— Evellyn, Evellyn, acorda. Já é horário de escola. — falou uma mulher adulta de orelhas pontudas, de cabelos longos e grisalhos, enquanto balançava uma criança também de cabelos grisalhos e orelhas pontudas, dormindo em uma cama.

    A criança despertou, dando um grande bocejo, se espreguiçando e logo em seguida abrindo os olhos. Os olhos eram azuis-claros, como a água cristalina. Após a criança acordar, a mulher foi em direção à porta, parando na entrada do quarto por um momento.

    — O café está na mesa. Ah, não se esqueça de arrumar a cama. — saindo do quarto logo em seguida.

    A criança deu um suspiro e se levantou da cama, olhando-a por um estante. “Eu arrumo mais tarde”, pensou ela.

    Logo, ela foi em direção a uma escrivaninha, no lado oposto de sua cama, pegou alguns materiais de cima dela, guardando-os em uma mochila ao lado. Entre os materiais na mesa, havia livros, papéis e uma caneta.

    A elfa fez suas necessidades diárias, tomou um rápido banho e trocou de roupa, antes sendo um pijama listrado branco e azul para um terno monocromático com saia xadrez e uma boina negra.

    Evellyn desceu as escadas, passando por um corredor com alguns quadros e portas, passando uma delas, chegou à sala de jantar, se sentando em uma grande mesa, com um prato com uma torrada com ovos mexidos à sua frente. A garota pegou a comida com a mão, dando uma mordida em seguida. Na mesa, também estava a mesma mulher adulta de antes e um homem de orelhas pontudas e cabelos castanhos usando um terno, ambos comendo torradas com ovos mexidos.

    — Bom dia, filha. — falou o homem.

    — Ah, sim. Bom dia, pai e bom dia, mãe. Desculpa por não ter falado isso antes. — disse a garota com a boca cheia.

    — Não tem problema.


    Caminhando por uma rua pouco movimentada estava o homem e a criança, uma rua com casas no estilo enxaimel, árvores com folhas de tons quentes, algumas até mesmo em tons rosas, e poucas carroças passando ao lado.

    A criança e o adulto andavam em direção ao mesmo lugar, porém, com objetivos diferentes. Eles estavam indo até o Colégio Yasen Vlahovic, uma das escolas de ensino médio mais renomadas de Colvenfurt, um lugar que todo estudante sonhava em estar. O pai de Evellyn conseguiu um emprego nessa escola como professor de história há quatro anos, o que fez com que sua filha ganhasse uma bolsa de estudos e pudesse estudar lá de graça.

    — Suas notas caíram bastante. — comentou o adulto.

    Pelo menos, todo estudante que não fosse Evellyn.

    — Não caíram tanto assim.

    — No começo do ano, você estava tirando em média 80 pontos, agora a média é de 65. Se continuar do jeito que está, você vai ficar de recuperação em alguma matéria ou até ser reprovada em um caso mais extremo.

    — Eu estou no último ano da escola. Não vai importar muito se minhas notas caírem.

    — Você que pensa. — respondeu o homem, olhando para os olhos da criança.

    A garota ficou frustrada com aquela situação, ela e seu pai já conversaram sobre esse assunto centenas de vezes, de como era importante tirar boas notas e que ela ficaria de recuperação e repetiria de ano, mesmo isso nunca acontecendo. 

    Evellyn suspirou para o alto, enquanto olhava para o céu. Ela não entendia por que tinha que estudar naquela escola chata, com materiais insuportáveis, que tiravam horas do sono dela para fazer trabalhos e deveres de casa. Não fazia sentido continuar estudando algo que ela não usaria nunca na vida, era perda de tempo.

    — Eu não entendo, eu quero ser artista, pintar quadros e fazer composições de músicas. Para que eu preciso saber sobre matemática, física e química? Isso é tão chato. — respondeu ela, entediada e com os olhos fechados, como se quisesse deitar no chão e não sair mais de lá.

    — Eu sei que pode ser chato, mas isso é importante para você entrar em uma boa faculdade. — a garota voltou a olhar para frente com a mesma postura de antes de começar a conversa. — Você está em uma escola muito respeitada, só isso faz com que você tenha mais oportunidades de ser chamada para alguma faculdade de qualidade e, com a educação da Yasen Vlahovic, você consegue entrar em praticamente qualquer universidade. Eu sei que é chato, mas o esforço compensa. — terminou o homem com um leve sorriso para a criança.

    Enquanto os dois conversavam, a rua começou a ficar mais movimentada. Jovens, usando uniformes semelhantes aos de Evellyn, apareciam de todos os lados, com alguns até mesmo sendo acompanhados por adultos de terno e mulheres com uniformes de serviçal.

    — Queria que desse para pular essa parte da minha vida e ir logo para a faculdade.

    — Confia em mim. Você não iria gostar disso. 

    — Por que não?

    — Porque, segundo um colega de trabalho meu, “O tempo é o ativo mais valioso que existe”.

    — O que isso significa?

    — Significa que o tempo é o recurso mais precioso e limitado que as pessoas possuem. Não importa quanto tempo uma pessoa tenha, quando ele passa ele nunca mais volta, então você tem que fazer um bom uso dele.

    O homem estendeu a mão para frente e estalou os dedos na frente da garota, que piscou os olhos, por conta da ação inesperada de seu pai.

    — Por exemplo, esse estalar de dedos nunca vai voltar, ela já se foi, assim como essa frase que vai terminar agora.

    Evellyn não gostou da resposta de seu pai. Sempre que os dois discutiam e a conversa ficava “muito inteligente”, Evellyn ficava aborrecida e sempre tentava ganhar da discussão, até mesmo usando os piores argumentos que tinha. Ela não aceitava perder a discussão para um “nerd” como seu pai.

    — Mas você pode estalar os dedos de novo e falar a mesma coisa de novo também! — respondeu Evellyn teimosamente.

    — E isso vai fazer o tempo voltar para o momento em que estalei os dedos ou falei aquela frase?

    Aquele era um bom argumento, um tipo de argumento que fazia Evellyn, mesmo que não admitindo, mudar de opinião. Percebendo que ela foi derrotada na discussão, a garota decidiu que mudaria o foco da conversa, assim, ela teria como empatar com seu pai e não perder totalmente a guerra.

    — Uhm, mas eu não entendo o porquê de você estar me falando isso. Eu sou uma elfa, tempo é o que não falta para mim. Eu ainda tenho vários séculos de vida. — respondeu à garota aborrecida.

    — Estou falando em relação aos momentos da vida e não dela em si. Realmente, nós elfos temos muito tempo de vida. Eu estou com 243 anos e sua mãe com 198, temos muito tempo de vida ainda, mas isso não significa que podemos jogar nosso tempo no lixo. Tempo é a coisa mais importante que alguém pode ter, então, por favor, Evellyn, não desperdice seu tempo, você pode se arrepender no futuro de não ter feito bom uso dele.

    Não sabendo como continuar a argumentação, a elfa decidiu ficar quieta e andar sem falar nada durante o resto do caminho. Evellyn não admitiu a derrota, ela ainda queria derrotar seu pai nessa discussão, mas não tinha argumentos agora, então isso ficaria para mais tarde.

    Após virar a esquina, os dois observam seu destino: a escola. Uma grande estrutura de tijolos vermelhos com duas torres principais e uma calçada charmosa com um grande jardim.

    Eles entram na grande estrutura e foram para lugares distintos, a garota para a sala de aula “314” e seu pai para a sala dos professores.


    O quinto sino da escola finalmente tocou, infestando a sala de aula com um sentimento de alívio para os alunos e professores, indicando o fim das aulas obrigatórias de hoje.

    O adulto na frente do cômodo parou de escrever na lousa e uma parte das crianças na sala guardavam seus materiais escolares nas mochilas enquanto a outra continuou lendo e escrevendo anotações, mas somente uma criança se destacou, por não estar dividida em nenhum dos grupos, ela estava completamente “largada” na cadeira, com a cabeça para cima e olhos fechados. Essa era uma criança de cabelos grisalhos e orelhas pontudas.

    — Ahaaar, odeio aula de física, ainda bem que acabou. — comentou Evellyn para o nada.

    — Nossa, mas você também odeia tudo. — respondeu uma garota baixinha com orelhas de coelho, cabelos pretos e olhos vermelhos, enquanto estava guardando os materiais escolares em sua bolsa.

    — Isso não é verdade, eu gosto de geografia, história e artes!

    — E mesmo assim tira setenta pontos nas provas. — disse a garota-coelho enquanto soltava algumas risadinhas.

    — Maaaas em consideração, eu tirei cem pontos em artes ha-ha. — falou a elfa com os braços cruzados, olhos fechados e postura reta, se defendendo em um tom orgulhoso.

    — Então, você vai ficar para as aulas de reforço? — a colega de Evellyn se levantava.

    — Nah.

    — Mas a gente tem prova semana que vem. Você precisa estudar! Eu não quero que você repita de ano ou fique de recuperação nas férias.

    — Ahhh. — reclamou Evellyn enquanto os alunos do primeiro grupo começavam a sair da sala de aula. — Eu aceito estudar desde que seja no nosso esconderijo.

    — Fechado. Isso significa que quanto mais rápido a gente chegar lá, mais cedo a gente estuda, né? Então vamos!

    A garota com orelhas de coelho pegou o pulso de Evellyn, que estava terminando de guardar suas coisas na mochila, com a garota-coelho arrastando para fora da sala enquanto a outra lutava pela sua liberdade.

    — Ei! Espera, Lucy! Vamos fazer uma pausinha pelo menos!

    — Ah, nem vem! Você nem prestou atenção na aula, aquela foi sua “pausinha”, a gente vai estudar sem intervalo nenhum.

    — Nãããããããooooo!

    Chegado ao “esconderijo”, um local abandonado e isolado em uma praça perto da escola, tendo alguns bancos de madeira e uma grande árvore central com folhas bem verdes, Evellyn e Lucy se sentaram em um dos bancos, com Lucy tirando um livro de sua mochila.

    — A primeira prova é de química, então vamos estudar isso hoje. Certo?

    — Não importa a minha resposta, a gente vai estudar isso do mesmo jeito, né?

    — Acertou! Você não tem escolha.

    — Ahhrr. — suspirou, a garota de tédio, logo depois olhando para cima, igual quando estava com seu pai no começo do dia.

    — Você lembra o que é para estudar para a prova?

    Evellyn tinha uma breve noção do conteúdo de estudos de química, ela lembrava de algumas coisas, o suficiente para tirar sessenta pontos, a média aceitável da escola, então respondeu acenando a cabeça em sinal de afirmação.

    — Certo, assim fica mais fácil para nós duas. Vou te fazer uma pergunta difícil, só para começar.

    — Geralmente a gente começa com a mais fácil, mas tudo bem.

    — “Defina ácido, base e sal” sabe responder essa?

    — O ácido é uma substância que, quando dissolvida em água, libera íons de hidrogênio, a base libera íons de hidróxido e o sal… esqueci agora.

    — O sal é um composto iônico…

    Evellyn perdeu totalmente a atenção de Lucy. Ela estava somente olhando para o céu enquanto a garota falava sobre a definição de sal. “Eu queria que isso acabasse logo. Por que eu tenho que fazer coisas tão chatas? Eu queria ter uma escolha”, pensou a Elfa.

    Aquele pensamento foi interrompido por algo que ela avistou, um objeto gigante em formato cilíndrico voando nos céus, relativamente perto de sua posição, voando ao sudoeste, à esquerda da perspectiva das garotas.

    — Olha Lucy, um dirigível. — disse a garota de cabelos grisalhos apontando para cima.

    A garota-coelho deu uma rápida olhada no objeto voador e logo voltou seus olhos para Evellyn. Enquanto isso, Evellyn, ainda olhando para cima, viu outro objeto, bem menor em comparação com a máquina, caindo dela, parecendo que foi ejetada do Zeppelin, algo que Lucy não observou.

    — Não se distraia, Evellyn. A gente precisa Estu-

    Um intenso estrondo surgiu no ar, um forte som e sensação no peito surgiram, além de um zumbido no ouvido de Evellyn e Lucy. O susto foi tão forte que as duas nem conseguiram gritar, somente tamparam os tímpanos com as mãos e fecharam os olhos.

    Após o estrondo passar, seus corações estavam batendo alto e o corpo tremendo, quase nem conseguindo se mexer, completamente paralisadas e com a mente em branco, não sabendo o que fazer ou falar.

    — Evellyn, você está bem?!? — gritou Lucy enquanto balançava o ombro da elfa, que permanecia estática.

    — E-eu est-tou b-bem. — respondeu a garota com a respiração ofegante.

    — O que foi aquilo? Pareceu uma explosão. 

    Entre as árvores da praça, Evellyn avistou uma fumaça negra subindo, bem perto de onde estavam. Parece que a cidade estava sofrendo um ataque de um bombardeio, não havia outra explicação para o que estava acontecendo naquela hora.

    — Veio daquela direção, olha! — apontou Lucy para o sentido em que a fumaça surgiu na visão das duas.

    Entre os pensamentos abstratos que Evellyn teve pelo susto e o choque do som da bomba, um se destacou, o pensamento do pior tipo possível, o pensamento que ela implorou a Deus que não fosse verdade.

    — Parece até que a explosão veio da… Ei, Evellyn, espera! — disse a garota de orelhas de coelho enquanto a elfa se levantou e correu em direção ao local da explosão.

    Enquanto outras pessoas na rua estavam correndo em direção contrária à explosão, a elfa justamente estava fazendo o contrário, ela estava correndo contra a maré. O som de gritos e galopes altos infestou a rua, “um ambiente caótico”, podia-se resumir o cenário atual assim.

    “Por favor, Deus, que isso não tenha acontecido”, e, logo depois que Evellyn concluiu o pensamento, outro estrondo, agora mais distante, foi escutado. Diferente da última vez, Evellyn não ficou imóvel, tremendo e nem tampou os ouvidos, ela não desacelerou o passo, somente piscou forte graças ao susto, mas a adrenalina não a fez parar, ela estava determinada a saber o local da explosão, esperando que não fosse sua escola, pois isso iria significar que seu pai havia sido pego pelo bombardeio. 

    A cada passo que dava, cada vez mais perto ela chegava do local e cada vez mais o cenário ficava vazio. A distância do esconderijo à escola era de vinte minutos de caminhada, então Evellyn não demoraria muito tempo para chegar.

    Evellyn ouviu mais um estrondo, agora bem mais baixo do que o último, quase imperceptível. O cenário vazio passou para um cenário destruído, pedaços de concreto estavam no chão e um pouco de poeira estava no ar. A garota inalou um pouco da fumaça e sujeira no ar, fazendo-a tossir um pouco, cobrindo a boca e o nariz com seu braço em seguida.

    Evellyn desacelerou o passo e finalmente parou, enquanto escutava mais uma explosão à distância. Ela estava ofegante e suando. Era para ela encontrar sua escola à esquerda…

    — Não…

    Mas somente encontrou uma pilha de escombros e restos do que um dia foi o lugar em que estudava…

    — Não, não, não, não, NÃO!

    E que seu pai trabalhava.

    A garota não quis aceitar aquilo, ela tinha que encontrar seu pai, não aceitava que ele havia morrido no bombardeio e principalmente sem nem dizer um último “adeus”. A elfa correu em direção aos escombros, tentando tirar pedaços destruídos da estrutura, que pareciam nem se mover de tão pesados que eram, esperando encontrar seu pai vivo. Mesmo que as chances fossem baixas, ela continuou procurando e procurando por seu pai por minutos.

    Procurava, procurava e não o encontrava. “Ele tem que estar por aqui!”, “Eu não aceito que você foi embora”, “Por favor, eu não quero que você vá”, pensava ela durante a desesperançosa procura. 

    A cada minuto que se passava, a criança de cabelos grisalhos ficava cada vez mais fraca, até que ela desabou completamente, aceitou a realidade, ficou de joelhos e caiu em lágrimas. Seu pai havia morrido.

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