Capítulo 20 – Tempo…
Evellyn estava deitada em um grande pano, apoiada no chão, na grama. Ao seu lado estavam outras pessoas deitadas e sentadas em panos no chão, algumas pessoas estavam gemendo de dor, outras estavam em silêncio, mas todas estavam feridas e sendo tratadas por médicos.
A garota olhava fixamente para cima, para as estrelas da noite, não prestando atenção em mais nada além do céu com seus pontos brilhantes. Cansada e perdida em sua mente, a garota não falava, não escutava e não queria escutar, somente estava existindo contra sua vontade, tentando buscar uma resposta para uma pergunta que fez a si mesma horas atrás: “Por que não eu?”.
Entediada pela visão monótona das estrelas e frustrada por não ter encontrado a resposta para sua pergunta, a elfa olha em volta do lugar, parecendo procurar por algo. “Ela não está aqui”, pensou ela, logo depois se levantando e ficando sentada com a coluna torta. Ela não se importava com sua postura, não se importava com seu conforto, não se importava com sua vida, não se importava com nada, absolutamente nada.
A mão da garota se estendeu em direção a uma muleta que um médico havia deixado ao seu lado anteriormente, pegando-a. Se apoiando no suporte, Evellyn se levantou com dificuldade. Ela não havia se acostumado a não ter uma perna, na verdade, aquela era a primeira vez que ela andaria de muleta. Ao estar de pé, Evellyn percebeu que daquele dia em diante a muleta seria seu companheiro para o resto da vida. Encaixou o objeto em seu braço esquerdo e começou a andar.
Pé direito, suporte, pé direito, suporte, a garota repetiu esse movimento, procurando se acostumar com ele enquanto olhava para baixo. Com um suspiro, a elfa virou seus olhos para frente, olhando em volta, olhando para todas as pessoas que via em sua frente. Os soldados estavam andando, sentados, lendo e conversando, aliviados e preocupados. Evellyn examinava cuidadosamente cada um deles com um olhar baixo. Cabelo preto, ruivo, loiro, pele branca, negra, verde, azul, peluda, caras fechadas, barbas, bigodes, choros, abraços, cada uma dessas coisas era penetrada pelos olhos da garota, tentando buscar sentido, tentando buscar significado.
Sentada em um banco, dentro de uma grande barraca pouco iluminada, estava a resposta, aquilo em que a garota procurava. Quando os olhos de Evellyn encontraram aquilo, ela instantaneamente se virou e seguiu em direção à barraca.
No local havia algumas pessoas, todas estavam sentadas em bancos de madeira, comendo junto com aquilo. Evellyn estava ao lado daquilo e o objeto de costas para ela, que não percebeu a chegada da garota. Ela estava ao lado da resposta do porquê sentia raiva, do porquê se levantou, mesmo ferida, e do porquê estava sozinha.
— Por que deixou o Nikolas morrer?
Aquilo parou seu talher no meio do caminho, entre o prato e a boca, por um instante. Ela se virou na direção contrária de Evellyn e voltou a comer, como se estivesse procurando ignorar Evellyn. O objeto, não… o monstro, não parecia se importar com ela e nem com o sofrimento que a causou.
— Eu falei com você.
Mesmo assim, o monstro não reagiu, continuou comendo, como se Evellyn nem estivesse lá. Aquela atitude acendeu uma fúria em Evellyn, que antes estava apática e niilista. A elfa agarrou os cabelos negros da criatura e a empurrou com toda sua força contra a mesa, depois puxando-a para trás, fazendo o monstro cair no chão. O movimento brusco de Evellyn quase a fez cair, mas ela não se importou com aquilo.
O monstro tentou se levantar, mas Evellyn não deixou. Ela largou sua muleta e se sentou em seu torso. A elfa usou sua Alma, deixando parte de seu punho direito congelado e, em seguida, socando a criatura desprezível, misturando o azul do gelo com o vermelho do sangue.
— O NIKOLAS MORREU POR SUA CULPA! VOCÊ PODIA TER SALVO ELE! POR QUE NÃO FEZ ISSO?!
A criatura não respondeu, então Evellyn a socou de novo e de novo, enquanto ela somente aceitava os golpes, não procurando se proteger ou contra-atacar. Em um pensamento irracional de ódio, a elfa criou uma estaca de gelo, segurando-a com a mão direita, e decidiu acabar com a vida maldita daquele ser. Ela decidiu atingir o monstro na garganta. Prestes a acertá-la, uma força puxou seus braços, afastando-a da besta.
— Argh! ME SOLTA!
Um homem apareceu, segurando Evellyn pelos braços e separando a briga.
— Se acalma, garota. — falou o homem.
Evellyn se contorcia enquanto o humano a agarrava por trás, tentando procurar alguma brecha para sair. A garota até considerou criar estacas em suas costas para escapar, mas não suportaria ver qualquer sangue, além do monstro, ser derramado por ela.
Nos momentos seguintes, mais dois homens apareceram, tentando ajudar a besta a se levantar.
— Você está bem? Nossa, o que deu naquela menina?
— Eu sabia que ela iria criar alguma confusão em algum momento.
— Por que ela foi aceita aqui para início de conversa?
A criatura se foi, saiu da cabana, indo para algum lugar que Evellyn não imaginou qual seria. Vendo que seria inútil continuar tentando escapar do homem, a garota somente desistiu, deixou o ódio sair de seu corpo e se entregou à derrota. O homem que estava segurando Evellyn a soltou, deixando-a cair no chão, sentada com as mãos apoiadas no chão e olhando para baixo.
Aquela situação chamou a atenção de várias pessoas, de dentro e fora da barraca. Dezenas de olhos julgavam a garota como uma vândala e agressora, mas aquilo não estava certo, foi aquele monstro que era a culpa, aquele monstro que tirou a vida de seu amigo. Por que aquilo não era julgado? Por que ela estava sendo julgada? Aquilo não era justo, aquilo não merecia ter acontecido com ela.
A garota ficou com vontade de chorar, ficando com os olhos cheios de água, mas ela se segurou, não deixou as lágrimas caírem, apenas mordeu os lábios, fazendo o líquido vermelho cair e invadir sua boca, deixando um gosto de ferro em sua língua.
— Cabo Bauer, gostaria que me acompanhasse.
Ao olhar para cima, Evellyn viu um homem de meia idade na frente da entrada da barraca, usando um quepe militar, um distintivo e diversas medalhas em seu peito, mantendo uma postura reta e confiante. Era um coronel, mas Evellyn não lembrava seu nome, somente que ele fez um discurso alguns dias atrás, antes de invadirem Lieuwirk.
Evellyn sabia que iria sofrer uma penalidade pelo seu comportamento, que ela levaria uma multa e até poderia ser presa, afinal, a garota agrediu e quase matou alguém. Sem nem um pingo de preocupação ou remorso, ela secou a água em seus olhos com a manga e esticou a mão para pegar sua muleta em seguida, não conseguindo por estar muito longe.
— Aqui. — disse um soldado enquanto entregava o suporte a Evellyn.
A elfa somente pegou a muleta com indiferença, não agradecendo pela boa ação do homem e se levantando sozinha. Em seguida, apenas seguiu seu superior sem olhar para trás, sem olhar para os julgadores, que cochichavam entre si a todo o momento sobre o comportamento da garota.
Após uma breve caminhada, o homem e a elfa chegam a outra barraca, dessa vez menor, com uma mesa de madeira no centro. O coronel se sentou em um banco de metal e Evellyn fez o mesmo, ficando de frente para seu superior, deixando sua muleta cair no chão com indiferença. O senhor então pegou o cachimbo que havia na mesa e o colocou na boca, puxou uma caixa de fósforos de seu bolso, acendendo o palito de fósforo e colocando-o em cima do objeto de fumo, que em poucos instantes já produzia fumaça. Ele apagou o palito balançando a mão, ajustou a luminária que produzia a luz, deixando o ambiente mais claro, tirou o cachimbo da boca e soltou a fumaça de seus pulmões.
— Você tem uma ideia do porquê eu te chamei para aqui?
Essa foi uma abordagem estranha para Evellyn, em sua cabeça o coronel iria gritar com ela. “VOCÊ TEM NOÇÃO DA MERDA QUE FEZ SOLDADO?!”, era isso que a garota esperava.
— Para me repreender pela briga que eu tive agora mesmo?
— Não, não foi por isso. Ah, e sobre esse… “incidente” não vamos mais falar dele. Você não merece passar por mais dor de cabeça.
Mais uma vez, a garota surpreendeu-se. Ela não só não foi chamada para o local por outro motivo, como também não seria castigada pela agressão e tentativa de assassinato. Aquilo estava deixando Evellyn curiosa, afinal, por que ela foi chamada então?
— Me desculpe por perguntar, mas por que eu fui chamada então?
— Para te dar uma sugestão. Para você decidir sair da guerra e voltar para casa.
— Eu recuso sua sugestão, senhor.
Para Evellyn, aquilo foi uma grande ofensa. Ela não iria desistir e insinuar para ela fazer isso era o mesmo que duvidar de sua coragem, habilidade e capacidade. Para Evellyn, aquilo era o mesmo que “Você é fraca”.
— Sabia que você diria isso. — O homem puxou novamente seu cachimbo para a boca e, segundos depois, expirou fumaça. — A senhora é uma pessoa determinada de verdade. Quando decide fazer algo, quer o fazer até o final. Mesmo sendo a única sobrevivente do seu primeiro esquadrão, vendo a morte passar várias vezes diante de seus olhos, você não desiste, inclusive quer mais disso. Acho que você esteja viciada e que suas escolhas não estejam sendo racionais.
Mesmo pensando na possibilidade de estar realmente viciada na guerra, viciada em seu desejo de vingança, Evellyn não se importava com aquilo, ela sabia que seu sofrimento passaria ao chegar a Frísland e cortar fora a cabeça de Herbert, o imperador de Lieuwirk.
— Quero que dê uma olhada nesta carta e repense sua resposta.
O militar empurrou o envelope que estava ao seu lado em direção a Evellyn enquanto ficava com a mão no cachimbo. Evellyn pegou o envelope, analisando-o logo em seguida. Na sua frente estava seu nome, sua unidade militar, setor operacional e um código postal militar, além de um selo genérico. No verso, um carimbo de segurança, um lacre de cera preta e o remetente “Hospital G. Stigler”, o mesmo em que sua mãe trabalha.
Tomada pela curiosidade, a garota abriu o lacre de cera, retirou o papel de dentro do envelope e o desdobrou.
“Senhorita Evellyn, sentimos muito ao informar sua perda através desta carta. Hoje (31/04), às 7:00 da manhã, foi decretada a morte de Emilia Bauer Gelis, causada por uma forte tuberculose. Sentimos muito por sua perda…”
Após ler toda a carta, as mãos de Evellyn tremiam e lágrimas caíram sobre o papel, se misturando com a tinta, tornando algumas partes impossíveis de ler. A garota então abraçou a carta, colocando-a no fundo de seu peito, e olhou para baixo, enquanto continuava chorando baixo.
— Sinto muito pela sua perda.
— E-eu quero v-voltar para casa. — disse ela enquanto chorava.
— …Fez a escolha certa, garota.
“…Vale o destaque de que sua mãe teve um ato nobre em seus últimos dias de vida. Mesmo estando doente, ela continuava trabalhando, ajudando os doentes e feridos e mal dormia. Quando ela desmaiou de fraqueza e ficou de cama, se recusou a tomar os medicamentos, alegando que “os outros precisam mais do que eu”. Sua mãe foi uma heroína e morreu fazendo o que amava: ajudando as pessoas.
Abaixo está uma transcrição de uma carta que ela enviaria a você na noite anterior à sua morte:
“Oi, filha.
Quando você receber esta carta, eu provavelmente estarei morta. Eu sei que você não merecia passar por isso, principalmente nesse momento de fragilidade, mas eu sei que você é forte e irá superar esse momento difícil. Você é a pessoa mais forte que eu conheço. Com sua idade, eu estava terminando meus estudos, mas você já está no exército lutando para salvar seu povo e seu país. Se isso não é ser forte, então eu não sei o que é.
Mais uma coisa, minha filha: Caso você fique triste e ache que não é capaz de seguir em frente e queira desistir, pense em mim e em seu pai. Mesmo que não perceba, nós estaremos torcendo por você a todo momento do outro lado, isso eu te garanto.
Você é bondosa, determinada e sempre tenta ver as coisas por um lado otimista, essas são características que eu admiro em você. Você é a melhor filha que eu pude ter. Eu te amo, Evellyn, de verdade e espero que, mesmo depois de tudo que passou nesse inferno, você continue sendo você. Que continue sendo essa pessoa incrível que você é e que eu tanto admiro.
Com amor, sua mãe.”
Uma porta se abriu e a sala escura foi iluminada pela luz vinda da rua. Uma garota de cabelos brancos foi revelada. Ela ficou parada em frente à porta, imóvel, e após um breve tempo adentrou na residência.
Andando pela casa, a garota estava mancando, como se não estivesse acostumada a andar. Ela caminhou por um corredor, chegando a um grande cômodo, um cômodo que abrigava uma sala de estar, de jantar e uma cozinha. A menina passou pela cozinha, pela sala de jantar e após isso pela sala de estar, sempre olhando em volta, com curiosidade e nostalgia, se sentando no sofá que levantou um pouco de poeira ao entrar em contato com a garota.
Ela pegou um livro que estava em cima da mesa de centro, segurou o livro em suas mãos por um período de tempo, parecendo estar o apreciando. Depois deu uma rápida folheada e colocou-o novamente na mesa, se levantando após a ação.
A elfa voltou para o mesmo corredor de antes, mas agora se virou em direção a uma escada que estava no lado direito. Subindo para o segundo andar, havia dois caminhos: o esquerdo e o direito. Primeiramente, ela foi para o caminho esquerdo.
No final do corredor, a elfa abriu uma porta. Atrás dela havia um quarto, com uma cama de casal arrumada, uma poltrona e quadros na parede. A garota deixou a porta entreaberta, olhando de longe o ambiente. Ela virou seus olhos para o chão, fechando a porta lentamente, sem provocar nenhum barulho.
Agora, a garota foi em direção ao lado contrário, abriu a porta à direita, revelando outro quarto e entrando nele. Ela seguiu em frente, se deparando com uma escrivaninha vazia e pouco empoeirada. Ela passou sua mão na cadeira, sentindo a textura de madeira com verniz.
Indo na direção contrária, a elfa encontra uma cama desarrumada. Dando um suspiro, ela ajeitou o lençol, em seguida os dois travesseiros e por último dobrou o cobertor, deixando-o em formato retangular na ponta da cama. Após arrumar a cama abandonada, Evellyn ficou parada por alguns segundos olhando sua antiga cama.
Em seguida, ela se deitou na cama com os dedos entrelaçados, olhando para o teto, onde havia uma janela, mostrando o brilho das estrelas no céu. A garota fechou seus olhos e adormeceu calmamente, feliz pelo tempo que ficou com sua família e deprimida por esse tempo ter acabado.
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