Índice de Capítulo

    Brigitte sorriu — um sorriso diferente do de antes, menos infantil e mais sincero. Era como se ela estivesse admirando aquilo sem exageros.

    — É a marcha do festival. — disse, sem tirar os olhos da cena. — Eles fazem isso todo ano. Todo ano comemorando a vitória. Comemorando o fim da opressão…

    Niko cruzou os braços, observando em silêncio. Parecia que Brigitte estava se preparando para uma palestra — ou, pelo menos, um longo monólogo.

    — Antigamente, Luminara não era um país livre. — ela começou. — Durante muito tempo, tudo isso aqui fazia parte de Arvallia. Eles tomavam os recursos da região, proibiam a língua, apagavam a cultura. Escolas que insistiam em ensinar luminárico eram fechadas, ou pessoas que não aceitavam o apagamento cultural, podiam levar multas caras e até mesmo podiam ser presas… Horrível.

    Evelyn manteve o olhar na marcha, porém ouvindo a história com atenção.

    — Depois de tanto violarem Luminara, o povo se cansou e começou uma revolta. — Brigitte prosseguiu. — Primeiro, teve protestos pacíficos e tentaram uma maior participação no governo Arvalliano, mas não adiantou de nada, tudo foi proibido. E assim, as pessoas perceberam que não adiantava lutar com flores enquanto o inimigo lutava com espadas. Dai veio a guerra civil. Não foi bonita, claro, mas foi necessária… Para o povo. Para a nação…

    No momento, os soldados passaram mais perto do grupo, milhares deles, marchando em linha reta, segurando armas e instrumentos musicais. O som dos tambores era tão alto que parecia ecoar de dentro do peito.

    — E eles venceram. Nós vencemos. Luminara renasceu bem ali. Depois de centenas de anos sofrendo… — concluiu.

    De repente, o canto, antes quase inexistente, se elevou, alto, claro, forte e principalmente imponente, acompanhado pelos inúmeros instrumentos ali presente. As vozes dos soldados preencheram a avenida.

    “Vomp, vomp, sèmper eveomp, vomp Luminaris,

    Lo jorn s’aulça, la vitòria ja nasquís.

    Siéja nuèit, siéja jorn, marcham, sèanquí,

    Siéja pluèja, siéja sec, nosautri non cadím.

    Siéja nuèit, siéja jorn, marcham, sèanquí,

    Siéja pluèja, siéja sec, nosautri non cadím…”

    O canto atravessou a avenida inteira, ecoando entre os prédios, vibrando o coração de todos presentes ali, principalmente Brigitte, que estava com um sorriso no rosto durante todo o momento.

    “…Vomp, vomp, sèmper eveomp, vomp Luminaris,

    Lo cèl s’clara, e resplendís lus alstraris.

    Sènim a lucthar, la fòrça nos abrasa,

    Sang e lutz fan jur, e la via al gravar.

    Lo vent nos crida, la vitòria nos prenen,

    La rota es flama, l’onra non nos tenen…”

    Niko sentiu um impacto forte vindo da música antes mesmo de perceber por quê. Uma surpresa que percebeu somente depois de alguns segundos: ele entendeu cada palavra ali. Não como alguém que decifrava sons desconhecidos, reconhecendo padrões linguísticos, palavras semelhantes e supondo o que cada palavra significava, não. Ele sabia exatamente o que era dito ali, cada palavra, como se a língua fosse… natural para ele.

    A marcha seguiu adiante, avançando pela avenida larga, os passos ecoando alto entre os prédios. As bandeiras balançavam no ar quente, rifles subiam e desciam em sincronia, e o canto continuava firme. As pessoas ao redor acompanhavam com respeito, algumas cantando junto, outras apenas observando em silêncio. Também havia crianças sobre os ombros de adultos, vendo aquela cena com um brilho nos olhos.

    Niko permaneceu parado por mais alguns segundos do que pretendia. Ele já tinha passado por algo parecido no passado. Quando havia lido o diário de Brigitte na casa de hóspedes da fazenda Ostrav, as escritas eram em luminárico. Na época, ele ignorou. Tinha coisas mais urgentes para fazer — a missão na fazenda.

    Inclusive, foi ali, durante a missão, que a Skarshyn penetrou em sua vida, fazendo a proposta que inicialmente recusou, mas que, em seguida, deram uma prazo maior para sua segunda resposta.

    Ele fez a conta sem querer. Tudo aquilo foi feito na noite de cinco dias atrás. Haviam inicialmente dez dias para o prazo. Cinco dias se passaram desde aquilo. Só cinco haviam dias restantes. Cinco dias para a resposta final.

    O som dos tambores pareceu mais distante por um segundo, abafado pelo próprio pensamento. Estar ali, parado, assistindo à marcha, subitamente pareceu um grande desperdício de tempo. Não porque a cena não fosse importante — para Brigitte era, e acompanhá-la era o que amigos deveriam fazer —, mas porque o relógio não se importava com isso. O tempo não respeitava celebrações, nem memórias, nem identidade cultural.

    Brigitte respirou fundo, satisfeita, como quem termina de assistir a algo que esperava ver há muito tempo.

    — Bonito, né? — disse ela, ainda olhando para a avenida.

    Niko desviou o olhar da marcha. Não respondeu de imediato. Seus olhos percorreram os prédios ao redor, as ruas laterais, as vielas estreitas onde a música não chegava.

    Por que eu conheço essa língua?”, se questionou.

    Luminara não era do hemisfério norte — local onde imaginava ser originalmente. E, obviamente, nunca lembrava de ter passado por Luminara antes de perder as memórias. E, ainda assim, cada verso daquela canção tinha sido claro demais. Natural demais. Aquilo não era normal.

    Seria ele um Luminar como Brigitte? Mas onde estaria seu sotaque quando falava kyndralino? Essa era somente uma língua secundária? Essas perguntas, e outras do tipo, invadiram a sua mente.

    — É… — respondeu, por fim, em um tom neutro demais para combinar com a pergunta. — É bonito.

    Mas sua atenção já não estava mais ali. A marcha continuava, os soldados avançando em direção ao oeste, mas ele já estava pensando na próxima etapa. Parar de perder tempo. O garoto deu um passo para trás quase sem perceber. Depois outro. Até que se virou completamente, se afastando da avenida.

    — Niko? — Brigitte chamou, estranhando o movimento.

    Evelyn ficou alguns segundos olhando para trás, ainda observando o final da marcha desaparecer entre as pessoas e as bandeiras. Depois voltou o olhar para Niko, que já caminhava em direção a uma rua menos movimentada.

    — A gente precisa ir. — disse Niko, sem olhar para trás. — Precisamos planejar como encontrar o dríade.

    “Esse garoto é teimoso…”, pensou Evelyn enquanto se afastava da marcha, alcançando o garoto. “Ou talvez só focado demais nos objetivos.

    Ele parou por um instante, como se estivesse organizando mentalmente uma lista invisível.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota