Capítulo 143 - As Respostas
— Agora escuta. — disse Niko, sem retirar a lâmina do pescoço do chefe. — Você vai mandar todo mundo aqui se render. Todos os que ainda estão de pé.
Kael permaneceu imóvel, como se não tivesse entendido. Mas entendeu. Muito bem. Apenas não queria aceitar. Não queria aceitar que foi derrotado assim. Por três pessoas que invadiram sua vida e tiraram seu posto de um imperador invencível.
O vento ao redor do chefe parecia hesitar, tentando se erguer, mas a pistola pressionada contra suas costas fazia o vento pensar em morrer. A sensação de derrota se aprofundou tanto em seu peito que ele teve a impressão de que o ar estava mais pesado nele do que no restante do salão.
— …não me faça repetir — murmurou Niko, a voz baixa, firme, quase fria.
Kael sentiu alguma coisa quebrar por dentro. Não era o orgulho — aquilo já tinha sido estraçalhado segundo atrás. Era algo mais profundo. Uma parte primária que exercia sua relação com o mundo. Uma compreensão de que, agora, ele estava obedecendo ordens. Ordens de um garoto. Ordens de alguém que sequer fazia parte do que ele considerava como o “jogo”.
Ele respirou fundo, com o corpo inteiro tenso, como alguém puxando uma corda até o limite. A luz das lâmpadas estilhaçadas refletia no suor de seu rosto, e por um instante seu olhar se perdeu, caindo no vazio de si mesmo.
Então ele levantou a mão. Nem foi um gesto grandioso. Ele apenas levantou a mão, em um movimento lento, quase depressivo, como se estivesse levantando um peso invisível enorme.
— …baixo as armas. — disse, de voz rouca e vazia. — Todos vocês. Agora.
Os capangas que ainda estavam de pé, feridos e sangrando, se entreolharam, alguns cambaleando de dor, outros com o olhar assustado. A reação foi quase sincronizada, como se todos compartilhassem os mesmos sentimentos: surpresa e choque.
Os dois elfos — que estavam lutando contra Evelyn segundos antes — interromperam os movimentos, com as adagas ainda erguidas. Mas quando viram Kael com a lâmina pressionada no pescoço, os olhos deles se arregalaram. Um deles até engoliu seco, recuando instintivamente. Largaram as armas e ergueram as mãos, lentos e incrédulos.
Atrás dos elfos, três homens comuns que ainda estavam conscientes — exaustos, feridos, mas de pé até então — pararam, encarando o chefe rendido com puro terror.
Mais ao fundo, quatro outros capangas começaram a despertar: o ghoul que engasgou sangue e tentou se erguer rosnando, dois homens que haviam desmaiado durante a luta e agora piscaram confusos antes de empalidecer, e um lobis-híbrido que se soltou do gelo apenas para cair de joelhos de imediato. Cada um deles, ao levantar o rosto, viu a mesma cena — Kael Hinek Ánemo com uma lâmina no pescoço — e a reação foi idêntica: o choque percorreu seus corpos como um golpe frio.
“Como que o chefe foi rendido?!”, pensaram todos eles ao mesmo tempo.
Os conscientes ergueram as mãos quase no mesmo instante; os que despertavam seguiram logo depois, trêmulos, como se o simples ato de respirar pudesse provocar a ira do chefe derrotado. Até o ghoul, apesar do ódio fervendo nos olhos vermelhos, congelou no lugar ao perceber que não havia mais nada a ser defendido.
O ghoul foi o primeiro a quebrar o silêncio. Seu corpo inteiro tremia, mas não de medo, e sim de raiva. Ele ouviu as palavras “baixo” e “armas” enquanto sua consciência voltava, e assim quando viu o chefe, entendeu toda a situação. Se apoiou no joelho bom e mostrou os dentes, ainda cuspindo sangue no chão.
— O senhor… não pode! — rosnou com a voz áspera. — Chefe, nós ainda podemos lutar! Nós-
— Cala a boca. — disse Kael, sem levantar a voz.
O restante da frase morreu. Os outros capangas se encolheram ainda mais. Era a primeira vez que ouviam o chefe falar assim.
— Vamos. Baixem as armas… Acabou.
Os três humanos deixaram cair os pedaços de madeira e barras de ferro que carregavam. Os capangas que acabaram de despertar somente se sentaram, aceitando a derrota. E o ghoul, ainda rosnando, ergueu as mãos por último, aceitando a derrota com dificuldade.
Niko só confirmou o que todos ali já sabiam com um aceno.
— Bom. Agora ninguém tenta ser o herói, ou eu arranco a cabeça dele. — avisou, apertando a lâmina com um pouco mais de força no pescoço de Kael.
Evelyn se aproximou devagar do garoto, estalando as costas como quem finalmente largava um peso invisível.
— Finalmente… — murmurando e gemendo de leve, alongando o ombro dolorido. — Ainda bem que essa luta acabou. Se durasse mais um minuto eu ia virar picolé.
Niko soltou um breve riso nasal, mais aliviado do que queria admitir.
— Eu também. — disse, ajustando a posição da foice no pescoço de Kael. — E você ainda escapou da última morte por centímetros.
— Se eu morrer, pelo menos vocês me carregam. Não vão me deixar jogada no chão igual esses idiotas, né?
Atrás deles, os capangas começaram a se sentar devagar, como se suas pernas tivessem decidido aposentar-se. Os elfos encostaram na parede. O lobis-híbrido desabado no chão, tremia com o frio. Os humanos feridos se acomodaram onde podiam. Ninguém ousava levantar a voz. Ninguém ousava sequer encostar em uma arma, mesmo que pudessem salvar o chefe.
Evelyn foi direto até Brigitte. A garota continuava caída entre os destroços, de máscara torta e com o braço dobrado em um ângulo que doía só de olhar. A elfa ajoelhou ao lado dela, passou a mão pela máscara, tentando saber se a garota conseguia respirar direito… estava respirando normalmente mas respirar com uma máscara era complicado, porém se tirasse ela, os capangas iriam descobrir sua identidade. Então teve uma ideia.
Ela ergueu a mão e deixou a Alma se formar nas pontas dos dedos, criando duas pequenas estalagmites de gelo. Esticou a máscara, e com cuidado, perfurou o tecido na altura das narinas, abrindo espaço para a passagem de ar. O som da respiração de Brigitte ficou menos sufocado, o peito subindo com mais suavemente.
— Ótimo, assim você vai ter ar direito.
Evelyn ajeitou o braço quebrado da garota com o máximo de carinho que conseguia. Depois passou o braço de Brigitte por cima de seu próprio ombro e se levantou devagar. O peso era leve, mas a força de sustentá-la com as costelas doloridas fez Evelyn morder a língua.

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