Capítulo 135 - As Respostas
— Ele sumiu! — a voz de um dos capangas ecoou pelo salão.
Logo depois do aviso, os disparos cessaram. Por um instante, ninguém se mexeu. Todos estavam confusos. E a fumaça dos tiros ainda pairava no ar, trazendo um cheiro de pólvora no local.
“Como é possível que aquele rapaz tenha desaparecido em um piscar de olhos?”, era o que todos pensavam ao mesmo tempo. O som de passos no piso e dos rangidos das armas substituiu o das vozes. Um silêncio se instaurou.
Os elfos ficaram recostados perto das cortinas, trocando olhares. Os homens com orelhas de lobo, farejavam o ar, tentavam captar qualquer cheiro. Os tatuados pareciam incômodos, especialmente o que havia respondido Niko, que estava roendo os dentes. Até os cães, deitados há pouco tempo, agora estavam de pé, rosnando baixo.
O chefe permaneceu sentado. Esperava que Niko caísse no chão, cheio de balas, não que simplesmente desaparecesse. Estava tão confuso quanto seus homens, mas não podia deixar transparecer isso. Precisava comandá-los, parecer como se estivesse no controle mesmo no fim do mundo.
Não falou nada por alguns segundos — apenas observou o vazio à frente, onde uma hora estava aquele intruso —, raciocinando sua próxima fala, digna de sua posição como Chefe das Operações de Wolfranein em Reiken.
— Vocês viram o mesmo que eu, não viram? — perguntou, enfim, com voz baixa.
Um dos tatuados, o mesmo de antes, abaixou a arma em um movimento brusco, se virou para o chefe e abriu os braços, exibindo seus dentes serrilhados para todos ali.
— Ele sumiu. — disse, o maxilar rígido, com o olhar irritado fixo no chefe. — Tava naquele canto e… puff! — estalou os dedos. — Você mesmo viu isso.
O chefe desviou o olhar para ele, sem mover o corpo. Não respondeu de imediato, afinal, o que poderia dizer? O garoto se foi. Ele e toda a organização tinham um novo inimigo, algo totalmente inesperado. Precisava esperar, organizar os pensamentos e decidir como lidar com a nova situação.
Um dos lobis-híbrido — Rassik, o irmão mais velho dos três — se aproximou devagar, com passos cuidadosos. Se aproximou o suficiente para sussurrar próximo ao ouvido do chefe, uma distância confortável e que trazia anonimato para o que iria dizer.
— Ele ainda tá aqui. — informou baixo, em um tom gutural. — Sinto o cheiro dele… Tá perto.
O chefe não respondeu, apenas ergueu o olhar. Finalmente havia uma nova informação, algo para lidar com a situação. Então levou a mão ao queixo e falou com voz firme, fria e controlada:
— Então é a Alma dele. — concluiu, baixo. — E se ele ainda está aqui, pode voltar a qualquer momento.
Fez um leve gesto rápido com dois dedos, um rodopio. Significava que era para os capangas se espalharem pelo salão, procurar por Niko. Todos entenderam.
Se movendo em silêncio, os homens se dispersaram entre as mesas. Os elfos tomaram posição nas laterais, os tatuados se espalharam perto das janelas e os híbridos de lobo, junto dos cachorros, farejavam o ar, procurando por qualquer traço do garoto.
…
Atrás de uma das colunas, Niko estava ofegante. O corpo tremia forte, os olhos estavam estreitos, sentia pontadas fortes no peito, e o som do próprio coração ecoava alto por todo o corpo. Ainda conseguia sentir o ar quente dos disparos passando perto de si — os mesmos que passaram a centímetros de sua cabeça. Os dedos tremiam quando ele encostou a mão na parede, tentando se manter em pé.
“Eles quase me mataram… Um segundo mais lento e eu estaria no chão.”
Respirou fundo algumas vezes… Uma, duas, três vezes. O coração ainda estava disparado, mas a mente começava a se recompor. Precisava se controlar, pensar rápido, se não, estaria de fato morto. Fechou os olhos por um instante, controlando a respiração, até a sensação de desespero diminuir o suficiente para pensar com clareza.
“Certo… calma… eu ainda consigo.”
Com um movimento rápido, puxou o manto para o lado e retirou uma das facas presas ao manto. Assim que puxou a faca, os olhos se encontraram com o símbolo gravado no cabo, o mesmo de sempre. O analisou por um momento, passando o dedo no carvalho da arma.
“Preciso trazê-las aqui… Só assim para conseguir tirar alguma informação daquele cara.”
Então ouviu um som atrás de si — um som mecânico de alavanca. Um arrepio percorreu sua espinha no mesmo segundo. Sabia exatamente do que se tratava.
Virou o rosto rápido, em um movimento instintivo. Ali estava um dos lobis-híbrido, a menos de dois metros de distância, meio curvado, com os olhos dourados encarando profundamente a alma de Niko, enquanto exibia um sorriso torto, amarelado e cheio de dentes. Estava com um rifle em mãos, apontado para baixo.
— …Achei você. — disse, em um tom baixo e agressivo.
O híbrido ergueu o cano do rifle até se alinhar com o peito de Niko. O dedo do homem tocou o gatilho, pronto para disparar e acabar com a vida do garoto.
Niko não pensou — não teve tempo de pensar —, somente agiu. A reação veio antes do raciocínio. A mão direita se moveu sozinha para a foice de suas costas, ao mesmo tempo em que canalizava sua Alma, tentando encontrar aquela marca distante cujo entregou para Evelyn e Brigitte.
O híbrido deu um disparo contra o albocerno. A bala cortou o ar com um chiado metálico e Niko girou a foice em um arco. A lâmina bateu contra o projétil em pleno voo e um estalo forte ecoou no salão. A lateral da foice bateu contra a bala, fazendo-a ricochetear e ir em direção ao teto.
O impacto percorreu seu braço inteiro, fazendo-o ficar dolorido e formigando, mas não foi o suficiente para fazê-lo desistir e aceitar a morte. Finalmente encontrou a marca, e ativou sua Alma de fato.
O híbrido puxou o ferrolho do rifle em um movimento rápido. O estojo da munição voou para o lado, girando no ar e caindo no chão com um tilintar metálico. Ele iria atirar de novo.
Niko ainda se recuperava do impacto. O braço quase não respondia aos seus comandos e a lâmina da foice vibrava fraca em sua mão. O olhar do híbrido à sua frente era fixo, frio e predatório. No instante em que o cano do rifle se alinhou novamente ao seu peito, o garoto soube que não teria tempo para outra aparada.
“É o meu… fim?”
No instante antes do gatilho ser disparado, a visão de Niko ficou em um azul branco e um estrondo alto correu ao seus ouvidos. Uma muralha de gelo havia se erguido do chão, bem na sua frente — da direita para a esquerda —, engolindo o híbrido em uma avalanche translúcida. O híbrido foi lançado para trás, batendo contra uma das mesas e derrubando garrafas e papéis.
Niko ficou imóvel por um instante, sem entender o que tinha acontecido. O ar estava mais frio e aquela muralha surgiu do nada. Logo os pontos começaram a se encaixar. Então, olhou para ao lado da muralha recém criada, ali havia duas figuras aparentemente femininas.
Ambas usavam máscaras escuras que cobriam todo o rosto, deixando à mostra apenas os olhos — uma com um par de azul-claro e a outra púrpura. A de olhos azuis mantinha um dos braços levantado, com uma aura gélida em volta dos dedos, e o outro segurando um rifle, com a coronha pressionada na axila. A segunda se movia de forma inquieta, mesmo usando uma bandagem do braço direito e segurando uma lança com o esquerdo.
Eram Evelyn e Brigitte.
Por um momento, Niko não disse nada. Apenas observou, ofegante, aliviado com a cena à sua frente, afinal, não estava mais sozinho.
Evelyn abaixou o braço lentamente, ao mesmo tempo a parede de gelo começou a ranger. Caminhou até Niko com passos firmes, e sem dizer uma palavra.
Niko deu um pequeno suspiro antes de dizer qualquer coisa.
— Ainda be-
Antes que ele pudesse terminar sua fala, a elfa deu um leve tapa na parte de trás de sua cabeça. O garoto piscou forte e levou as mãos até a parte machucada de sua cuca.
— Seu idiota. Você tem ideia do susto que deu? — disse Evelyn, com a voz abafada pela máscara, mas claramente irritada
Ele passou a mão rápido na parte levemente quente, dissipando a ardência.
— Ei, não foi minha culpa. Não mereço levar um tapa por isso.
Evelyn cruzou os braços, ainda segurando o rifle.
— Claro que merece! Eu pensei que você tinha morrido, Niko! — a garota terminou em um suspiro. — A gente ouviu os tiros do outro lado da rua. Eu não sabia o que tava acontecendo e pensei que…
Ela parou no meio da frase, bufando, tentando recompor o tom. Uma camada de gelo se formou em volta de seus pés, denunciando a ansiedade e o medo.
— Não me dá outro susto de novo, por favor.
Niko baixou um pouco o olhar, sem jeito.
— Eu vou tentar…
— Bom mesmo. — respondeu ela, firme, mas o tom agora carregava algo além da raiva, carregava alívio.
Brigitte se aproximou de Niko, com passos rápidos, interrompendo o silêncio incômodo.
— Você está bem, Niko?
O garoto virou o rosto, encontrando o olhar violeta dela por entre o recorte da máscara. Somente pelos seus olhos, era nítido a preocupação da garota. Ele deu um pequeno aceno.
— Estou. — respondeu baixo. — Mais ou menos, mas estou.
Brigitte assentiu, e o canto dos olhos finalmente se suavizou.— Mercias ols Anlxus…

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