Índice de Capítulo

    — Evelyn, pra onde a gente vai agora?

    — Pra um bar que eu conheço. A gente não comeu direito nos últimos dias, principalmente eu, então vamos comer alguma coisa de verdade. Pode ser?

    Mesmo com o dia tendo sido bem mais tranquilo do que o anterior, Niko ainda se sentia cansado. Provavelmente pelo fato de estar comendo mal há dias — basicamente uma fruta e vários devaneios. Seu corpo estava gritando por uma refeição de verdade. Algo com proteína, gordura, carboidrato… qualquer coisa assim. Então ele comprou a ideia sem pensar muito.

    — Pode ser. Fica longe?

    — Uns seis minutinhos a pé. — disse ela, fazendo o número seis com os dedos.

    Eles começaram a andar. Evelyn ia na frente, Niko a seguia alguns passos atrás. Carruagens e pessoas passavam ao lado dos dois. A rua parecia mais movimentada agora, mesmo sendo afastada do centro e das áreas comerciais. Provavelmente era o horário — umas cinco da tarde, talvez — das pessoas estavam voltando do trabalho. Voltarem para casa. Para suas famílias e descansar.

    Niko ficou entediado em silêncio. Decidiu puxar conversa.

    — Você vai muito nesse bar, Evelyn?

    — Vou sim. Além de comer lá às vezes, o lugar também é ponto de encontro de mercenários, canais e clientes.

    — E é o único da cidade?

    — Não. Mas é o mais famoso de Bazavich, o distrito em que a gente tá.

    Depois disso, caiu um silêncio entre os dois. Mas não um silêncio confortável como nas vezes anteriores. Havia sons ao redor — rodas de carroça, cascos de cavalo, passos e conversas — mas entre eles, tudo parecia suspenso. E pra Niko, aquilo era mais que desconfortável. Era uma sensação constante desde que acordara na floresta. Um incômodo preso no peito, que crescia como algo velho e esquecido.

    — É estranho, sabe… — soltou ele de repente.

    — O quê?

    Ele não sabia exatamente o que ia dizer. Só sentia que precisava soltar algo. Algo preso na sua voz. Aquilo vinha crescendo em sua mente há dias e agora finalmente escapava pela boca.

    — Tudo isso… é estranho. Eu não tenho passado. E o meu futuro parece… vago. Incerto.

    Niko parou de andar sem perceber.

    — Eu fico me perguntando o que aconteceu comigo. Se eu tinha família. Amigos. Alguém que se importava… E se eles estão me procurando agora. Ou se já me esqueceram. Eu não sei… É como se eu não pertencesse a esse mundo. E eu não faço ideia do que fazer. Eu só tô… perdido.

    Ele levantou os olhos. Evelyn estava parada um pouco à frente, ouvindo. O olhar dela tinha suavizado — parecia preocupada, quase triste.

    — M-me desculpa. — disse ele, envergonhado. — Eu só precisava falar isso com alguém e você tava aqui. Esquece do que você ouviu.

    — Não, Niko. Tá tudo bem.

    Evelyn tocou seu ombro com uma das mãos. Ele a olhou nos olhos.

    — Você pode desabafar quando quiser. Eu sei que não deve ser fácil o que você tá passando. Mas… pode contar comigo, viu?

    Ela sorriu. Um sorriso sincero, pequeno. Um sorriso que demonstrou todo o seu afeto que tinha pelo garoto que acabara de conhecer. Ele retribuiu da mesma forma.

    — Só falta atravessar essa rua. Vamos?

    — Claro.

    Do outro lado da rua, à direita, pararam diante de um prédio largo de três andares, com a fachada feita de pedra escura, janelas altas com molduras de ferro preto e um toldo vermelho fazendo sombra em algumas cadeiras. Acima da entrada principal havia uma placa de madeira presa a duas correntes. Nela estava escrito: “Uvenßast”.

    O brasão pintado na madeira mostrava um lobo branco de olhos vermelhos, deitado sobre uma pilha de moedas. A imagem era, ao mesmo tempo, intimidante e convidativa — perfeita para o tipo de cliente que frequentaria aquele lugar.

    Sem hesitar, Evelyn entrou. Niko foi logo atrás.

    Assim que abriram a porta, um sino tocou anunciando sua chegada. A luz era baixa e amarelada, vinda de candelabros de latão no teto e lanternas presas às paredes.

    O cheiro do lugar era um misto de comida quente, fumaça de cigarro e madeira antiga. Ao fundo, um piano tocava uma melodia lenta e nostálgica de certa forma. As conversas estavam em uma altura perfeita, sem fazer com que fosse incomodativo e enchendo o ambiente com vida. E, por último, lá no fundo, atrás do balcão, um homem de bigode longe limpava um copo com um pano branco.

    Evelyn se dirigiu ao lado, onde havia um balcão pequeno e um híbrido de homem e raposa branca. Ela entregou a maleta com o rifle, e ele apenas acenou com a cabeça. Já devia estar acostumado com isso.

    Niko se aproximou devagar.

    — Quer guardar alguma coisa também? — perguntou o meio-homem.

    Niko tirou o manto e estendeu. O rapaz-raposa olhou para o tecido com curiosidade. Ele esperava uma arma e recebeu um pedaço de pano. Sem saber o que responder, apenas pegou e acenou para liberá-lo.

    Eles se sentaram perto da parede. Niko em uma cadeira simples e Evelyn num estofado fixo. Logo, uma garçonete loira apareceu e deixou dois cardápios. Sumiu em seguida.

    — Já sabe o que vai pedir? — perguntou Evelyn, folheando o menu.

    Niko passou os olhos pelas opções. Tinha de tudo. Carnes, massas, ensopados, pratos regionais, doces e salgados. Tudo com descrições detalhadas. Não sabia o que escolher, uma opção parecia mais saborosa que a anterior. Até que ele bateu os olhos em uma comida que chamou sua atenção. Assim, Niko resolveu pedir um… 

    — Que tal um… Krautenporgi?

    Segundo a descrição, era um prato com carne de porco defumada, batatas cozidas, cebolas caramelizadas e pasteizinhos recheados com requeijão, carne e vegetais. Aquilo parecia a escolha perfeita.

    — Boa escolha. Acho que vou pegar o mesmo. E uma sidra pra acompanhar. Vai querer beber algo também?

    — Um suco de uva tá bom.

    Com os cardápios fechados, a garçonete voltou.

    — Já sabem o que vão querer?

    — Dois Krautenporgis, uma sidra e um suco de uva, por favor. — respondeu Evelyn.

    Ela anotou com um sorriso breve e saiu. Minutos depois, os pratos chegaram. Os olhos de Evelyn brilharam ao ver a comida. Deu a primeira garfada sem cerimônia.

    — Que saudade eu tava disso. — disse com a boca cheia.

    Niko, por outro lado, ficou olhando para o prato. A comida parecia ótima, mas algo ainda o prendia e o fazia não ficar tentado a comer.

    — Evelyn…

    — Hm? — murmurou, mastigando.

    — Você… tem um tempo livre essa semana?

    — Aonde você quer chegar? — ela ergueu uma sobrancelha, desconfiada.

    — Eu queria voltar ao lugar onde acordei. Na floresta. Talvez encontre algo sobre meu passado. Alguma pista ou algo assim. Mas não queria ir sozinho… Você toparia me acompanhar? — ao ouvir esse pedido, Evelyn parou de comer para prestar atenção no garoto à sua frente. — Desculpa se parecer um pedido egoísta, mas de verdade, seria tão bom ter uma ajuda nessa aventura…

    Evelyn largou o talher, cruzou os braços e pensou. Depois pegou o copo e deu um gole da sidra.

    — Uma investigação pessoal, então? — disse, agora com um sorrisinho. — Tá. Eu aceito.

    — Sério?

    — Sério. E pode ser amanhã de manhã mesmo. Não tenho nada marcado essa semana.

    Niko sentiu um calor no peito. Um alívio. Alguém estaria com ele. Ele não estaria sozinho nessa busca. Sua aventura seria mais fácil, pelo menos um pouco mais fácil, graças à ajuda de Evelyn.

    Pelo pouco que conhecia da garota, aquilo não seria de graça, mas nesse ponto ele nem se importava, só queria ter alguma ajuda e alguém para passar o tempo.

    — Obrigado… de verdade.

    — Então tá combinado! Amanhã vamos descobrir o seu passado!

    Ela apontou o garfo para ele.

    — Mas pra isso você precisa comer. Não dá pra resolver mistérios de barriga vazia.

    Niko sorriu. E enfim, levou a primeira garfada à boca. O prato já estava morno. Mas mesmo assim… estava delicioso.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (1 votos)

    Nota