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    — Ah, você deve tá com fome, né? Só alguém faminto ia tentar comer esse tipo de coisa. Aqui, toma. — disse a moça, tirando uma fruta azul escura da mochila, estendendo ela até o garoto. — Come um girtilo.

    Dessa vez, a fruta era esférica, possuía uma casca fina e macia, e parecia conter muito suco dentro. Embora fosse bem menos aromática que a outra, parecia apetitosa e cabia perfeitamente na mão.

    O ser sem nome hesitou por um instante. Depois da decepção com a “traidora púrpura” — nome que deu mentalmente à primeira companheira —, ficou com receio de experimentar outra fruta tão cedo. Mas o sorriso amigável da estranha à sua frente e a barriga roncando incentivaram o garoto.

    Ele então deu uma mordida na bola azulada. Quando o alimento tocou na língua, sentiu seu sabor. Era delicioso: doce, levemente ácido, com um frescor no final.

    Me desculpe por duvidar de você, girtilo…”, pensou.

    — O que você quase acabou de comer é uma fruta de vídelfro. É uma fruta criada por um animal chamado… vídelfro, dãh. — explicou ela, rindo. — Ele é um animal peludo que chega até a altura do joelho. Ele cria essa fruta com esse aroma forte durante o inverno, com o objetivo de envenenar algum animal faminto e se alimentar dele depois. Cruel, né?

    Enquanto ela falava, o ser de chifres comia como se saboreasse pela primeira vez um girtilo — ou até mesmo, alguma comida pela primeira vez na vida. Não comia com pressa. Comia com gratidão, apreciando cada pedaço que mastigava.

    — Ah, verdade! Esqueci de me apresentar. Meu nome é Evelyn. E você, como se chama?

    Quando ele foi dar a próxima mordida, parou por um instante. Sentiu um gosto amargo na boca, seus olhos ficaram baixos e a postura mais fraca.

    — Eu não sei qual é meu nome… Eu só acordei debaixo de uma árvore e agora estou aqui. Eu não lembro de nada sobre mim… Meu nome, amigos, família… nada.

    Evelyn ficou surpresa. Afinal, ninguém espera ouvir algo assim de uma pergunta tão simples como saber o nome de alguém. Ele parecia jovem e saudável. Não tinha motivos para que ele não se lembrasse de nada da vida.

    — Que estranho… Não lembra de nada mesmo? Agora faz sentido você quase ter comido a fruta…

    Ele apenas balançou a cabeça em silêncio, envergonhado.

    — Bom, se você não tem nome… eu posso te dar um. Que tal? Afinal, não ter nome é como não existir. E acho que você quer existir, né?

    O garoto queria ter um nome. Queria saber quem era, podia não ser sua verdadeira identidade, mas queria abraçar a chance de ser alguém. Queria abraçar a chance de existir.

    Ele assentiu uma vez.

    — Hmmm, o que pode combinar com você… — pensou ela em voz alta. — que tal… “Niko”? Combina com você. É o que eu acho pelo menos.

    — “Niko”… — repetiu ele. O ser de chifres, ou melhor, Niko, gostou do nome, ele achou simples e agradável. Duas sílabas. Quatro letras. Era perfeito. — “Niko” é legal. Acho que vou adotar isso.

    Mesmo adotando um nome, ele se sentia desconfortável. Sentia um aperto no coração. “Niko” não parecia verdade. Como se fosse um rótulo falso, e seu verdadeiro nome estivesse trancado em algum lugar inalcançável de sua memória.

    Percebendo que Niko gostou da sugestão do nome, Evelyn sorriu, satisfeita. Ela parecia gostar de ajudar as pessoas, até nas coisas mais simples. Mesmo o que Evelyn acabou de fazer não parecesse grande coisa, — afinal ela somente deu uma sugestão de nome — aquilo significou algo especial para Niko, pois foi naquele momento que começou a existir.

    — E você, Evelyn… o que tá fazendo aqui?

    — Eu? Vim caçar um lufador! Hehe. Fui contratada por dois mil Yzakels pra fazer isso. — disse ela, levantando dois dedos e sorrindo com orgulho.

    Niko piscou duas vezes, nitidamente perdido.

    Pelo contexto, imaginou que um lufador deveria ser um tipo de animal perigoso ou difícil de ser encontrado. Se não tivesse dificuldades, Evelyn provavelmente não seria contratada, a menos que o contratante fosse um indivíduo preguiçoso. Além disso, havia a possibilidade de ter algum tipo de problema de mobilidade, o que também explicaria a situação.

    Já o Yzakel era provavelmente a moeda da nação em que Niko e Evelyn estavam e, considerando que ela foi contratada por um valor de dois mil — aparentemente bem alto — indicava que aquele animal tinha alguma dificuldade para ser caçado.

    Antes que perguntasse “O que é um lufador e esse Yzakel, Evelyn?”, a garota já respondeu. Como se lesse sua mente.

    — Os lufadores são animais grandes e perigosos. Soltam rajadas de ar comprimido tão fortes quanto tornados. Por isso me contrataram.

    Como eu imaginei…”, pensou Niko, orgulhoso de sua dedução. Até pensando em dizer em voz alta, mas desistiu da ideia.

    Evelyn somente não respondeu sobre o que seria o Yzakel. Ele até considerou perguntar o que seria isso, mas provavelmente era mesmo uma moeda, então nem valia a pena. Sem contar que não queria constranger Evelyn por não entender que ele não sabia o que era esse objeto de nome estranho.

    — Bem… eu tenho um acampamento perto daqui. — disse ela, tímida. — Lá é mais confortável pra conversar e essas coisas…

    Percebendo o quanto a frase saiu esquisita, ela rapidamente buscou uma desculpa para explicar sua oferta. Seu olhar então atingiu debaixo do manto de Niko, que estava pingando.

    — E… você tá molhado aí embaixo da roupa. A gente podia acender uma fogueira lá. Assim você se aquece e não pega um resfriado. Que acha?

    Apesar da desculpa fraca, Niko percebeu o esforço. Evelyn estava sorrindo simpaticamente. Ele, por outro lado, mantinha a expressão neutra. Desde que acordou, não havia sorrido. Não por ser amargo ou rabugento — mas porque ainda não havia motivos para fazer isso.

    O frio estava insuportável. Seu braço doía e estava congelando lentamente. O garoto tentava se aquecer usando a sua outra mão debaixo de seu manto, mas parecia que os esforços eram inúteis. Além disso, Evelyn salvou sua vida. O mínimo que ele podia fazer era aceitar.

    — Pode ser.

    — Que bom! Então é só me seguir, Niko.

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