Capítulo 25 – Memorias Reconfortantes
“Centro Militar Administrativo de Colvenfurt” era o escrito em cima de uma porta adornada por uma estrutura em pedra em uma larga construção de tijolos vermelhos e cinzas, possuindo grandes janelas verticais distribuídas entre seus três andares, possuindo uma chaminé retangular à direita do telhado.
— É aquele o lugar, Evellyn. — falou Niko para a garota ao seu lado.
Evellyn estava olhando para o chão, porém, após a fala de Niko, olhou de maneira reclusa em direção ao outro lado da rua, onde estava o edifício. Quando seus olhos alcançaram o lugar, ela engoliu seco a saliva de sua boca, além de segurar a respiração por alguns instantes.
— Vamos indo para lá?
A pergunta do garoto não teve uma resposta de Evellyn. Ao olhar para a elfa, viu-a com os olhos baixos, na direção oposta a do objetivo. “Vou esperar por ela perto do centro militar”, pensou o garoto, em seguida andando em direção ao local.
Antes que ele percebesse, uma força o puxou para trás, impedindo que desse o segundo passo. Olhando para a direção da força, era Evellyn, o puxando pelo braço.
— Espera só um pouco, Niko… por favor… — ainda olhando para baixo.
O albocerno respeitou sua amiga e aguardou ao seu lado até que ela estivesse pronta. Pouco tempo depois, mal chegando aos quinze segundos, Evellyn deu um grande suspiro. Sua visão, antes para baixo, agora estava reta e seus olhos azuis indicavam sua forte determinação, pronta para entrar no centro militar.
Evellyn deu um passo para frente, em direção ao centro militar. Ao perceber a movimentação da garota, Niko a seguiu. Atravessaram pelo meio da rua e chegaram ao outro lado, avançando pela porta aberta, indicando que eram bem vindos.
No lado de dentro, havia um grande balcão de carvalho à esquerda, com um jovem de cabelos curtos, usando um uniforme militar escuro, sentado lendo um livro. À direita, bancos enfileirados de madeira com um relógio de pêndulo em sua frente. O piso era de madeira, as paredes eram de cor creme e no teto havia luminárias rústicas, brilhando em amarelo, sem contar as três portas na sala, uma além do balcão e uma porta dupla de frente para a porta de entrada.
Ao perceber a entrada de duas pessoas, o recepcionista colocou seu livro sobre o balcão, olhando em direção à dupla, que chegava à mesa.
— Bom dia, como posso ajudar?
— Eh, bom dia, eu sou uma veterana da guerra e gostaria de ver fotos, bilhetes, formulário de alistamento, recordações da guerra em geral… Tem algo assim aqui?
— Tem sim. Qual a identificação?
Era visível que o homem estava suspeitando de Evellyn, muito provavelmente, por ela ser bem jovem, não muito mais nova que ele, e pelo fato da guerra ter sido há dez anos faria com que ela fosse uma militar bem nova, até mesmo não adulta.
— Sou a cabo Evellyn Bauer Gélis, do esquadrão 37, da cavalaria imperial.
Ao terminar de ouvir Evellyn, o homem abriu uma gaveta que estava ao seu lado, puxando um fichário com vários tópicos. Abrindo na sessão cinco, o recepcionista virou mais três páginas até começar a ler o conteúdo que estava nelas. Ele passou o dedo pela primeira página inteira e metade da segunda, parecendo encontrar o que procurava.
— Só um instante, cabo. Eu já volto com seu conteúdo. — disse ele, se levantando. — Ah, eu sou o soldado Filip Hájek. Muito obrigado por ter salvo nosso país, senhora. — respondeu o homem, até pouco tempo atrás duvidando de Evellyn, agora prestando continência a ela.
— Não precisa de toda essa formalidade, homem. — disse Evellyn, com as palmas da mão para frente e um sorriso sem graça no rosto.
— Sim, senhora.
Em seguida, o jovem se retirou, passando pela porta de trás do balcão.
A garota se virou para trás, sentando em um dos bancos de madeira da recepção. Após isso, Niko a copiou, sentando à sua direita.
Olhando para frente, o garoto viu um relógio de pêndulo e logo ficou hipnotizado por ele. O balançar daquele círculo suspenso, junto daquele som repetitivo de “tic-tac”, era o suficiente para tirar a atenção de Niko, que seguiu o pêndulo com seus olhos por minutos. Quando finalmente percebeu o que estava fazendo, ele parou imediatamente de olhar para o objeto mágico que tirava a sua atenção.
Virando os olhos para o lado, Evellyn estava balançando as duas pernas, os braços apoiados nas coxas com os dedos entrelaçados e os polegares sendo esfregados um no outro, repetidamente. Ela estava olhando para baixo, em uma expressão confusa, entre muito desatenta e extremamente concentrada.
— Parece ansiosa.
Ouvindo as palavras de Niko, Evellyn parou de balançar as pernas e colocou sua mão esquerda sobre seu cotovelo direito.
— É… um pouco. É que… faz tanto tempo que eu queria fazer isso, mas nunca tive coragem… Mas agora que você está aqui, tem um motivo a mais para rever essas lembranças. Obrigada pelo empurrão, Niko. — disse ela, sorrindo em direção a seu amigo.
Um som de porta rangendo foi emitido de dentro da recepção. Ao olharem para lá, encontram aquele mesmo jovem de roupas militares, fechando a porta com uma ficha em seus braços. A dupla se levantou e foi em direção ao balcão enquanto o militar se sentava na cadeira de madeira com estofados pretos.
— Está aqui o que você queria, cabo. Reuni vários conteúdos seus ou que tivesse sua menção. Está tudo nesta pasta. — anunciou ele, estendendo um documento até Evellyn.
A garota pegou o documento do soldado, abrindo-o lá mesmo. Enquanto observava os papéis que faziam ela voltar no tempo, se dirigiu até o banco mais próximo, se sentando com um papel na mão, sem tirar os olhos do material.
— Essa é minha ficha de alistamento. Nossa, eu era muito idiota nessa época. — falou Evellyn, entregando o pedaço de papel a Niko, que estava de pé ao seu lado.
Lendo o documento que Evellyn havia entregado, o ser de chifres observou algumas informações sobre a garota, como seu nome completo, nomes dos pais, data e local de nascimento, RN, dentre outros.
O documento estava carimbado em verde, além disso, uma data estava escrita ao lado da marca, “11/04/4492”, era provavelmente o dia em que se alistou. Fazendo uma conta rápida, aquilo significava que Evellyn entrou para o exército tendo apenas quatorze anos, levando em conta de seu aniversário ser em “23/07/4477”. Aquela informação surpreendeu Niko, ele não acreditava que alguém tão jovem foi permitido a ir ao campo de batalha.
— Eu lembro desse dia. O Kristoff queria tirar uma foto do treinamento, ele disse que queria mostrar aos futuros netos que lutou na guerra. — falou a elfa enquanto olhava uma fotografia, entregando-a para Niko em seguida.
Era uma fotografia de sete soldados, todos com estruturas físicas parecidas, com exceção de apenas dois, um que era mais alto que os outros e outro que, além de ser mais baixo, não parecia ser um garoto. Seu cabelo era comprido e grisalho, além de não ter nenhum pelo facial, diferentemente do soldado mais alto. Definitivamente, aquela era Evellyn. Os soldados estavam posando, com seus rifles apontados para cima e um dos braços para trás, além da postura séria, é claro.
— Minha Medalha da Asa Negra. Pensei que nunca iria ver ela de novo. — a garota colocou em seu peito um broche circular, com um corvo central e uma fita preta com uma listra vertical amarela. — Como eu fiquei, Niko?
O garoto tirou seus olhos da fotografia, os colocando em Evellyn, que estava ajeitando o broche em sua roupa.
— Ficou legal?
— É uma medalha bem bonita. Como…
Ao olhar o rosto de sua amiga, ela estava com um sorriso que carregava dor, seus olhos estavam cheios de água, sua mandíbula não parava de tremer e ela parecia que iria desabar e chorar a qualquer momento. Ela nitidamente não aguentava mais e apenas queria soltar todo o peso que carregava em seus ombros.
— Eu ganhei essa medalha quan- — a elfa foi impedida de falar, sentido um calor em seu peito.
Niko percebeu seu sofrimento e abraçou sua amiga. Ele não entendia sua dor, mas sabia que ela precisava de ajuda e um abraço era tudo o que poderia lhe oferecer.
Assim que a garota recebeu o abraço de Niko, ela começou a chorar, agarrou as costas dele com força, se apoiando nele. Soluçando e colocando sua cabeça em seu ombro.
— E-eu não q-queria ter passado por aquilo. E-eu n-não queria que o Kristoff morresse, e-eu não q-queria que o Otto morresse, e-eu nã-o queria que o Nikolas m-morresse. Por que isso teve que acontecer? Eles só queriam ter uma vida feliz, mas agora nem mesmo uma vida eles têm, isso não é justo huhu shh~aaah.
A garota seguiu chorando por minutos no ombro de Niko, jogando fora toda essa tristeza para si, toda a tristeza que passou longos dez anos guardando em silêncio. Evellyn finalmente deixou esse peso para trás, fazendo-a seguir em frente e ficando em paz com seu passado.
A garota guardou alguns de seus documentos na pasta, ficando apenas com o broche em seu peito, seguindo em direção ao balcão onde estava o recepcionista, entregando a pasta a ele.
— Muito obrigada. — disse ela com um feliz sorriso no rosto.
Evellyn se virou para a saída, onde estava Niko a esperando, ainda do lado de dentro. Ela começou a andar e os dois saíram do prédio, enquanto Evellyn olhava para trás ainda sorrindo.
— O recepcionista se levantou. Espera só uns cinco minutos, daí você já pode usar sua Alma.
O plano de Niko e Evellyn era baseado em quatro partes. A primeira era pegar os documentos e lembranças de Evellyn, a segunda, esconder uma marca de Alma, de Niko, em meio aos documentos, terceira, Niko usar seu portal para entrar no armazém e por último, procurar pela ficha de alistamento de Clementine, onde encontrariam seu endereço, pelo menos, de dez anos atrás.
As primeiras duas etapas do plano já foram completadas, agora só faltavam as últimas duas.
A dupla passou os últimos minutos apenas andando, buscando se afastar do centro militar administrativo.
Se passou cerca de sete minutos desde que saíram do local. Niko avistou um beco entre os prédios, na calçada onde estavam, assim tendo uma ideia na hora.
— Evellyn, vamos entrar nesse beco, assim tem menos chances de alguém ver eu desaparecendo e chamar a polícia ou algo do tipo.
— Bem pensado.
Os dois deram meia volta, deixando a rua relativamente movimentada. Agora, no beco escuro, estavam. Evellyn sentou-se no chão, apoiada na parede. Niko pegou uma de suas adagas e a deu para Evellyn.
— Estou adorando essa aventura, nunca pensei que iria passar por isso alguma vez na vida, valeu mesmo por esse entretenimento. Ah, e toma cuidado, Niko.
— Vou me cuidar.
Em seguida, Niko desapareceu, saindo do beco e deixando Evellyn sozinha.
Antes, Niko estava vendo Evellyn, sentada no chão; agora, estava vendo nada, um completo breu. Estava tudo escuro, somente sua mão, que estava encostada na marca de Alma, tentava o guiar às cegas. Então… um som de “click” e o garoto agora podia enxergar no escuro, graças ao mecanismo que estava em sua mão.
Ele estava no armazém. Havia uma série de estantes e gavetas, guardando milhares de documentos e arquivos. Niko não perdeu tempo, começando sua busca após uma breve olhada no local.
O garoto surgiu perto do final da estante, percebendo que elas eram marcadas com números, “4488”, “4489”, “4490”… os documentos estavam organizados em anos. Deduzindo assim, deveria encontrar a estante do ano de “4492”, ano em que Evellyn se alistou. Porém, ao sair de onde estava, começando a busca, Niko percebeu que a estante “4492” não existia, no seu lugar estava uma sessão inteira marcada em “Grande Guerra”.
Procurando na sessão, o garoto viu diversos documentos de diversas pessoas, diversas pessoas que não eram Clementine. Lukas Novotný, Marek Kowalski, Tomasz Richter, Janek Horváth… Porém, Niko não encontrava nada de Clementine Havelka. Havelka era o sobrenome da mulher, pelo menos era o que Evellyn disse.
Minutos se passaram e parecia que Niko nunca encontraria a pasta de informações sobre a mulher. Porém, quando menos esperava, ele estava segurando uma pasta com o nome Clementine Havelka Mirov. Aparentemente, esse era o nome completo dela. Na mesma hora, Niko agarrou a lanterna com os dentes e abriu o documento, esperando encontrar o endereço da mulher.
A pasta estava levemente empoeirada. Dentro dela havia alguns documentos sobre o desempenho da garota durante os treinos, no restante da guerra, cartas trocadas entre oficiais com sua menção, dentre outras coisas. Somente entre as últimas folhas estava sua ficha de alistamento.
A ficha contava com as informações da mercenária: Nome completo, nome dos pais, data e local de nascimento, altura, cor dos olhos… Somente no final da folha constava a sua residência. “Endereço residencial: Rosenhain, Rua Altstadt, Nº42”, aquele era o endereço de Clementine.
Ao descobrir sua residência, Niko fez uma anotação em um pequeno bloco de notas que carregava consigo. Em seguida, organizou o documento, colocando-o no mesmo lugar, guardou sua lanterna no bolso e utilizou seu portal para voltar até onde estava Evellyn.
— Ai! Desculpa, desculpa! — clamou uma voz masculina jovem.
— Você achou mesmo que iria conseguir me roubar mesmo tão fácil assim, seu merdinha?!
Ao voltar ao beco, Niko viu uma cena curiosa. Evellyn estava segurando a gola de um rapaz jovem, enquanto o colocava sobre a parede com uma mão e ficava com uma estaca de gelo na outra. O estranho estava assustado, com os braços levantados, enquanto a elfa parecia furiosa.
— O que está acontecendo aqui?
— Ah, oi, Niko. Enquanto eu estava aqui, um rato tentou me assaltar, mas eu já resolvi a situação. — disse Evellyn, enforcando o jovem entre a parede. — Vaza daqui e nunca mais volte!
Evellyn soltou o ladrão, ficando de joelhos e tossindo um pouco. Ao olhar para cima, o jovem encontrou os olhos de Evellyn. Em seguida, ele foge, saindo do beco, como um covarde.
— Encontrou o endereço dela?
— Sim, está anotado aqui onde a Clementine mora.
Niko entregou a Evellyn seu bloco de notas, com a página da anotação. Assim que a elfa pegou o bloco de notas e leu seu conteúdo.— Rosenhain, Rua Altstadt, número 42… Conheço o bairro, não fica muito longe daqui.
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