Capítulo 17 - Krieger
O albocerno e a elfa caminhavam por uma rua tranquila. Niko não sabia exatamente para onde estavam indo, mas já havia notado alguns detalhes importantes. Primeiro: estavam a pé, o que significava que o destino não era longe. Segundo: Evelyn só pediu que ele trouxesse dinheiro — nada de arma, mochila, nem jaqueta pesada. Isso só podia significar uma coisa: comércio. Mas comércio de quê exatamente?
A dúvida se respondeu rápido. Evelyn parou em frente a um prédio de tijolos vermelhos e molduras pretas ao redor das vitrines. Acima da porta, uma placa simples exibia o nome em letras retas: “Krieger”. Logo abaixo, em uma fonte menor: “Rükzhen Armæ”.
— Chegamos. — disse ela, como quem anuncia o óbvio.
— Que lugar é esse?
— Uma loja de armas.
— E por que viemos aqui?
— Porque um certo alguém destruiu o meu rifle que eu tinha comprado. — disse ela, virando-se devagar com um sorriso fino e cortante no rosto. Niko sentiu um calafrio escorrer pelas costas.
— Então vam-
— Você! — corrigiu Evelyn, antes mesmo dele terminar a frase.
— T-tá… EU vou comprar a arma…
— Ótima ideia, amigo! — disse ela, com um entusiasmo claramente falso, batendo duas vezes nas costas do garoto.
Os dois entraram na loja. O som abafado das botas pisando sobre o carpete vermelho substituiu o barulho da rua. As paredes de madeira escura estavam cobertas de armamento — espadas, alabardas, martelos, lanças e dois rifles cruzados logo acima do balcão. Havia uma vitrine à esquerda, com mais armas brancas e de fogo, além de duas armaduras completas. A decoração era imponente, quase teatral. Do lado direito, pendia a mesma bandeira que viram nas ruas — preta, amarela e branca com o brasão dos três corvos.
Atrás do balcão estava um homem de barba longa, careca, alto e com uma presença tão sólida quanto a parede onde encostava. Ele limpava uma caixa de madeira com a manga da camisa.
— E aí, Fran! Como vai? — disse Evelyn, acenando de forma despreocupada.
— Vou bem, senhorita. E você?
— Para com isso, rapaz. A gente se conhece há anos.
— Eu sei. Mas gosto de manter a formalidade. — respondeu, ajeitando a barba com orgulho. — E quem é esse baixinho do seu lado?
— Esse aqui é um carinha que achei todo largado numa estrada enquanto fazia um contrato. Daí Resolvi adotar. — respondeu ela, bagunçando agressivamente o cabelo de Niko, que tentava se evitar a qualquer custo. — Enfim. Vim atrás de um rifle novo. O anterior… teve um pequeno probleminha com ele, hehe… O que você tem aí?
— Tenho algo que talvez vá gostar. Recentemente, chegou o estoque de algumas Vihor 15 aqui na loja. Quer ver?
— Mas é claro! — respondeu ela entusiasmada.
O vendedor desapareceu por alguns segundos em uma porta lateral ao balcão e retornou com um rifle imponente nas mãos. Era uma arma de aparência moderna, feita de aço, madeira polida e uma lâmina curta na ponta. Na outra mão, ele carregava uma caixa de madeira com o nome Struhukel AG pintado em vermelho.
— Esse aqui é um rifle Usoniano, calibre .22, fabricado pela Redeemer, a mesma empresa da pistola Holt, conhece?
— Só ouvir falar.
— Enfim, o diferencial desse rifle para os outros é que, além dele atirar mais rápido e com maior precisão, ele tem um sistema de ejeção automática, isso significa que, quando você atira um projétil, os cartuchos usados saem na mesma hora. — falou enquanto pousava o rifle em posições técnicas. — Além disso, eu recebi um novo estoque de munição que usa cordite ao invés de pólvora. Isso faz com que a arma gere menos fumaça e aumente o alcance e precisão do disparo. — disse ele, mostrando uma bala prateada com orgulho.
— Posso ver?
— É claro.
Evelyn pegou a arma e a examinou com calma. Primeiro o lado esquerdo, depois o direito. Checou o equilíbrio com as duas mãos. Testou a empunhadura, os encaixes, a lente da mira. Fez tudo isso sem encostar no gatilho.
— Aperta o gatilho. Aposto que vai gostar. — sugeriu o vendedor.
— Tem certeza?
— Absoluta. Está descarregado.
Com leve hesitação, Evelyn apontou para o canto direito do balcão e puxou o gatilho.
Um som seco ecoou — e uma pequena caixa metálica foi lançada de dentro da arma, girando no ar até ser agarrada por Fran.
— Ele ejeta o carregador vazio quando acaba a munição. Mais rápido pra recarregar. — explicou ele, pegando a arma de Evelyn e colocando a peça de volta com um “clique”.
— Nada mal… — disse Niko, observando a arma com mais interesse. — E aí, Evelyn?
A elfa apoiou a arma em seu ombro mirando para o teto, enquanto estava pensativa sobre a escolha da arma.
— Um pouco mais leve do que estou acostumada, mas eu gostei. Esses mecanismos todos reduzem a força do tiro?
— Pelo contrário. Disparam a bala com mais força e mais rapidez. Na minha opinião, é o melhor rifle que tenho aqui.
Enquanto ela considerava, o vendedor desmontou a arma com facilidade e encaixou as partes dentro de uma maleta preta. Acrescentou mais quatro caixas pequenas — provavelmente de munição.
— Então… quanto é?
— Quarenta Yzakels.
— Quarenta? — repetiu Niko, enquanto se perguntava quanto que esse dinheiro valia.
— Exatamente.
Evelyn tinha cobrado quinze cêntimos por dois devaneios. Isso significava que, com um único Yzakel, dava pra comprar quase sete deles. Então… quarenta Yzakels comprariam quase duzentos e oitenta devaneios de Evelyn.
Niko lançou um olhar rápido para a elfa ao lado, que tamborilava os dedos no balcão, como se estivesse esperando o pagamento.
“Mas será que Evelyn quis lucrou ou não com aquelas vendas?”, perguntou a si mesmo. Se a resposta fosse sim, então um devaneio poderia custar menos de quinze Yzakels. Não era difícil de se imaginar isso vindo daquela elfa mercenária.
O garoto concluiu que um rifle daqueles custava mais de quatrocentos devaneios. E que, tristemente, perdeu a oportunidade de saborear centenas daqueles doces maravilhosos por não ter puxado o gatilho na hora certa.
— Você vai me pagar ou não? — perguntou Fran, ainda paciente.
— Ah, vou pagar sim.
Niko pegou as notas do bolso — duas de vinte — e entregou ao homem, que respondeu com um leve aceno e passou a maleta para Evelyn.
— Obrigado pela compra, senhores. Voltem sempre. — disse ele, sério, mas satisfeito.
— M-muito obrigado também, senhor. — respondeu Niko, com um leve aceno constrangido.
E assim os dois deixaram a loja, voltando para a rua agora mais cheia. Com o céu, tingido em tons de vermelho de laranja, anunciando o fim da tarde.
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