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    Durante a viagem de volta, no meio da noite, uma calma pairava sobre a estrada. Niko estava dentro da carroça, encolhido com o mesmo livro de antes nas mãos — agora já nas páginas finais. Enquanto isso, Evelyn tocava melodias suaves no violão, o que fazia o clima de tranquilidade aumentar, deixando os dois ainda mais relaxados. Aquela paz parecia infinita. Como se fossem passar o resto da noite só assim: música e silêncio.

    Ao terminar de tocar a atual música, Evelyn virou-se para trás.

    — Quando a gente voltar pra casa, o que você vai fazer pra tentar descobrir quem você é? — perguntou ela.

    — Tava pensando em fazer uns cartazes. Como um: “Você conhece esse albocerno?” com uma foto minha embaixo. O que acha? — respondeu Niko, sem tirar os olhos do livro. Embora a atenção estivesse mais na conversa do que nas palavras.

    — Não parece a ideia mais inteligente do mundo. — disse ela, coçando o nariz. — Se você for mesmo a vítima daquela cena que a gente investigou, o melhor a se fazer é justamente não chamar atenção.

    — Só uma sugestão. Tem alguma ideia melhor?

    — Infelizmente não, mas quando a gente chegar em casa, vou pensar em alguma coisa.

    Ela voltou a dedilhar as cordas, deixando a melodia preencher o silêncio por mais alguns minutos.

    — Já pensou em aprender a tocar alguma coisa? — disse ela, parando de tocar repentinamente. — Essa música fica muito melhor com uma flauta. Se você aprendesse, a gente podia fazer um dueto no futuro.

    Naquele momento, Niko chegou ao fim do livro. “As Engrenagens do Destino”. Um romance de ficção onde Allan Voss, um relojoeiro, viajava centenas de anos no passado graças a uma relíquia chamada Coração de Chronos. No passado, se encontrou com Isadora, filha de um nobre, para impedir os planos do lorde Dante Falken — o homem que, no futuro, cometeria um genocídio que custaria milhões de vidas.

    O livro tinha sido uma boa companhia nas longas horas de estrada. Niko gostou dos personagens, da história e principalmente da maneira inesperada com que Isadora morria no meio da trama. Ele realmente achou que os dois teriam um final feliz. Mas não. Allan precisou escolher entre salvar a mulher que amava ou salvar o mundo. Uma escolha trágica. E, por algum motivo, estranhamente bonita.

    Niko fechou o livro devagar, como se estivesse terminando um capítulo dele mesmo.

    Quanto à pergunta de Evelyn… a ideia de tocar flauta não parecia ruim. Toda vez que via ela tocando, sentia algo diferente no peito. Era como se a música dela criasse um tipo de magia invisível ao redor que o deixasse feliz. Então fazer algo semelhante parecia ser divertido.

    — Uma flauta… acho que seria interessante. Quero tentar. Você conhece algum lugar que venda?

    — Tem uma loja de instrumentos perto de casa. Te levo lá depois.

    Ela voltou a tocar o violão, o som suave acompanhando a viagem enquanto cantarolava baixinho com uma voz quase angelical.

    A calmaria durou pouco. Sem aviso, um estrondo cortou o ar como um trovão seco. Aguro, assustada, saiu em disparada numa corrida desenfreada.

    Outro estouro. Niko mal teve tempo de reagir. A carroça virou violentamente para a esquerda. O mundo rodou à sua volta. A neve subiu forte na pista, até o veículo colidir com uma árvore na lateral da estrada.

    Por alguns segundos, tudo ficou em silêncio. O coração de Niko disparava. As mãos tremiam. E as íris estavam contraídas em puro pânico. Antes que ele entendesse o que estava acontecendo, Evelyn já guardou Aguro de volta no frasco e apagou a lanterna da carroça em uma velocidade impressionante.

    — Abaixa e fica quieto! — sussurrou ela, rastejando para a parte de trás do veículo.

    Niko obedeceu sem questionar. Só agora começou a entender a gravidade da situação. Eles estavam sendo atacados. Mas por quem? Pelo agressor da investigação? Algum ladrão de estrada? Ou alguém pior? Mil perguntas explodiram na mente do garoto. Por que o inimigo não atirava de novo? Como a carroça capotou tão rápido? Por que justo agora?

    Ele quis olhar para fora. Ver o que estava acontecendo. Mas sabia que seria suicídio. O melhor era seguir o plano de Evelyn: ficar quieto e protegido.

    Então uma voz soou do lado de fora. Feminina. Firme. E sarcástica.

    — Ei, Evelyn! Pode sair! Lembra de mim?

    Niko congelou. Quem era aquela pessoa? Ela parecia conhecer Evelyn. Uma inimiga do passado? Mais dúvidas. Mais confusão.

    Virou-se para Evelyn.

    — Você conhece ela? Quem é?

    …Mas Evelyn não respondeu. Ela ficou ali, imóvel, com os olhos fixos na saída de pano da carroça. Sem piscar. Sem respirar fundo. Apenas mantinha uma expressão dura, de puro ódio, que dominava seu rosto. Não parecia nem mais a garota de minutos atrás.

    Evelyn pegou o rifle caído no chão, se levantou e foi até a saída traseira da carroça. Niko, agora ainda mais preocupado, seguiu atrás, afastando a lona que cobria a traseira.

    Ao sair do veículo, Niko viu o estrago que a colisão tinha causado. A carroça estava tombada de lado, com uma das rodas partidas e pedaços de madeira espalhados pelo chão. Eles haviam parado em uma pequena clareira à beira da estrada, cercada por pinheiros altos e uma camada alta de neve irregular.

    Do lado de fora, a poucos metros deles, uma mulher os esperava. Ela era mais alta que Evelyn. Talvez alguns anos mais velha. Tinha cabelos pretos e longos, uma boina escura e uma roupa com estética militar gótica. Carregava um rifle longo com uma lâmina presa sob o cano.

    O rosto tinha traços bonitos, mas a expressão era de puro deboche. E os olhos tinham um tom de rosa intenso, que pareciam brilhar mesmo naquela noite escura.

    — Caramba… é você mesma. Faz quanto tempo? Uns dez anos? — disse ela com um sorriso torto. — O tempo passa rápido, né? Cicatrizes novas?

    Niko ficou mais perdido que antes.

    — Evelyn… quem é essa?

    — É a desgraçada da Clementine. — respondeu a elfa, com a voz baixa e carregada de rancor.

    — Ah, pra quê isso? — disse a mulher, fingindo ofensa com a mão no peito. — Fiquei até magoada.

    Clementine então olhou diretamente para Niko. Inclinou a cabeça de leve e sorriu. Um sorriso que deixava bem claro que ela tinha um interesse específico nele.

    — Vou ser direta… Tô realizando um serviço, e meu contratante me pagou pra trazer o corpo de um albocerno dessa região. Então… obrigada, Evelyn. Você me poupou o trabalho.

    Ao ouvir isso, Niko puxou a foice das costas, ficando em posição de defesa. Evelyn, por sua vez, se colocou na frente dele, lançando um olhar rápido e intenso por cima do ombro, como se dissesse: “Fica atrás de mim.”

    — Até parece que eu simplesmente te ajudei nisso. Eu não vou entregar ele pra você, sua bruxa. — disse Evelyn, carregando o rifle.

    O sorriso de Clementine sumiu. A expressão dela mudou. Ficou mais séria. Os olhos se estreitaram.

    — Ah… que pena. — disse num tom baixo, desapontado. — Não queria sujar minhas mãos de sangue hoje. Principalmente do seu, Evelyn. Mas… parece que não tenho muita esco-

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