem entrou no salão com uma estranha calmaria, como se tivesse o controle sobre tudo ali.
“Com certeza é o chefe…”
Ele era bem mais alto que Niko, cerca de 1,80. Tinha uma presença suficiente para silenciar uma sala inteira apenas de estar lá. Usava um sobretudo escuro por cima de uma camisa social branca, e o colarinho subia até metade do pescoço. O cabelo era curto e loiro — bem arrumado e bonito por sinal —, seus olhos eram azuis e o rosto era fechado, parecia que ele não dormia há dias.
O homem andou por alguns segundos, o som de seus passos ecoou alto e constante na sala, o olhar de todos acompanhou seus movimentos. Parou e sentou próximo de Niko, estava somente atrás de um capanga com um grande bigode. O superior colocou a mão no bolso, tirou um maço e um isqueiro e acendeu um cigarro ainda nos dedos — entre o indicador e o polegar.
Niko sentiu o corpo inteiro enrijecer quando o homem se sentou. O fato de estar a menos de um metro daquele homem o deixava inquieto, era sufocante e como se qualquer movimento em falso pudesse ser interpretado como um erro fatal.
O chefe observou a fumaça subir de leve por longos segundos antes de dizer qualquer coisa, parecia até mesmo que estava pensando em algo que era impossível de deduzir ou decifrar.
— Então… — começou, com uma voz grave e aparentemente calma. — Você é o rapaz das fotografias?
Niko engoliu seco, mas manteve o olhar confiante. Aos poucos, as íris começaram a dilatar, voltando ao normal.
— Sim, senhor.
— Trouxe o material?
— Está aqui.
Niko tirou a pasta do manto, colocando-a sobre a mesa. O objeto chamou a atenção de todos ali, alguns começaram a cochichar palavras, outros se levantaram para ver melhor o conteúdo. O garoto abriu e retirou cuidadosamente as fotos e as entregou ao homem mais próximo, que, por sua vez, somente deu as cópias ao chefe.
O homem recebeu as imagens com um gesto simples e controlado. As virou uma a uma. O polegar deslizava no papel, com o homem tentando sentir algo a mais na tinta.
Niko aproveitou o momento e retirou de dentro da pasta um segundo conjunto de cópias. Estendeu-as aos homens sentados mais próximos, que aceitaram o material sem dizer nada. Eles analisaram em silêncio e logo passaram adiante para o companheiro ao lado. O ciclo se repetia e as fotografias trocando de mãos em um fluxo lento e constante.
As fotografias mostravam o interior de um vagão de trem: as paredes metálicas riscadas por riscos vermelhos; as frases “Contra o tráfico de sapiens” e “A justiça nasce da revolta” estavam em letras irregulares e fortes, quase violentas. Entre elas, as marcas que Evelyn havia pintado: as linhas que se cruzavam e se separavam em um padrão semi-geométrico que lembrava asas ou garras.
O chefe inclinou a cabeça, estudando cada detalhe com um interesse frio. A luz amarelada das lamparinas refletia no papel, e a fumaça do cigarro ainda não tragado formava uma névoa fina acima das fotos.
— Isso foi tirado quando? — perguntou, sem levantar os olhos.
— Ontem à noite, senhor. — respondeu Niko, tentando manter a voz firme. — Assim que fomos retirar a carga sensível, vimos isso. Tiramos as fotografias na mesma hora e fui enviado para a capital.
O chefe assentiu levemente. Aparentemente a história dita pelo garoto fez sentido. Folheou mais duas imagens e apoiou os cotovelos na mesa. Pela primeira vez, deu uma tragada no cigarro, soltando fumaça e olhando Niko pela lateral.
— E o que você acha que é isso?
Niko hesitou por um instante. Não entendeu se estava falando da operação, das fotografias ou de algo a mais.
Além disso, a pergunta o pegou de surpresa. Esperava que o homem falasse mais, fizesse comentários genéricos e que não fosse tão direto. A forma como o chefe falava — com calma, sem elevar o tom — o deixava ainda mais nervoso do que se tivesse simplesmente gritando.
Niko se viu preso entre a vontade de responder para descobrir mais e o medo de dizer qualquer coisa errada.
— Do que o senhor está falando exatamente, senhor?
— Essas marcas… — disse ele, apontando com o cigarro aceso para uma das fotos. — Alguém escreveu e alguém pintou depois de terem nos furtado. Você deve ter alguma ideia do que significa, de quem deixaria esse tipo de recado.
Ele pensou rápido. Não podia revelar demais — se falasse muito, levantaria suspeitas, e se falasse pouco, pareceria que estava escondendo algo. Precisava encontrar o meio-termo, algo convincente, mas vago o suficiente para não ser verificado depois.
“Preciso parecer estar dando sugestões. Nada de entrar muito na história da ‘facção’”, pensou ele, ajustando o tom de voz em sua cabeça antes de abrir a boca.
— Pode ter sido uma gangue rival. — disse por fim, controlando a voz. — Alguém que sabia da carga e decidiu roubá-la de nós. Essas pichações… podem ser uma forma de provocação.
O chefe tragou devagar, ainda sem desviar o olhar das fotos. Segurou o cigarro no ar por um momento antes de apagá-lo no cinzeiro.
O albocerno o observou em silêncio, incomodado com o gesto. Aquele homem havia dado apenas duas tragadas no cigarro, e já o apagava como se algo o irritasse — ou era isso que Niko pensou. Aquilo o deixou inquieto. “Será que falei demais?”, ele pensou, tentando decifrar a intenção por trás daquele simples movimento.
— Uma opção óbvia. — respondeu com uma risada curta, a voz quase sem expressão. — Acredita mesmo que essa seja a resposta?
Os cochichos baixos voltaram. Dezenas deles, se espalhando como um zumbido agudo sufocante. Alguns homens trocavam olhares, outros murmuravam frases que Niko não conseguia entender. Sentiu outro arrepio na espinha, o maior que teve. “Eu errei? Disse algo estúpido?”, ele se perguntou repetidamente.
Por um instante, ele quase abriu a boca para negar e corrigir o que disse, mas conteve o impulso. Sabia que qualquer movimento em falso chamaria mais atenção. Limitou-se a respirar fundo e a manter o olhar firme. Precisava fazer algo que despistasse aqueles olhares incômodos.
Um pigarreio, de repente, surgiu na mesa.
— Isso não explica as mensagens. — a fala veio de uma voz nova, que Niko nunca ouviu antes; era o capanga de bigode ao lado do chefe. — “A justiça nasce da revolta”? “Contra o tráfico de sapiens”? Que tipo de gangue escreve isso?
Niko respirou fundo, e por dentro, agradeceu pela intervenção. Era a brecha que precisava para consertar a fala anterior. Com o moral alta, decidiu falar um pouco mais da “organização”.
— Pode ser um grupo político. — sugeriu, tentando soar analítico, como se estivesse apenas fazendo suposições.
O chefe abaixou as fotos e levantou uma das sobrancelhas, curioso com aquela sugestão.
— Grupo político?
— Sim, senhor. — respondeu, agora mais tranquilo — As frases indicam uma motivação maior do que simples roubo de mercadorias ou disputa de território. “Contra o tráfico de sapiens” soa como uma causa, não uma ameaça. Talvez estejam tentando atrair atenção, protestar contra o comércio ilegal de sapientes.
O chefe apoiou uma mão no queixo, analisando a opção. Estreitou os olhos por alguns segundos e bufou alto.
— Protestar… quanta nobreza.
As falas curtas do chefe pareciam desafiar a coragem de Niko, nunca sabia o que passava pela mente daquele homem. Mesmo assim, manteve a postura. Estava perto, não iria parar agora.
O chefe então recostou-se na cadeira, apoiando o braço sobre o encosto, olhando as fotografias uma última vez antes de jogá-las sobre a mesa.
— Um grupo político, então. — repetiu o homem, quase para si mesmo. — É, faz sentido…
Niko apenas assentiu, sem ousar completar a frase. Conseguiu convencer o chefe, mas, ainda assim, sentia que algo estava faltando… Foi então que a ficha caiu, percebeu o que faltava.
“É verdade, ainda não descobri nada!”
Ele estava ali há minutos, falando e respondendo, mas sem chegar perto da única coisa que importava — a localização de onde o dríade foi levado.
“Se eu sair daqui sem essa informação, tudo isso vai ter sido inútil. Todo o disfarce, todo o risco…”
Mas perguntar diretamente sobre a informação seria suicídio. Qualquer menção à estação chamaria atenção imediata, e o chefe parecia do tipo que percebia até o modo como alguém respirava.
Tentou disfarçar o nervosismo, apoiando as mãos nos joelhos, mordendo os lábios, mas era inútil; os dedos tremiam e as íris voltaram a ficar contraídas como as de um gato. O som do coração pulsando voltou alto, como um motor a combustão.
“Calma. Espera o momento certo. Eles vão falar sobre a carga, inevitavelmente. Espera. Só espera.”
— Engraçado. — o som surgiu, a voz grave do chefe interrompendo seu raciocínio. — Nunca te vi antes.

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