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    — Ei, ei, acorda, Niko. — sussurrou Evelyn, sacudindo de leve o ombro do garoto que dormia esticado no sofá, com o braço cobrindo os olhos.

    — Acordei… — murmurou ele, com a voz rouca de sono. Sentou-se lentamente e esfregou a mão no rosto. — Que horas são?

    — Duas da manhã. Se a gente sair agora, dá tempo de chegar no final da tarde no lugar que você quer ir.

    — A gente precisa sair tão cedo assim~~~~? — bocejou, passando a mão pelos cabelos despenteados.

    — É o melhor plano que a gente tem. Se formos agora, conseguimos voltar ainda amanhã à tarde. Dá tempo de ir, investigar e voltar com calma. Vai se preparando, a gente sai em meia hora.

    Mesmo morrendo de sono, Niko apenas assentiu. Ele sabia que Evelyn tinha mais experiência com esse tipo de coisa — viagens, planejamento, direção — e, por isso, confiar nela era o mais sensato. Ainda mais em um mundo que ele mal entendia.

    — Tudo bem…

    Levantou-se e seguiu para o banheiro, onde lavou o rosto com água fria e escovou os dentes com sua escova recém-comprada. O choque da água gelada em sua pele o acordou mais do que qualquer café. Após cuidar da higiene, voltou à sala de jantar, onde Evelyn já o esperava sentada à mesa, com um prato simples à sua frente.

    — Fiz um sanduíche pra você. — disse ela, empurrando o prato de porcelana na direção dele.

    Niko se sentou. Em cima do prato, um pão tostado, folhas de alface, tomate cortado e uma carne que parecia defumada preenchiam o recheio. Pegou a comida com as mãos e mordeu com vontade. Estava melhor do que esperava.

    — Você se lembra mais ou menos de onde foi que acordou? Algum ponto de referência?

    Niko engoliu antes de responder.

    — Eu lembro de ter andado umas cinco horas antes de encontrar você. No começo da caminhada, passei por um penhasco. Tinha uma ponte de madeira quebrada lá. Conhece algum lugar assim?

    — Uma ponte de madeira quebrada… — Evelyn repetiu, pensativa. Se recostou na cadeira e olhou para cima, esfregando entre os dedos atrás do encosto. — Isso não me parece familiar… — ela então ajeitou a postura e olhou diretamente para Niko. — Esse penhasco tinha um rio?

    — Tinha sim. Um pouco largo. Por quê?

    Evelyn se levantou e foi até a estante. Puxou um livro grosso de capa dura, com marcas de uso na lombada. Voltou até a mesa e sentou ao lado de Niko, abrindo nas primeiras páginas.

    — Aqui… — disse ela, virando o livro em direção a ele.

    Na página estava desenhado um mapa, com “Mapa físico de Kyndral” escrito no canto superior esquerdo. Ela apontou para uma linha azul ondulante no sul da página.

    — Isso aqui é o Rio Mirava. Ele fica relativamente perto de onde a gente tava. E corta dois penhascos nessa região. — ela passou o dedo por uma área sombreada em verde escuro. — Aqui é onde a gente tava, e essa parte aqui parece com o que você descreveu. Não fala nada sobre uma ponte, mas… pode ter sido construída localmente, sem registro oficial. Então, acha que é ali perto?

    Superficialmente, aquele parecia mesmo ser o rio que ele tinha visto algumas horas antes. O mapa físico dividia o território em cores: a parte superior era tingida em tons de verde e oliva, representando áreas mais baixas e planas — provavelmente campos e florestas. Já a parte inferior era coberta por laranjas e vermelhos — as regiões mais elevadas do sul. Isso indicava que o terreno se tornava mais montanhoso conforme se descia o mapa.

    Aquilo fazia sentido. Durante sua longa caminhada até encontrar Evelyn, Niko havia cruzado várias ladeiras íngremes, trilhas entre pedras e passagens estreitas em meio a desfiladeiros.

    No meio da região mais quente do mapa, uma linha azul cortava diagonalmente o relevo montanhoso: era o Rio Mirava. O detalhe que chamou sua atenção foi a borda verde-clara contornando o curso d’água — como se a vegetação seguisse o rio de perto, traçando um vale estreito entre as bordas. Aquilo coincidia perfeitamente com sua memória. Um rio cercado por penhascos, onde a vegetação era mais viva e densa.

    — É o mais provável. Sim, faz sentido.

    Evelyn sorriu satisfeita.

    — Então é pra lá que a gente vai.

    Fechou o livro com firmeza e o enfiou dentro da mochila. Levantou-se em seguida e ajustou as alças nos ombros com um movimento automático, já acostumado.

    Enquanto ela se equipava, Niko se levantou para lavar o prato e o copo do café da manhã. O som da água correndo foi o único ruído na casa por alguns minutos.

    — Vamos indo, Niko?

    — Claro.

    Ele enxugou as mãos e os dois saíram do apartamento.

    ***

    O frio da madrugada os atingiu de leve assim que cruzaram a porta. As ruas estavam desertas. A cidade parecia outra — os prédios antes vivos agora estavam adormecidos, as janelas escuras, com apenas postes de luz espalhando um brilho pálido nas calçadas vazias.

    — É meio esquisito andar por aqui a essa hora. Um lugar que antes tinha tanta gente agora parece… morto. — comentou Niko.

    — Pior que é desconfortável mesmo. — respondeu Evelyn. — Uma vez, nesse mesmo horário, tentaram me assaltar num beco mais afastado da cidade enquanto eu fazia um contrato.

    — Sério? O que aconteceu?

    — Digamos que ele não vai mais cometer crimes por aí.

    — Você matou ele?

    — Não… — ela respondeu, com uma risadinha maliciosa. — Só deixei ele… bem assustado.

    Logo chegaram ao estacionamento. Um senhor de boina dormia na portinha de uma guarita minúscula, encostado numa poltrona velha.

    Evelyn não o acordou. Apenas foi até sua carroça, liberou a trava e abriu um frasco pequeno de vidro.

    Lá dentro, Aguro — a égua-fantasma — descansava em miniatura. Assim que a tampa foi aberta, uma névoa tênue escapou e a criatura voltou ao tamanho natural, emitindo um pequeno relincho abafado.

    — Prontinha. — disse Evelyn, sorrindo, enquanto prendia os arreios com destreza.

    Ela subiu na carroça e se ajeitou no banco de madeira. Niko fez o mesmo. O assento estava gelado como pedra molhada, mas isso não o incomodou tanto assim.

    Evelyn acendeu a lanterna frontal, puxou a mochila para entre as pernas e abriu o livro mais uma vez, revisando a rota traçada. Seus olhos percorriam as páginas como se desenhassem um mapa dentro da cabeça.

    — Tudo certo. Vamos lá. — disse por fim, jogando o livro para o fundo da carroça.

    Com um estalo das rédeas e um comando breve, Aguro começou a andar, e a carroça avançou lentamente pelo caminho iluminado pelos postes. A cidade dormia, mas a estrada os aguardava.

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