Capítulo 21 – A Morte
Evellyn abriu os olhos, caída ao lado da árvore, com uma dor no peito e atrás da cabeça, se levantando devagar em seguida. Ao olhar para frente, ela viu Clementine, apertando seu braço direito em seu torso e braço esquerdo. No local onde a mulher estava, sangue caía, pintando suas roupas e a neve de vermelho. Mesmo assim, o rosto dela ainda era sereno, como se somente tivesse se cortado com uma folha de papel.
— Por que? Por que você teve que voltar para minha vida?
— Eu não sei. Talvez os anjos quisessem que nós nos encontrássemos outra vez. O que acha?
— Eu não sei e sinceramente não me importo, só vamos acabar logo com isso. — falou Evellyn enquanto se aproximava do monstro.
— Umph. Bem apressada, você.
Após isso, a assassina puxou uma pistola da única mão que lhe restava, mirando em direção a Evellyn e efetuando dois disparos. A mercenária percebeu a tempo o ataque de Clementine e protegeu o busto com o braço, criando uma espécie de “escudo de gelo”. Um dos projéteis atingiu a proteção da garota, porém outro atingiu seu ombro esquerdo.
A proteção de Evellyn multiplicou de tamanho, transformando-se em praticamente uma parede de gelo. A barreira de gelo correu em direção a Clementine, que somente se desviou para a esquerda do objeto, sendo atingida por um soco de Evellyn na barriga enquanto o olhar das duas se encontraram novamente.
A humana colocou a arma em direção ao peito da elfa, porém Evellyn segurou seu cano e o congelou. Aproveitando a distração, Clementine deu um soco no rosto de Evellyn, sacando uma adaga e, em seguida, a movendo para o abdômen da garota.
Antes que a lâmina atingisse Evellyn, um tiro atingiu a mão da assassina, fazendo-a largar a faca. Olhando para a direção do disparo, ela avistou um garoto de manto preto e grandes chifres deitado para baixo, mirando com um rifle. Niko havia voltado a se mover novamente, assim retornando para a luta.
— Você não deveria se mexer. Como está fazendo isso?
Niko fazia a mesma pergunta, ele tentou se mover sem sucesso enquanto as duas brigavam, porém, após aquela explosão, ele conseguiu se mexer novamente, com dificuldade, mas o suficiente para que pudesse ajudar na batalha. “Deve ter sido aquele remédio que Evellyn me deu”, pensou ele.
Ao terminar de fazer sua pergunta para Niko, Clementine foi empurrada para longe, cuspindo sangue na trajetória. Evellyn bateu com toda a força que tinha em Clementine com um porrete de gelo.
A mulher caiu perto de uma árvore, se levantando com dificuldade. Quando estava de pé, duas estacas de gelo surgiram do chão, atravessando seu braço e coxa esquerdos, prendendo-a na madeira.
— Uff, acabou. — disse Evellyn ao vento ofegante enquanto apoiava o porrete no chão.
Após a rápida pausa, Evellyn olhou em direção a Niko, preocupada pelo garoto.
— Ei, Niko, você está bem?! — gritou a elfa em direção ao alborceno, sem receber uma resposta.
Mesmo que Niko tenha voltado a se mexer de maneira limitada, ele não conseguia falar. A garota soltou a arma que estava em sua mão e andou em direção ao fantasma, enquanto mexia no ombro atingido pelo projétil, arrancando uma bala com os dedos quando chegou próxima ao garoto, ficando com uma expressão de dor e nojo em seu rosto enquanto observava aquele pedaço de bronze ensanguentado em seus dedos. Ela então se abaixou, ficando a uma distância mais próxima de Niko.
— Você está bem, carinha? Consegue se levantar?
Niko não conseguia falar e mal tinha partes do corpo que pudesse mover. Um dos únicos movimentos que controlava era completamente o do pescoço, então Niko balançou a cabeça para os lados, em sinal de negação.
— Vou te levantar e você fica apoiando em mim então. Pode ser?
Niko balançou a cabeça em sinal de aceitação. Evellyn colocou o braço de Niko em sua nuca e sua mão em volta de seu peito.
— Um, dois. — e em seguida o garoto foi levantado por sua amiga, produzindo um som de metal ao levantá-lo.
Em seguida, Evellyn andou em direção à mulher presa enquanto ajudava Niko, que andava com dificuldade enquanto fazia seu máximo esforço.
— Bem, agora você salvou minha vida de verdade. Valeu. — disse ela, sorrindo logo em seguida.
Niko estava agora estava feliz, ele havia salvado a vida de Evellyn, pelo menos segundo suas palavras, ele foi, além de um intrometido, um intrometido útil. Aquilo o fez sorrir.
Evellyn colocou Niko no chão, de uma forma que ele permanecesse sentado, depois se virou e cruzou os braços, ficando de frente para Clementine, pregada no tronco.
— Acho que você ganhou essa briga.
— Quem é seu contratante?
— Uhm, nem deixou eu te parabenizar pela vitória… Ele era um anônimo, meu canal não falou nada sobre ele.
— Como ele sabia do Niko?
— Eu não sei.
— Quem é o seu canal?
— Ahti, conhece ele?
— Eu que faço as perguntas aqui.
— Sim, senhora.
Ahti, essa era uma pista valiosa para a investigação. Quem quer que fosse que queria matar Niko, agora sabiam como chegar nele, procurando por Ahti e fazendo ele falar quem era o cliente.
— Tem mais alguma coisa que você gostaria de perguntar?
— Por que… — parou Evellyn por um segundo, procurando forças para continuar com a pergunta, continuando ela após dois segundos. — Por que você o deixou para morrer? Por que não o salvou?
Nas outras perguntas, Evellyn estava com uma feição sem paciência e irritada, porém, nessa, ela estava com uma expressão mais triste e sincera. Fazia sentido, afinal, era essa a pergunta que Evellyn mais queria saber, a pergunta que ficou anos na sua cabeça sem resposta. Clementine, antes com uma postura indiferente e debochada, agora estava séria, virando seus olhos para baixo.
— Eu nunca quis ser uma médica. Eu fui para a guerra para matar e não para salvar, mas eu tive que ser médica obrigatoriamente por conta daquela conduta idiota. Aquilo me deixou irritada, foi uma das únicas vezes em que fiquei irritada na vida. Daí, naquele dia de batalha no campo, eu joguei meu equipamento médico fora e fui para o combate… Eu matei muitas pessoas naquele dia, eu me senti feliz, muito feliz, mas deixei um amigo morrer para fazer isso. — Clementine deu um suspiro e voltou seus olhos a Evellyn. — Eu deixei o Nikolas para morrer porque queria sentir aquele prazer da carnificina o mais rápido possível e seria inútil parar para ajudá-lo, porque eu nem ao menos tinha os equipamentos para isso. Por isso, eu não o salvei, porque eu fui egoísta, gananciosa e rebelde.
Dez anos, Evellyn esperou dez anos por aquela resposta e agora finalmente a tinha. Não era o que ela esperava, na verdade, ela não esperava por nada, não tinha nem ideia do porquê aquilo tinha acontecido, mas agora ela tinha a resposta, finalmente tinha aquela maldita resposta. A garota ficou aliviada, tirou um peso que carregava nos ombros por anos. Sentiu um sentimento tão forte que estava perto de chorar. Ela estava satisfeita.
Niko estava ouvindo toda a conversa, se perguntando o quanto Evellyn sofreu na guerra, desejando que a garota não passasse pelo mesmo sofrimento de novo.
Ele também estava toda hora tentando soltar sua voz, não conseguindo durante um bom tempo, porém agora seus “Ahh ahh ahh” saem da boca. Nisso, resolveu fazer sua pergunta.
— Você sabe algo sobre o cliente? — perguntou ele, com uma voz rouca.
Na surpresa, Evellyn e Clementine olharam para Niko, com a assassina indefesa dando um sorriso sem mexer os olhos.
— Fez a pergunta certa, garoto. Eu não gosto de trabalhar para quem eu não conheço, então resolvi investigar para saber quem era o cliente e ele não era uma pessoa muito queee… “moral”. Passagem na polícia por identidade falsa, membros da família presos por envolvimento com grupo terrorista, além da casa dele ser completamente bizarra de rituais. Ele é um-
Um barulho de explosão surgiu vindo de longe, um buraco no lado da cabeça de Clementine apareceu, sangue e pedaços de seu crânio e cérebro caíram no chão, com seus olhos continuando abertos, olhando para o fundo da alma de Niko.
— CUIDADO!
Evellyn pulou em cima de Niko e ergueu uma parede de gelo, visando se proteger do atirador.
— Você está bem, Niko?… Niko?
O garoto estava com a íris completamente contraída, não sabia como iria e deveria reagir. Ele não podia fazer nada, pelo menos, nada muito complexo, ele ainda mal conseguia ficar de pé, não estava preparado para outro combate. O garoto e a elfa estavam em total desvantagem.
— Ela… morreu?
— …Sim.
— Ela estava olhando nos meus olhos…
Era a primeira vez que Niko viu um sapien morrer, ainda por cima olhando para ele, mesmo sem vida. Aquilo havia traumatizado ele de verdade.
— Vou conferir algo. — falou Evellyn.
— Cuidado, por favor.
A garota se levantou e saiu da proteção com um bastão de gelo nas mãos, atenta para qualquer que fosse a ameaça… Porém, ela não veio. Passaram-se minutos e não houve nem mais um disparo. Nesse período de tempo, a condição de Niko melhorou o suficiente para que ele pudesse voltar a ficar de pé e andar sem dificuldade, assim, saindo da proteção e se encontrando com a elfa.
— Então…?
— O atirador fugiu. — largando o bastão em seguida.
— Tem certeza?
— Absoluta. “Os olhos de um mercenário nunca mentem”, era o lema do meu antigo colega de trabalho.
Evellyn andou em direção à proteção de gelo enquanto Niko observava a floresta, buscando achar o atirador, para ter certeza de que ele havia sumido.
— Então… Tem alguma ideia de quem seja o atirador? — perguntou Niko, se virando para Evellyn no final da frase.
Evellyn estava ajoelhada próxima de sua antiga amiga, ela fechou os olhos sem vida de Clementine, agora deitada no chão, deixando-a descansar em paz. Aquela ação de Evellyn acalmou Niko, afinal, aqueles olhos não estavam mais lá para julgá-lo.
— Nenhuma, mas o fato de ter um atirador aqui só mostrou que não estávamos sozinhos… eu só espero que tenha sido depois de nos encontrarmos com a Clementine.
Era tarde da noite. O silêncio dominava quase completamente a estrada. Evellyn estava dormindo ao lado de Niko enquanto o garoto olhava para frente, liderando a carroça, agora com uma roda de gelo azul, criada horas antes por Evellyn.
Niko não estava com sono, ainda estava pensativo sobre o que havia acontecido mais cedo, pela morte de Clementine e o assassino que estava os perseguindo nas sombras, esperando um ataque a qualquer momento, torcendo para que este evento não ocorresse.
O garoto se sentia culpado pela morte da assassina, mesmo que ela estivesse lá para matá-lo. O garoto não queria que ela morresse e sentia que aquela pergunta foi o que ocasionou sua morte. Mesmo que tivesse enterrado a mulher e feito uma lápide improvisada, aquilo não o deixou mais calmo, ainda via aqueles olhos sem vida o olhando e o julgando. “A morte é algo cruel”, pensou Niko.
A carroça parou abruptamente. A égua, que antes puxava a carroça, permaneceu imóvel, deixando Niko confuso.
— Que foi, garota? A gente precisa ir. — disse Niko enquanto balançava sua rédea, porém o animal não se moveu.
Curioso e buscando investigar o porquê do equino ter parado, Niko saiu da carroça, ficando de frente para Aguro, fazendo carinho em sua cabeça fantasmagórica.
— Que foi, aconteceu algo com você? Ou você quer algo?
Não sabendo como resolver a situação para voltarem a andar, Niko teve uma ideia: perguntar ao dono da égua o que se deveria fazer.
— Evellyn, tem alguma ideia do que… Evellyn?
A garota sumiu. Ela não estava mais dormindo no banco da carroça. Niko olhou para os lados, procurando por Evellyn, depois debaixo da carroça e dentro dela, sempre falando o nome da elfa nos lugares em que procurava.
— Onde ela foi parar?
Então, um som. Um som suave, calmo, relaxante e encantador surgiu fora do veículo. Era um canto, um belo e distante canto, de voz feminina que hipnotizou Niko. Ele saiu da carroça por trás, percebendo que a canção vinha do interior da floresta. Ele pegou sua lanterna, apontando para frente, e em seguida seguiu em direção à voz.
“Eu conheço essa voz?”, pensou ele. Aquela era uma voz que o fazia ter lembranças, lembranças das quais nunca teve, lembranças de uma mãe, de paz, de amor e conforto, coisas que seria impossível de Niko ter experienciado… ou será que teria?
O garoto andou e o canto estava cada vez mais perto, até que viu uma figura brilhante em azul. Uma figura com um grande manto, cobrindo seu corpo por completo, além de estar completamente encapuzada, não sendo capaz de ver seu rosto. Ela andava em linha reta, sem ser possível ouvir o som de seus passos, além de que onde andava não deixava pegadas, a figura parecia até estar flutuando.
O vulto parecia não ter visto Niko, assim o garoto decidiu ficar na distância e segui-la aonde quer que ela estivesse indo. “A Evellyn pode estar lá”, pensou ele.
Não muito tempo depois, a figura parou de frente a uma cruz improvisada de galhos de árvore, a mesma cruz que Niko e Evellyn enterraram Clementine. A figura, continuando a cantarolar, estendeu sua mão azul para o chão com calma e graça. Levantando a mão, uma esfera branca surgiu, parecendo se entregar à mulher misteriosa. Ela inclinou sua palma para cima e, em seguida, abraçou a esfera de energia com as duas mãos entre o peito.
A cena prosseguiu por mais alguns segundos, quando ela estendeu a mão para o alto e fez a esfera subir aos céus, terminando o ritual junto de seu cantarolo.
Niko observou a cena de longe, completamente encantado. O garoto não entendeu o que havia acontecido, mas, do mesmo jeito, achou belo.
— Você não deveria se condenar. A morte dela não foi sua culpa. Além disso, ela está em um lugar melhor agora. Seja mais gentil consigo mesmo, eu imploro, minha criança. — disse a figura enquanto se virava para Niko.
O rosto da figura era estático, seus olhos brilhavam em azul, sua face era pálida e fosca, com traços finos, parecendo até mesmo com uma máscara de porcelana. No instante seguinte, a visão de Niko se escureceu e seus ouvidos escutaram uma última mensagem:
— Durma bem.
Niko, em seguida, ouviu sons de cascos batendo no chão. Abrindo os olhos, ele percebeu que já não era mais noite, era o começo da manhã. Além disso, ele estava na carroça, Aguro estava andando e Evellyn estava ao seu lado, dormindo de boca aberta para cima.
“Aquilo… Foi um sonho?”
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