Índice de Capítulo

    Enquanto Evelyn estava para caminhar em direção a Niko, um som distante cortou o silêncio. Era um sino. Alto e ritmado. Evelyn piscou de leve, surpresa.

    — Hã… isso é…? — murmurou, franzindo a testa. — Não. Não pode ser.

    Ela olhou pela janela e viu o céu noturno, a parte inferior iluminada de laranja graças às lâmpadas a gás da rua.

    — Já são… dezessete horas?

    A elfa então olhou para a rua e o choque veio logo em seguida. Várias carroças policiais — quase uma dezena — estavam bloqueando todos os acessos da rua, e atrás delas vinham grupos de agentes armados até os dentes. Policiais, humanos e híbridos, com rifles longos, e um ser que destoava dos demais: um pyroforgio colossal.

    Lembrou-se da vez em que explicou sobre os Aeonis pela primeira vez à Niko: seres nascidos do acúmulo de Alma específica sobre determinado local — isso inclui dríades, pyroforgios e umis. O pyroforgio em específico, é um tipo de criatura larga, que esconde a pele ardente em uma armadura grossa de metal escuro, como uma fornalha viva. Aquelas armaduras pesadas não eram para decoração, eram o que impedia seu corpo inflamado de queimar tudo ao redor.

    Ocasionalmente, vapor escapava pelas frestas das placas daquele ser. Ele ergueu o rosto, oculto pelo que parecia ser uma máscara de solda com três furos quadriculados verticais. Ele apertou e abriu as mãos enluvadas com couro e aço duas vezes, respirou fundo, e quando expirou o oxigênio, uma chama saiu das aberturas. O vermelho brilhou nos olhos azuis de Evelyn, que deixou uma gota de suor escorrer pelo rosto.

    — Eles mandaram até um Pyroforgio…? — sussurrou, incrédula. — O que acham que tinha aqui dentro, um dragão?

    No instante seguinte que Evelyn terminou a fala, veio um gigante, aliado aos policiais, surgindo de trás de um poste como uma muralha ambulante. Tinha quase dois metros e setenta, os ombros do tamanho de uma porta e estava segurando uma clava que parecia ter sido arrancada de uma árvore inteira.

    A polícia não estava ali para prender meia dúzia de criminosos, estava para esmagar qualquer resistência dali, como se quisessem saborear a operação com gosto.

    Os primeiros homens começaram a andar em direção ao prédio, prontos para invadir. A garota sabia que se eles continuassem ali poderia pegar mal para eles, até mesmo serem presos. Precisava agir.

    Se virou para Niko no segundo em que percebeu isso, correndo em direção ao garoto enquanto levava a luminar no ombro. Evelyn quase tropeçava a cada passo que dava, o corpo ainda estava tremendo graças às rajadas de Kael.

    — Maninho, a gente precisa ir. Agora. — disse ela, apertando o braço dele com a mão livre.

    Ele ergueu as sobrancelhas, confuso, mas ainda imobilizando Kael com firmeza.

    — O que? Por quê? A gente acabou de-

    — Depois eu explico! Anda! Vai! — cortou ela, mais alto do que queria.

    O tom dela fez Niko fechar a boca na hora. Se Evelyn estava desesperada, então realmente eles não tinham tempo a perder. O garoto guardou a arma de fogo e puxou Kael pelo colarinho com a foice rente ao pescoço, o chefe mal reagiu, ainda naquele semblante baixo de humilhação.

    Atrás deles, um dos capangas tentou se levantar, apoiando-se na parede. Ele apontou o dedo para os dois, julgando o que estavam fazendo.

    — E-ei! Onde vocês tão indo? Não podem levar o chefe! Ele-

    — Senta. — disse Niko, apenas uma vez, virando metade da cabeça.

    — Mas on-

    — Eu falei senta. — repetiu, mais grave.

    O capanga não insistiu. Temendo pela vida do chefe, bufou de leve, e apenas voltou a ficar sentado.

    Evelyn passou por ele sem nem olhar, segurando Brigitte, completamente mole e respirando em um ritmo irregular, com mais força nos braços. A elfa correu cambaleando para a porta dos fundos, e Niko veio logo atrás, puxando Kael como um animal abatido.

    Evelyn abriu a porta, empurrando-a rapidamente com a mão livre, revelando o corredor estreito e úmido que levava para o exterior.

    — Vai! — ordenou ela, mantendo a porta aberta com a perna e o antebraço.

    Niko passou primeiro, arrastando Kael para dentro do corredor. A madeira rangia sob os passos apressados deles, com as paredes estreitas intensificando ainda mais o som das botas. Evelyn estava prestes a entrar também quando um estrondo seco ecoou atrás dela — uma porta sendo chutada.

    Um policial apareceu na outra ponta do salão — a mesma pela qual Niko havia entrado mais cedo. O homem estava com um rifle em mãos, de uniforme negro e usando um capacete com uma ponta de lança no meio.

    — Parados! — berrou, mirando diretamente em Evelyn e no corpo mole de Brigitte.

    — Corre! — exclamou a elfa, voltando o olhar para frente.

    Ela carregou Brigitte no ombro com mais força e disparou pelo corredor estreito. Atravessou a porta dos fundos, empurrou-a para trás com força e, no reflexo do pânico, ergueu a mão. A Alma se materializou em gelo, tomando toda a moldura como uma raiz cristalina que engoliu a madeira por completo.

    Sem que percebesse, um tremor correu pelo braço de Evelyn, depois pela coluna. A visão pulsou duas vezes. Como se estivesse perdendo parte da própria consciência. Era a maldição.

    — Droga… agora não…

    Niko percebeu Evelyn mancando, mas não tinha tempo para perguntar. O corredor ficou repentinamente apertado. Atrás deles, os policiais já estavam arrombando a porta com força. Um estrondo ecoou pelo prédio, e o gelo que Evelyn havia criado começou a rachar com violência.

    — Continua! — gritou a elfa, cambaleando para seguir.

    Antes que dessem dez passos, três policiais surgiram no fim do corredor. Dois deles eram humanos e o terceiro era o gigante da força policial, ocupando quase toda a largura do corredor. Ele bateu a clava no chão, e o impacto sacudiu poeira do teto.

    — AQUI! — gritou um dos humanos. — SÃO ELES!

    Em seguida, os policiais dispararam contra eles — dois rifles. Três tiros ricochetearam nas paredes, arrancando farpas de madeira e quebrando uma luminária ao lado de Niko. O garoto puxou Kael com mais força, desviando para trás de uma pilastra, protegendo também a lâmina rente ao pescoço do chefe.

    — Anda, Evelyn! — Niko gritou, com o coração batendo rápido e respirando alto.

    Ela correu, mesmo tonta, com Brigitte pendurada no ombro como um peso morto. A elfa ergueu todas as forças que tinha e chutou a porta lateral, dando acesso direto para o beco da rua.

    No momento em que encostou no lado de fora, Niko lançou uma de suas facas para o topo de um edifício baixo, ao lado das caixas de descarte. A lâmina mal havia completado a parábola quando ele ativou o Portal. O ar dobrou ao redor dos quatro, e em menos de um segundo, ele, Kael, Evelyn e Brigitte desapareceram do chão e surgiram em cima do telhado.

    O beco abaixo ficou silencioso por meio segundo. Depois, os policiais surgiram, de armas erguidas, não encontrando nenhum vestígio deles. Chutaram caixas, vasculharam cada sombra, olharam para cima, para os lados, para trás, nada. Ninguém. Eles haviam sumido.

    — CADÊ ELES?!? — começou um dos humanos, irritado.

    O gigante bufou, usando sua altura para procurar pelos quatro, mesmo assim, não encontrou nada além de tijolos frios e resto de madeiras úmidas.

    — É, acho que a gente perdeu eles…

    No topo do prédio baixo, Niko se encolheu atrás das caixas, segurando Kael com firmeza. Evelyn deitou Brigitte com cuidado no chão de tijolos, respirando com dificuldade e a testa coberta de suor. O coração de todos batia no mesmo ritmo frenético, mesmo que estivessem a salvo.

    — Essa… foi por pouco… por pouco até demais… — murmurou Evelyn, finalmente deixando o corpo afundar no chão por alguns segundos.

    Niko assentiu, encarando os policiais voltando para dentro do prédio, um por um.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota