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    Brigitte franziu o nariz, apoiando a mão boa na coxa e inclinando a cabeça como uma criança tentando resolver uma equação difícil demais para a hora do dia.

    — Tá… mas então qual é o plano? — perguntou devagar. — Porque se a gente só ficar encarando a cara dele, ele não vai falar nada.

    — Pressão psicológica. — respondeu Niko, com a naturalidade de quem recita um manual. — A gente conversa, força ele a encarar o que aconteceu. Ele sabe que perdeu. E sabe que tentar qualquer coisa agora seria suicídio.

    Evelyn soltou uma risadinha curta, cansada, passando a mão pelos próprios cabelos grisalhos bagunçados. Para ela, aquilo parecia tão ingênuo quanto pedir educadamente para um lobo devolver uma ovelha.

    — Ou seja: você quer derrotar o homem no diálogo. — disse, com um tom que misturava sarcasmo e cansaço. — Niko… ele é literalmente obcecado por “estratégia e jogos de tabuleiro nerd”. — disse em um tom zombeteiro. — Não vai colar.

    — Ou vai funcionar justamente por isso. — retrucou Niko, lançando um olhar rápido para Kael.

    Brigitte olhou para um, depois para o outro, confusa, com o queixo apoiado na mão como se estivesse assistindo uma aula que não pediu e não estava entendendo.

    — Eu ainda acho que ameaçar resolve mais rápido. — murmurou. — Ou, sei lá, a Evelyn congela o pé dele.

    — Eu não vou congelar o pé de ninguém. — Evelyn rebateu na hora. — Mas talvez eu congele outra coisa pra ser mais eficaz…

    — Não. — repetiu Niko, respirando fundo e contendo o impulso de bater a testa no próprio joelho. — A gente precisa de informação confiável. E nem tortura e nem congelar… “coisas” gera isso. Vocês duas sabem muito bem disso.

    Enquanto os três discutiam — cada um puxando a própria ideia com convicção absoluta — Kael continuava sentado ali, imobilizado, com a lâmina no pescoço e a expressão vazia. Mas seus olhos acompanhavam tudo. Cada palavra. Cada gesto. Cada ideia absurda que era sugerida. Parecia estar assistindo a uma peça particularmente humilhante cujo protagonista era… ele mesmo.

    Em certo momento, Brigitte sugeriu cortar um pouco do cabelo dele “só pra intimidar”. Evelyn contra-argumentou dizendo que podia congelar só a parte de cima da orelha. Niko rebateu que isso não ajudaria em absolutamente nada no contexto lógico do problema.

    Kael piscou devagar. Muito devagar. Em outro momento da vida, ele teria gritado por dentro com aquele nível de incompetência estratégica… hoje, só parecia aceitar o caos. Era… cansativo demais para se importar. Nem valia a pena, o melhor seria a resolução chegar logo.

    Por fim, Niko perdeu a paciência.

    — Tá. Todo mundo quieto um segundo. — disse, impondo autoridade com a calma irritada de um professor no limite. — A gente precisa de um plano real. Um método consistente de extrair-

    Luminara.

    A única palavra cortou o ar como um estalo. Os três pararam de falar ao mesmo tempo e se viraram lentamente para a origem da voz: Kael. Seu olhar, até então apagado, parecia ter reacendido em 5% — o suficiente para falar.

    O antigo chefe levantou o olhar, devagar, como alguém que decide participar da conversa só porque não suporta mais ouvir os outros falarem besteira.

    — Ele foi mandado para a capital de Luminara, Daurlúcia. — disse, com a voz baixa, carregada de um cansaço mental extremo. — Eu não sei o destino final. Só sei que o transporte dele partiu anteontem de noite. Essa é toda a informação.

    Evelyn ficou estática. Brigitte abriu um sorriso quase infantil. Já Niko manteve a expressão neutra, mas por dentro, sentiu uma grande satisfação e calma passar por todo o corpo, relaxou a pressão da foice alguns milímetros.

    Kael desviou o olhar para o lado, quase envergonhado de admitir tanta coisa de uma vez.

    — Vocês jogaram bem. Merecem continuar no tabuleiro. Eu já perdi.

    Brigitte deu um pulinho ainda sentada enquanto gargalhava de felicidade. Mesmo sabendo do braço quebrado, não podia ter qualquer outra reação.

    Luminara! É minha terra natal! E… é época do Festival da Independência! E ainda na capital! A gente vai pegar o trem pra lá, né?! Vai ser lindo, vai ter comida, música, luzes, fogo de-

    — Brigitte. — interrompeu o albocerno. — O dríade primeiro. O festival vem depois.

    — Tá… mas a gente pode comer alguma coisa lá?

    — Depois a gente vê.

    A luminar se virou para o lado oposto de Niko e fez beicinho, “chateirritada” com aquele estraga-prazeres. Estavam falando de sua terra natal, ter tratado aquilo com tanta indiferença foi, na visão de Brigitte, insensèl (insensível).

    — Chato…

    Evelyn finalmente se levantou. Agora menos zonza, colocou as mãos na cintura, como alguém que quisesse tomar uma decisão imediata.

    — Ok. Agora falta só decidir o que fazer com ele. — disse, olhando para Kael.

    O chefe levantou a cabeça, finalmente permitindo alguma emoção no rosto. Era tristeza e exaustão — mas não uma tristeza explosiva, violenta, era um tipo silencioso, devastador. Quando falou, sua voz saiu quase abafada, como se cada palavra tivesse que atravessar uma muralha de vergonha.

    — Me deixem sozinho.

    Enquanto o homem falava, Niko se levantou. Os três se entreolharam em silêncio, cada um lendo a derrota de Kael com uma mistura estranha de cautela e pena. Brigitte soltou um suspiro baixo, desviando o olhar da figura encolhida do antigo chefe.

    — Essa derrota pegou pesado… acho que ele não vai tentar nada.

    Niko assentiu.

    — Sim, ele não parece uma ameaça no estado em que está.

    Evelyn respirou fundo.

    — Espero que não estejam enganados. Então vamos.

    Brigitte apoiou o braço bom no chão, tentando se levantar com cuidado. O movimento fez ela ranger os dentes, tentando não puxar o ar muito rápido para não sentir o braço congelado formigar. Evelyn segurou instintivamente o cotovelo dela para ajudar, e a garota soltou um risinho nervoso.

    — Antes… um hospital. — ela murmurou, com um sorriso sem graça. — Por favor.

    Niko ajudou a garota a ficar de pé, Evelyn estabilizou o outro lado. Pararam na ponta terraço por alguns segundos, respirando o ar frio da noite enquanto avaliavam a rua silenciosa lá embaixo. Niko então girou a faca entre os dedos e a lançou na rua, e os três sumiram, deixando o antigo chefe para trás.

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