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    — Evelyn, Evelyn, acorda. Já tá na hora da escola. — disse uma mulher de voz suave, balançando o ombro da filha. Seus cabelos grisalhos desciam até a cintura, e as orelhas pontudas revelavam sua linhagem élfica.

    A criança na cama resmungou algo inaudível e se virou para o outro lado da cama. Seus cabelos, da mesma cor que os da mãe, estavam bagunçados, e os olhos ainda fechados. Mas logo a garota levantou as costas, deu um grande bocejo, seguido de um espreguiço que arqueou todo o seu corpo. Os olhos finalmente se abriram, revelando um azul-claro intenso, como a superfície de um lago em um dia ensolarado.

    — O café tá na mesa… Ah, e não esquece de arrumar a cama, tá bom? — completou a mulher, já caminhando para fora do quarto. Parou na porta e olhou para trás com um sorriso. — Acho que você vai gostar da comida de hoje.

    A jovem Evelyn suspirou, passando as mãos no rosto, limpando os olhos. Afastou as cobertas da parte inferior do corpo e se levantou da cama, com seus dedos tocando o chão de madeira. Já de pé, se virou e encarou a cama bagunçada como se ela fosse um amontoado de problemas. “Eu arrumo depois”, pensou.

    Andou até a escrivaninha, do lado oposto da cama, e começou a organizar os materiais da escola espalhados por lá. Canetas, livros, cadernos, tudo estava empilhado com um mínimo de ordem antes de ser guardado na mochila.

    Depois, foi para o banheiro. Escovou os dentes, lavou o rosto com água fria e trocou de roupa, de um pijama listrado e amassado, para um uniforme bem ajustado, composto por um terno escuro abotoado com saia xadrez e uma boina negra. Sua expressão ainda estava meio sonolenta, mas ela já se movia com mais ânimo.

    Descendo as escadas de madeira em passos leves, Evelyn atravessou o corredor. Quadros enfeitavam as paredes: paisagens naturais, retratos antigos, e uma fotografia de três elfos com roupas elegantes — uma mulher e um homem adultos junto de uma criança. Ela atravessou a porta dupla da sala e chegou à mesa de jantar.

    Simplesmente se sentou, sem muita cerimônia. Em sua frente, uma torrada com ovos mexidos ainda soltava fumaça. Pegou-a com a mão e deu uma mordida grande, com fome e sem muita elegância. Na mesa, também estavam sentados seus pais. A mãe tomava chá de uma xícara de porcelana com detalhes azuis. O pai, um homem de cabelos castanhos, usava um terno bem alinhado e lia um jornal dobrado, mastigando lentamente a própria torrada.

    — Bom dia, filha. — disse o homem, com um leve sorriso por trás do jornal.

    — Ah, sim. Bom dia, pai. Bom dia, mãe. Desculpa por não ter falado isso antes. — respondeu ela, com a boca ainda meio cheia.

    — Sem problemas. — disse a mãe, com um tom carinhoso enquanto passava manteiga em outra torrada.

    Evelyn mastigou mais um pedaço, saboreando o gosto simples e caseiro dos ovos mexidos e do pão. Ela balançava as pernas embaixo da mesa, distraída, enquanto os olhos corriam pela cozinha: os armários de madeira escura, o relógio de parede com o pêndulo balançando devagar e a janela deixando entrar um pouco da luz na casa.

    Antes de levantar, a mãe de Evelyn — com um sorriso de canto — se aproximou da cadeira da filha, inclinando-se um pouco.

    — Ei… — chamou baixinho, como se fosse um segredo só das duas. — Quando você sair da escola hoje, me encontra lá na frente do meu trabalho, tá bom?

    Evelyn a encarou por alguns segundos, confusa.

    — Por que?

    — Seu pai queria te fazer uma surpresa, mas eu não sou muito de guardar segredos. — falou a mulher enquanto o pai estava distraído. — A gente vai no Gostmark hoje. — respondeu a mulher, ajeitando a boina da filha como forma de disfarce.

    — Sério isso? — disse a criança com um sorriso largo.

    A mãe acenou uma vez com a cabeça.

    — Tá bom! Eu vou estar lá!

    — Ótimo. — disse a mãe, dando um beijo rápido no topo da cabeça dela. — Agora vai pra escola, antes que você se atrase.

    ***

    Caminhando por uma rua pouco movimentada, estava o homem e a criança. Casas de estilo enxaimel se estendiam dos dois lados da via, com suas estruturas de madeira e paredes claras. Árvores com folhas em tons quentes — amarelos, vermelhos, alaranjados e até algumas de um tom rosado raro — balançavam suavemente com o vento da manhã. Algumas poucas carroças passavam ao lado deles, rangendo sobre a estrada de pedra.

    O cenário parecia calmo, mas o clima entre os dois não era exatamente o mesmo. O homem e a menina caminhavam lado a lado, em direção ao mesmo lugar, mas com objetivos completamente diferentes. Eles estavam a caminho do Colégio Yasen Vlahovic, uma das instituições de ensino médio mais renomadas de toda Colvenfurt. Um colégio que era motivo de orgulho para muitos alunos… Menos para Evelyn.

    O pai dela tinha conseguido um emprego como professor de história ali há quatro anos. O cargo lhe dava não só estabilidade e uma alta renda para a família, mas também a chance de colocar sua filha como aluna bolsista, livre das altas mensalidades que a maioria ali precisava pagar.

    — Suas notas caíram bastante… — comentou ele, sem tirar os olhos da estrada à frente.

    Evelyn bufou baixinho, cruzando os braços.

    — Não caíram tanto assim.

    — No começo do ano, sua média era de 80 pontos. Agora está em 65. Se continuar assim, vai acabar de recuperação… ou, no pior dos casos, reprovada.

    — Eu tô no último ano da escola! Não vai importar tanto se minhas notas caírem um pouquinho.

    — Você que pensa. — respondeu o homem, lançando um olhar rápido na direção da filha.

    Ela virou o rosto pro outro lado, com a cara aborrecida. Isso já tinha virado até rotina. Eles conversavam (ou melhor, discutiam) sobre as notas pelo menos uma vez por semana. Ela sabia todas as falas dele de cor, e provavelmente ele sabia todas as respostas dela também.

    Enquanto caminhavam, Evelyn olhava para o chão de pedras e chutava pequenas folhas secas que caíam das árvores. O céu estava parcialmente nublado, mas algumas faixas de azul apareciam entre as nuvens.

    — Eu só queria pintar quadros. Ou tocar música. Por que eu tenho que estudar essas coisas chatas? — reclamou, fechando os olhos e andando como se carregasse um fardo invisível nas costas. — Quando que eu vou usar física, química ou matemática pra minha vida? Que saco…

    — Eu sei que parece chato agora… — disse o pai, ajeitando os óculos. — Mas ter boas notas vai abrir portas pra você. Mesmo se quiser seguir arte depois… entrar numa boa universidade vai te ajudar.

    — É fácil falar quando você não tá na minha pele… — resmungou.

    — Talvez, mas só quero que entenda o quão privilegiada você é. Sua escola é muito respeitada. Ter o nome da Yasen Vlahovic no seu histórico vai fazer diferença. — ele sorriu, tentando aliviar o tom da conversa. — Eu sei que é chato, mas o esforço compensa.

    Os dois passaram por uma esquina onde o fluxo de pessoas começava a aumentar. Jovens com o mesmo uniforme xadrez de Evelyn surgiam por todos os lados — alguns rindo alto, outros lendo no caminho, e alguns sendo acompanhados por empregados de uniforme preto e branco.

    — Queria poder pular essa fase da minha vida… ir logo pra faculdade. — disse ela, chutando outra folha.

    — Confia em mim. Você não ia gostar disso.

    — Por que não?

    O homem abriu um pequeno sorriso.

    — Porque, como um colega de trabalho meu costuma dizer… — ele estendeu a mão e estalou os dedos bem na frente do rosto da filha. — “O tempo é o ativo mais valioso que existe.”

    Evelyn piscou os olhos de susto com o estalo repentino.

    — E o que isso significa?

    — Significa que o tempo é o recurso mais precioso e limitado que uma pessoa tem. Não importa quanto a gente viva… quando o tempo passa, ele não volta. Cada segundo é único. Como esse estalar de dedos… ele já aconteceu e nunca mais vai voltar

    Ela não ficou satisfeita com a resposta do pai. Sempre que os dois discutiam e a conversa ficava “muito inteligente”, a garota ficava aborrecida e tentava ganhar a discussão a todo custo, até mesmo usando os piores argumentos possíveis. Ela não aceitava perder a discussão para um “nerd” como seu pai.

    — Mas… você pode estalar os dedos de novo e falar a mesma coisa de novo também! — respondeu Evelyn teimosamente.

    O pai riu com leveza.

    — E isso vai fazer o tempo voltar para o momento em que estalei os dedos ou falei aquela frase?

    Evelyn ficou calada por um segundo. O argumento era bom demais pra ela rebater de verdade. Ela odiava admitir quando perdia uma discussão, principalmente para o próprio pai. Percebendo que foi derrotada na discussão, ela decidiu que mudaria o foco da conversa, assim, teria como empatar com seu pai e não perder totalmente a guerra.

    — Hm… Mas ainda acho isso tudo uma besteira. Além do mais… eu sou uma elfa! Tempo é o que não me falta. Ainda tenho séculos pela frente! — respondeu, inflando as bochechas.

    — O que eu tô tentando dizer… — continuou ele, agora com o tom mais calmo. — …é que não importa o quanto você viva. Os momentos certos da sua vida acontecem só uma vez. A infância. A adolescência. Os anos de escola. As pessoas que você conhece… os lugares que frequenta… Nada disso volta depois. Não joga fora seu tempo, Evelyn. Um dia, você pode olhar pra trás e perceber o quanto isso era importante.

    Ela parou de andar por um segundo… mas logo acelerou o passo pra alcançá-lo de novo, sem responder. Queria pensar em um bom contra-ataque pra discussão… mas nenhum vinha. Ficaria devendo essa.

    Virando a última esquina, os dois finalmente avistaram a escola.

    O Colégio Yasen Vlahovic era uma construção imponente de tijolos vermelhos, com duas torres principais ao lado da entrada. Havia um jardim central, com espaços simétricos, árvores bem cuidadas e um caminho de pedras que guiava os alunos até as portas de madeira. Bandeiras com o brasão da escola balançavam acima. O som de estudantes conversando, rindo e andando preenchia o ar.

    Chegando ao portão, os dois pararam por um instante. O pai se virou para ela.

    — Boa aula, filhota.

    — Tchau… — respondeu ela, ainda um pouco frustrada por hoje cedo, mas sorrindo de canto no fundo.

    Evelyn subiu os degraus em direção ao prédio. Caminhou pelos corredores, subiu para o terceiro andar e entrou na sala 314, onde colegas já conversavam e liam o material de estudo.

    Enquanto isso, o pai dela seguiu por outro corredor, rumo à sala dos professores.

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