“…Minha senhorita, de Steingdorff

    Nos de, pobres de Zemnetch

    Todo o ouro bem aqui!

    Os campos rugem com gosto,

    de sangue e ferro.

    Entre lanças e espadas,

    a batalha se encerrou!

    Avante! Avante! Vamos celebrar!

    A vitória é nossa, vamos comemorar!

    Pampam pampam pampam pampam…”

    Era o que quatro soldados de uniformes negros com detalhes em branco cantavam enquanto marchavam pela estrada de terra. À frente do esquadrão estava uma carroça, com uma garota de cabelos grisalhos sentada atrás. Ela tocava um violão enquanto os soldados cantavam e apreciavam suas músicas. Na frente da carroça estava um homem com um distintivo de cinco setas e uma mulher de cabelos pretos, usando boina escura com uma faixa de braço branca com uma cruz vermelha no centro. O homem estava controlando o cavalo e a mulher lendo um livro, ambos claramente estavam entediados.

    — Nossa, parece que faz uma eternidade que a gente está aqui. Quando a gente vai chegar? — disse um dos soldados, o ruivo Kilian.

    — Quatro horas não são uma eternidade, sem contar que você estava tão animado por essa missão, cadê seu entusiasmo? “Cruzar o país vai ser legal!”, não está sendo legal? — disse Evellyn.

    Essa era a primeira grande missão de que Evellyn participava. A missão consistia em levar suprimentos até um acampamento provisório perto de uma das fronteiras de Franell e Lieuwirk, ao sul, onde lá ficariam até realizarem uma investida ou ficarem na defesa de uma possível invasão.

    — É, eu falei isso, mas eu não sabia que a gente faria isso andando! Minhas pernas estão ficando dormentes. — reclamava o soldado, logo depois dando um grande suspiro — Falando nisso. Por que você não está andando também? Isso não é justo!

    — Eu estou sentada porque esse lugar foi o único que sobrou da carroça e também eu sentei aqui primeiro. “A vida pune quem chega atrasado”. Se o sargento Nowak não vê problema nisso, então não reclama.

     — Mas eu vejo problema sim. — ecoou uma voz distante, vinda de frente da carroça — Volte a marchar, soldado.

    — HA. Toma essa!

    Dada a ordem do sargento, a elfa somente podia aceitar a dor de andar por horas e ficar ao lado de seus companheiros nessa caminhada. 

    — Sim senhor…

    Evellyn se juntou à marcha do esquadrão enquanto Kilian ria e comemorava pela vitória de ver alguém de uma posição confortável passar pelo mesmo sufoco que ele.

    (33/04/4492)

    O tempo passava, por conta do tédio, Evellyn começou a pensar em sua antiga vida, enquanto segurava a flor de Araquel de seu uniforme. Pensava no quanto sua vida havia mudado em tão pouco tempo. Menos de um mês atrás, ela era uma estudante normal e agora virou uma militar. Ela pensava em quantos iguais a ela havia nessa guerra maldita, com batalhas em todos os três continentes e que metade dos países estavam guerreando, será que eram muitos? Ou será que era somente ela, ela foi a única que quis ir ao inferno sem coerção?

    — Você está bem, Evellyn? Parece meio distante. — disse Nikolas, durante aquele pseudo-silêncio de passos, rodas andando e cascos batendo.

    — Ah, eu estou bem sim… Inclusive, eu lembrei de uma música que meu pai compôs, gostariam de ouvir?

    — Até que outra música seria boa agora. — disse Kristoff.

    — Uhum, eu concordo. — falou Paul.

    Todos os recrutas concordaram em ouvir a canção que Evellyn sugeriu tocar. Alguns queriam ouvi-la por tédio, outros por curiosidade, mas todos só continuavam a querer que Evellyn tocasse pelo fato da garota ser muito boa nisso. Ela tocava como uma profissional e cantava como um anjo, aquilo deixava os soldados confortáveis em meio ao caos que o mundo estava passando.

    A garota então pegou o violão que estava na parte de trás da carroça, começando a tocar uma leve, porém longa melodia enquanto andava pela estrada de terra, dançando durante a caminhada, girando com o violão em suas mãos, fazendo seus cabelos curtos balançarem ao vento, se preparando para começar a cantar as letras que lembrava de cabeça graças a todas as dezenas de vezes que seu pai tocava esta canção para ela. Ela puxou o ar de fora para dentro de seus pulmões, pronta para começar a cantar.

    — Eu se-

    Vários estouros surgiram no ar, junto disso a carroça de repente parou.

    — Soldados! Em posição de co-

    A voz que vinha da frente foi cortada pela metade.

    — A gente está sofrendo um ataque!

    Em meio ao pânico e ao caos, os soldados sacaram seus rifles. Evellyn, mesmo que tivesse sido treinada para lidar com aquele tipo de situação, não sabia o que fazer direito. Seu primeiro instinto foi soltar o violão e usar sua Alma, criando uma barreira de gelo grosso em volta da carroça, deixando o esquadrão a salvo.

    — Tá todo mundo bem?! — gritou Otto.

    Evellyn olhou em volta e observou Nikolas colocar o dedo indicador em sua boca na frente de Otto, em sinal para o mesmo ficar em silêncio, afinal, qualquer movimento ou som que fizessem poderia custar suas vidas. Silêncio era o que eles mais precisavam agora, além de paciência, coragem e sorte.

    A barreira de gelo que Evellyn havia criado protegeu o esquadrão por enquanto, mas acabou que depois não havia como ver o inimigo e nem como escapar de lá. O esquadrão havia virado refém de seu protetor. Eles teriam que fazer algo para sair dessa situação, mas “O que fazer?”, essa era a questão principal, que Evellyn e provavelmente todos os outros soldados estavam pensando.

    Enquanto a garota pensava qual seria seu próximo movimento, a mulher que estava na frente do veículo caminhou até seu lado com um rifle, se juntando ao resto do grupo.

    — O sargento Nowak está morto. — falou Clementine para todos.

    Embora os soldados do grupo tivessem pensado naquela possibilidade, todos ainda tinham um pouco de esperança de que o sargento estivesse apenas ferido e os ajudariam a sair daquela situação, mas essa pequena chance havia desaparecido. Todos ficaram em choque. Seu superior morreu, o único homem que tinha alguma noção do que fazer naquele tipo de situação não poderia mais os ajudar. Eles estavam ferrados, completamente ferrados, iriam morrer ou serem presos e torturados. Alguns soldados pensavam em se render, outros, em fugir, enquanto Evellyn pensava como iria matar o máximo de inimigos aqui, ficando com raiva e ansiosa no processo.

    — Além disso, o cavalo também morreu, então a gente não vai conseguir completar a missão.

    — Como se essa fosse a prioridade agora. — sussurrou a elfa irritada.

    Evellyn pensou em vasculhar os suprimentos que estava escoltando, ela e ninguém além de seu superior tinha noção do que havia lá dentro do veículo. Poderia haver lá dentro algumas armas, explosivos ou qualquer coisa que poderia ajudá-los naquela situação, mas a pessoa que deveria fazer isso não poderia ser ela, afinal, se o inimigo resolvesse atacar, ela deveria estar pronta para defender seus companheiros com sua Alma, foi isso que ela foi ensinada durante o treinamento, proteger os aliados com a Alma.

    A garota deu um toque no ombro de Kristoff, o soldado mais próximo a ela, e em seguida, quando ganhou a atenção do jovem, apontou para o veículo. Kristoff entendeu na hora o que deveria fazer, entrando dentro da carroça em seguida, enquanto os outros soldados ficavam de guarda, atentos a qualquer tipo de avanço por parte do inimigo.

    Durante o tempo em que Kristoff estava vasculhando a carroça, puderam ser ouvidas vozes vindas de trás da barreira. Evellyn não reconheceu as palavras que vinham dos inimigos, ninguém do esquadrão falava Dreylandês, então não teriam nenhuma vantagem em saber sobre o que os inimigos estavam falando, talvez uma estratégia ou seu próximo movimento, não importava, era inútil pensar naquilo, agora, eles só deveriam manter a concentração.

    Kristoff finalmente saiu da carroça, voltando para o lado de fora, trazendo consigo uma caixa de tamanho médio. Ela estava aberta, então Evellyn conseguiu ver o que tinha dentro, várias granadas de mãos. Logo depois de colocar o caixote no chão, Kristoff chamou silenciosamente por Paul e os dois voltaram para a carroça, saindo de lá pouco tempo depois com um grande barril, com uma parte escrita “Pólvora! Cuidado!” em vermelho.

    — Eu quêro fazer uma propôsta para vocês, Franellianos.

    Ao colocarem o barril no chão, uma voz alta veio do lado de trás da muralha de gelo. Na voz, o “R” estava arranhado e o acento agudo simplesmente não existia. Aquele com quem falava com o esquadrão era com certeza um lieuwirkiano que mal falava Franésio.

    — Temos dezenas de soldados aqui fôra e, se vocês não aceitarem a propôsta vamos invadir a barreira.

    — Qual é a proposta? — perguntou Nikolas, firme e sem medo aparente na fala.

    — Vocês se rendem, respondem nôssas perguntas e a gente não te mata.

    “Até parece que a gente vai se render!”, quase gritou Evellyn, sendo impedida apenas por Nikolas no momento seguinte.

    — Nos dê dois minutos, por favor!

    Um silêncio constante veio do outro lado, não respondendo à exigência de Nikolas. Todo aquele silêncio deixava os soldados ansiosos, parecia que a qualquer momento aquela parede de gelo iria explodir e a batalha se iniciaria, porém, ao invés de receberem o “não” que os soldados esperavam, o lieuwirkiano respondeu o contrário.

    — Cêrto. Dois minutos.

    O esquadrão se agrupou em um círculo, com um sinal de Nikolas, que naquele ponto havia se tornado um símbolo de confiança e ordem para os outros soldados, sendo um substituto do sargento Nowak, como o mesmo disse que, caso ele não estivesse presente, Nikolas seria quem daria as ordens. O círculo tinha o claro objetivo de decidir qual seria a abordagem do grupo. Se aceitariam ou negariam a oferta do inimigo.

    Naquele momento, o medo que Evellyn estava sentindo desapareceu completamente e a fúria serviu como substituto do medo. O inimigo estava bem na sua frente, os aliados que bombardearam Colvenfurt, que mataram o sargento Nowak, seus colegas e seu pai. Evellyn não queria se render e perder a chance de enviar aqueles malditos para o inferno, ela iria lutar até o final.

    — Até parece que a gente vai se render. Nós somos soldados de Franell, que está em guerra com Lieuwirk. As pessoas que estão atrás daquela barreira são nossos inimigos, a gente precisa atacar. — sussurrou Evellyn com fúria.

    — E se nós morrermos no ataque? Nosso sacrifício será em vão. Eles já mataram o sargento Nowak, um militar muito mais experiente que nós. Nós somos apenas recrutas, não tem como sair dessa. — disse Kilian com os braços tremendo e com o rosto sem esperanças.

    — Eu apoio o plano da Evellyn, nós temos que atacar com tudo. — disse Clementine. — E por que você está com medo? Devia ter vergonha de se considerar um soldado.

    — Para com isso. Mais conflitos não vão resolver nada. — respondeu Nikolas, repreendendo a médica.

    — Mas também tem que levar em conta que a gente não sabe quantas pessoas tem lá fora, isso deixa a gente em desvantagem. — observou Paul.

    — Ah, que droga. A gente tá ferrado.

    O tempo estava acabando, ainda faltava um minuto e quem iria decidir a decisão do grupo seria Nikolas, que estava visivelmente indeciso. O futuro do grupo estava nas suas mãos, se iriam viver ou morrer, se se tornariam presos de guerra ou heróis em seu país, quem decidiria isso era ele.

    — Já tomei minha decisão.

    O tempo havia acabado, os dois minutos passaram e era hora de falarem a decisão para o inimigo. Lutar e potencialmente morrerem ou se renderem e todos ficariam a salvo.

    — Aceitam a propôsta e se renderem?

    — Aceitamos. — disse Nikolas.

    No momento seguinte, a barreira de gelo cai, se transformando em pedaços de flocos de neve e revelando os inimigos, quatorze soldados, sete na frente de Nikolas e sete à sua esquerda, todos mirando a todo o momento para o grupo.

    — Larguem as armâs e fiquem de joelhos com os dedos cruzâdos.

    Assim, todos do grupo colocam os rifles no chão, obedecendo ao inimigo com desgosto e vergonha.

    — Quem é o Gêlis?

    — A garota de cabelo branco.

    No instante seguinte, um soldado segurando uma seringa se aproximou de Evellyn, aplicando a substância que havia lá dentro no pescoço da garota, que reagiu com raiva.

    — AH, para que isso!?

    — Ê um frasco Nullius, pâra garantir que você não vâi usar sua Âlma, porque se usar vai ativar a mâldição.

    “A Alma é uma bênção amaldiçoada”, essa é uma frase bem conhecida nesse mundo e que Evellyn ouviu inúmeras vezes de seus pais e na escola. A Alma possui uma espécie de maldição, quando usada várias vezes em sequência, ela perde sua energia positiva, sobrando apenas a negativa onde se inicia a maldição. Uma maldição de quatro estágios, um estágio pior que o anterior, sendo tonturas, náuseas, desmaios e dores de cabeça no primeiro estágio, e morte certa no último. Caso Evellyn use sua Alma a partir de agora, irá experienciar o primeiro estágio da maldição e, se usar muito, irá morrer.

    — O quê estão trânsportando?

    — Apenas suprimentos. Comida, armas, remédios, essas coisas.

    — Aonde vão levar isso?

    — O mapa do local aonde íamos está na carroça.

    Após a resposta de Nikolas, quatro soldados inimigos foram em direção à carroça.

    — Pôde se levantâr e nos seguir.

    Os soldados então se levantaram, seguindo os inimigos, totalmente humilhados e submi-

    Uma explosão surge atrás do grupo, chamando a atenção dos inimigos, fazendo-os mirar em direção ao local de onde vinham as cinzas e a fumaça. Cinco estacas azuis e brilhantes surgiram do chão, perfurando o peito de alguns soldados, inclusive o que estava falando com Nikolas, acabando com uma das divisões dos inimigos.

    Vørfløkte, wy zaal jylle duden! — gritou um dos inimigos.

    Na sequência, os lieuwirkianos abriram fogo em direção ao esquadrão. Em resposta, Evellyn cortou o ar com uma palma da mão, criando uma barreira horizontal, protegendo seus aliados, que rapidamente foram em direção às armas que haviam soltado, prontos para o combate.

    — Eu não acredito que o plano funcionou! Eu te amo Nikolas! — exclamou Otto.

    O esquadrão havia criado uma armadilha, que quando as cortinas da carroça fossem abertas, a corda das granadas que encontraram seria ativada, explodindo a carroça, chamando a atenção dos soldados, com o esquadrão quatorze podendo contra-atacá-los. Era um plano arriscado, mas o único que funcionaria, pelo menos, deixando-os livres de serem prisioneiros de guerra.

    Entre tiros e gritos, apoiada na barreira de gelo, Evellyn se sentia mais fraca, sua cabeça doía e seu corpo precisava se sentar. “Droga!” pensou ela. Percebendo a situação de sua companheira, Nikolas foi em sua direção, apoiando seu braço em suas costas.

    — Evellyn, você está bem?!

    — N-não.

    — Médico!

    A garota estava com fortes dores de cabeça e no estômago, ela sentia vontades fortes de vomitar e mal conseguia se manter acordada. As únicas coisas que ela conseguia ver eram Nikolas e Clementine, conversando ou discutindo, aquilo não importava tanto para a garota, ela somente queria descansar.

    Aquele lugar a lembrava quando era criança, dos dias de primavera em que ia com sua família ao piquenique e das vezes em que ela dormia e era carregada até em casa pelo seu pai. Às vezes, ela nem dormia de verdade, só não queria ter que andar até em casa. A elfa sentia uma profunda nostalgia com aqueles pensamentos.

    — Que saudade. — disse a garota sorrindo e olhando para o céu, fechando os olhos logo em seguida.

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