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    Daurlúcia se revelou para o trio aos poucos, como uma cidade que não parecia impressionar à primeira vista, mas que acabava fazendo isso mesmo assim. Principalmente para Niko, cujo, em toda a sua vida — considerando apenas o momento que perdeu as memórias para frente —, havia visto o frio e a neve do inverno kyndralino. Estar vendo finalmente outro lugar, tão diferente de Reiken ou Colvenfurt, era instigante — mesmo que não quisesse demonstrar isso.

    As ruas principais da capital eram largas e íngremes, subindo e descendo em curvas que davam a sensação constante de estar sempre indo para algum lugar mais alto. As construções se erguiam próximas umas das outras, feitas quase inteiramente de tijolos vermelhos finos, bem alinhados, com juntas claras e fachadas altas. Isso dava uma sensação de que as calçadas e até mesmo as partes externas dos prédios e construções eram de patrimônio público, diferente de Kyndral, que o controle parecia ser mais descentralizado.

    — Eu tinha esquecido como isso tudo é… inclinado. — comentou ela, rindo sozinha enquanto subia um trecho mais íngreme da rua enquanto uma carroça passava ao lado.

    Diferente das pedras frias e pesadas de Reiken, ali tudo parecia mais leve, mais exposto ao sol. Varandas estreitas sobre as ruas, algumas com grades de ferro, outras com tecidos coloridos pendurados, balançando ao vento quente.

    Brigitte parecia absorver cada detalhe da cidade com uma alegria quase contagiante. Andava alguns passos à frente, girando o pescoço para todos os lados, como se tivesse medo de perder alguma coisa. Seus olhos violetas refletiam as cores das bandeiras penduradas entre prédios e postes — tecidos vermelhos, dourados e azuis marcando a semana do Festival de Independência.

    Quente…”, pensavam os três de formas diferentes. O calor era impossível de ignorar. Mesmo ainda de manhã, o ar era denso, carregado de umidade e um “cheiro de calor” que Niko nunca havia presenciado antes. O clima da cidade era em uma região mais ao norte do continente, próxima de grandes rios e planícies abertas, onde o inverno existia, mas não dominava tudo como em Kyndral.

    — Tá muito quente aqui. — murmurou Evelyn, puxando um pouco a gola da própria roupa.

    Brigitte fez uma expressão exagerada de concordância.

    — Bem-vindos a Luminara! Calor é marca registrada aqui.

    Não demorou muito para entrarem em uma rua lateral — mais cheia de pessoas do que as outras que passaram —, onde pequenas lojas se alinhavam uma ao lado da outra. Tecidos e roupas leves estavam expostos em manequins simples de madeira, mas, ironicamente, com poses exageradas. Eles viram a mesma loja de roupas e tiveram a mesma ideia:

    Vamos trocar de roupa.

    A loja não chamava atenção à primeira vista. Possuía uma fachada simples e uma porta de madeira clara sempre aberta. Ainda assim o local era bem movimentado, havia gente entrando e saindo a todo o momento, além das conversas e o tilintar de moedas no caixa.

    O interior era mais fresco do que a rua. As prateleiras de madeira ocupavam quase todas as paredes, empilhadas com camisas leves, calças, cintos e coletes. No centro, havia manequins de madeira exibindo roupas tradicionais de Luminara — tecidos simples, mas elegantes, pensados para o calor e para caminhar muito.

    — Finalmente. — murmurou Evelyn, já puxando o próprio casaco branco pelos ombros. — já não aguentava mais aquela roupa de pinguim. 

    Ela foi a primeira a se livrar da roupa pesada. Tirou o casaco com um movimento rápido e o dobrou sem muito cuidado, jogando-o sobre o braço. Escolheu uma camisa branca de tecido fino e gola larga, com mangas até os cotovelos. Ajustou um cinto de couro preto na cintura, mantendo a calça preta de sempre. Antes de sair do provador improvisado, amarrou o casaco branco na cintura, logo abaixo do cinto, deixando-o ali mesmo — já que não havia outro lugar para deixar.

    — Melhor assim. — disse, testando o movimento dos ombros.

    Niko foi direto ao ponto. Pegou uma regata preta simples, foi ao vestiário e trocou a roupa. Vestiu uma bermuda larga, prática, feita para aguentar calor e movimento. Abaixou o manto para ficar firme na cintura, ajustando com cuidado para o tecido não bater no chão. Por cima da camiseta, manteve o colete reforçado, com várias placas sobrepostas — pesado demais para o clima, mas importante demais para tirar.

    Ele ajustou as alças do colete no automático, que fez um clique típico, arrastando o pano vermelho para o lado, saindo do vestuário da loja.

    — Você não sente calor com isso aí? — perguntou Evelyn, observando o colete.

    — Não tanto. — respondeu ele, sem hesitar. — Mas sempre é bom estar protegido.

    Brigitte demorou um pouco mais do que os dois. Circulou pela loja toda com os olhos atentos, passando os dedos pelos tecidos coloridos, avaliando os cortes, franzindo a testa diante de algumas opções e sorrindo para outras. Acabou escolhendo algo que mesclava tradição luminar e praticidade: uma blusa de tecido leve, em tons quentes, com detalhes bordados próximos à gola, típica do país, mas sem mangas largas ou adornos excessivos. Junto, acompanhava uma calça justa o suficiente para não atrapalhar movimentos rápidos, reforçada nos joelhos, continuando com as botas que tinha.

    Quando saiu, girou uma vez sobre o próprio eixo, exibindo o resultado para os colegas.

    — Muito melhor do que aquelas roupas pesadas de Kyndral. — comentou, com o típico sorriso orgulhoso. — E não atrapalha em combate.

    No balcão, o pagamento foi rápido e sem conversa. Brigitte enfiou a mão no bolso, separou algumas moedas e notas de papel, deixando tudo ali de uma vez. Doze Astrals.

    O comerciante bigodudo conferiu com um olhar experiente, recolheu as moedas e notas, e assentiu. Não houve recibo e somente um agradecimento casual.

    — Muito obrigado. Voltem sempre. — disse ele, no automático.

    Minutos depois, os três já estavam de volta à rua, de roupas novas. O calor da capital, enfim, parecia menos opressivo.

    Alguns metros adiante, Brigitte avistou uma barraca improvisada que ocupava metade da calçada, soltando fumaça e um aroma forte de carne temperada. O homem no centro do negócio girava espetinhos sobre uma grelha, o fogo estalava baixo enquanto pessoas aguardavam ao redor, esperando pela a sua vez. A garota parou quase automaticamente.

    — Espetinho! — disse, com o mesmo ânimo de quando vê algo essencial para a vida.

    Ela e Evelyn pegaram um cada. A carne brilhava por conta da gordura quente. Brigitte mordeu sem cerimônia, fechando os olhos por um instante.

    — Continua igual. Muito bom — declarou com a boca cheia.

    Evelyn assentiu enquanto mastigava, mais contida, mas claramente aprovando a refeição. Niko aceitou um também, mais por acompanhar do que por fome. Comeu devagar, depois de Evelyn e Brigitte, analisando a carne, mastigando distraído, observando o movimento da rua, as pessoas conversando alto, rindo, discutindo preços, como se nada mais importasse além daquele momento.

    Após isso, seguiram andando, misturando-se à multidão, até que a rua se abriu de repente. Uma pequena ponte de pedra passava sobre um rio estreito de águas, cortando a cidade como uma pequena veia, com barquinhos passando por baixo, seguindo o fluxo do “sangue” da capital. Os barcos eram guiados por um único remador, alguns deles carregavam caixas, outros apenas pessoas sentadas. O reflexo da cidade tremulava na superfície da água, distorcido pelo movimento da correnteza.

    Brigitte parou no meio da ponte, apoiando as mãos na mureta de pedra e se inclinando para frente, vendo os barquinhos passando como se fossem animais exóticos.

    — Olha isso… — murmurou, com um sorriso largo demais para ser contido.

    Um dos barquinhos passou logo abaixo, o barqueiro levantou o olhar por um segundo em direção à Brigitte antes de seguir adiante. Além disso, músicos tocavam mais à frente, e o som se espalhava para a água e o chão. Era realmente o Festival de Independência.

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